'Reboladinha' de prata:

Caio Bonfim explica a marcha atlética

Como funciona a marcha atlética

Antes de conquistar a medalha de prata na prova dos 20km nas Olimpíadas de Paris-2024, o marchador Caio Bonfim explicou os detalhes da modalidade.

O que define o movimento é a perna do marchador, que deve estar totalmente esticada no primeiro contato com o solo. Não é permitido entrar com o joelho dobrado, como na corrida.

Esse joelho estendido gera um pêndulo que faz o quadril ir um pouco pro lado - o que leigos entendem como um "rebolado"

"Todo mundo anda assim, mas como a gente está muito rápido, a 15 ou 16 km/h, acontece o requebrado, para o cara não tirar os dois pés do chão", conta Caio.

Caio explica que a marcha não pode ter "fase aérea", em que os dois pés saem do chão ao mesmo tempo - o que acontece em outro esporte, a corrida.

Observando velocistas como Usain Bolt é possível ver que a perna que chega ao chão está sempre com o joelho dobrado. É como se o movimento fosse uma sucessão de saltos.

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A prova

A prova olímpica da marcha atlética tem 20 km, nas categorias individuais.

Mas ao contrário de provas longas de corrida, que acontecem em um circuito de vários quilômetros de extensão, a marcha atlética acontece em um circuito fechado, com os atletas dando voltas em círculos.

O formato é pensado para que os árbitros possam avaliar a técnica dos atletas. Existe um juiz a cada 250 metros, em um circuito de, usualmente, 2 km.

Quando algum dos árbitros encontra algo fora das regras, ele levanta uma placa amarela para o atleta punido.

Caso o marchador leve três faltas, de três juízes diferentes, ele deve ir para um "cercadinho", onde espera por dois minutos para poder seguir a prova.

Depois de voltar, se levar mais uma falta, ele é desclassificado da competição.

"Esse é o maior desafio, lidar com você mesmo, a quilometragem, o adversário e ter pessoas te julgando."

A análise de possíveis faltas é feita apenas a olho nu, sem uso de qualquer tipo de tecnologia.

As duas faltas possíveis, segundo Caio, são:

"Bloqueio": quando a perna mais avançada do atleta chega ao chão dobrada.

"Flutuar": quando os dois pés do marchador perdem contato com o chão ao mesmo tempo.

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Vice-campeão olímpico deixou futebol para seguir "herança"

Caio Bonfim é treinado pelos pais: Gianetti Bonfim, octacampeã brasileira de marcha atlética, e João Sena, que foi preparador da esposa.

Apesar da "herança", o garoto preferiu o futebol até os 16 anos. Jogando em uma posição que não gostava, ele acabou convencido pelo pai a migrar para a marcha - com o sonho de ganhar a vida como atleta.

E logo vieram os resultados: um ouro no Sul-Americano com apenas 21 anos. "No futebol, eu já me destacava pelo preparo físico, pela velocidade. Perdi um tempinho lá, mas aprendi muito."

Hoje, ele também ajuda os pais a manter o Centro de Atletismo de Sobradinho, projeto social que uniu os dois em 1990. "Queremos formar campeões e mais ainda cidadãos, com o atletismo como meio."

25 km ao dia: o treino de Caio

Apesar de a prova olímpica ter "apenas" 20 km, Caio faz de 25 a 30 km de marcha por dia, seis vezes por semana - com exceção para a véspera das competições, em que a rotina vai de domingo a domingo.

Caio também treina em pistas de atletismo, mas dá preferência à marcha na rua: "até criar rotina e maturidade para lidar com todos esses quilômetros leva um pouco de tempo."

"A gente faz muito baldão de gelo, massagem, fisioterapeuta. Como (o treino) consome muitas calorias, a nutrição também é muito importante, assim como suplementação."

Caio tem a Bolsa Atleta como renda principal, além de apoios da Caixa, da Confederação Brasileira de Atletismo e da Secretaria de Esporte de Brasília, onde vive com a mulher e os dois filhos.

"Eu lembro de minha primeira Olimpíada, Londres 2012, da última volta que eu estava fazendo. Eu pensava comigo mesmo: 'caramba, agora vou ter um apoio e vou poder casar.'"

A "virada de chave" na Rio 2016

Mesmo com resultados expressivos em outras competições, como um bronze no Pan 2015, Caio sentiu uma "virada de chave" do público com a marcha apenas nas Olimpíadas do Rio, em 2016.

Com a conquista de um inédito 4° lugar na prova de 20 km, ele diz que passou a ser incentivado pelas pessoas que o viam treinando - após anos de preconceito com os movimentos da marcha.

"Quando eu era novinho, ia marchar na rua e recebia 'aquelas' piadas. Era como jogar fora de casa todo jogo. Quando voltei da Olimpíada, a buzina mudou. Antes, era pra dar um susto. Depois, comecei a ouvir um: 'vamos campeão'."

Consagração sob a Torre Eiffel

Em sua quarta Olimpíada, Caio finalmente chegou ao pódio em Paris-2024: ele comandou a prova e só não venceu porque, na reta final, tinha duas punições e teve de ser cauteloso.

"Em 2012, terminei passando mal e tive que ser carregado em uma cadeira de rodas. Em 2016, em casa, terminei em quarto. Em Tóquio, 13º. Hoje, consegui ser prata. É um sabor especial, estou muito feliz. Paris agora faz parte da minha história".

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Mas de onde veio essa 'corrida alternativa'?

A história da marcha atlética começou no Reino Unido durante a Era Vitoriana - nome dado em homenagem à monarca, rainha Vitória - que foi de 1837 a 1901.

A versão "embrionária" da marcha era praticada pelos criados dos nobres. Eles tinham que andar lado a lado das carruagens dos patrões, que apostavam quem faria o trajeto em menos tempo - e sem correr.

O "pedestrianismo" chegou aos EUA no final do século 19 com provas de até 700 km, percorridos sem pausa. Com o tempo - e problemas de saúde dos atletas - a modalidade foi reformulada, virando a marcha atlética.

A marcha atlética estreou nas Olimpíadas em 1904, nos Estados Unidos, mas como parte de uma espécie de decatlo, competição de atletismo composta por múltiplas provas.

A modalidade ganhou uma prova individual nos Jogos de 1908, mas só na categoria masculina, com 16 km de marcha. Já as mulheres tiveram que esperar até Barcelona 1992 para participar do evento.

A maior prova, de 50 km, surgiu em 1932 e perdurou até os Jogos de Tóquio 2020, sempre restrita a homens. Para Paris, o desafio foi substituído por 42,5 km feitos por uma dupla mista. O Brasil tem vaga.

Publicado em 31 de julho de 2024

Reportagem e pesquisa: Pietra Carvalho

Design e ilustrações: Marcos de Lima

Concepção: Marcos de Lima

Animação: Santhiago Botture e Marcos de Lima

Coordenação e edição: Bárbara Paludeti e Fabiana Uchinaka

Coordenação de design: Gisele Pungan, René Cardillo e Tadeu Meyer