Futebol sem paletó e gravata

Mauro Cezar Pereira se joga na internet, assume lado despojado e dá recado a haters: "Não abaixo a cabeça"

Talyta Vespa Do UOL, em São Paulo Lucas Lima/UOL

Mauro Cezar Pereira tem vivido na internet o deleite da ausência de regras encaixotadoras da TV. Na rede, hospeda a maior parte dos seus projetos. Além de ser colunista do UOL Esporte, o jornalista é superativo no Twitter, usa o Instagram para trabalhar e tem um canal no YouTube na qual promove lives despojadas —e regadas a cerveja, por que não? Afinal, como enfatiza o comentarista, "não se discute futebol de paletó e gravata".

A partir da próxima quinta-feira (18), Mauro ainda protagonizará o programa semanal de entrevistas "Dividida", no UOL Esporte. Aos 57 anos de idade e 38 de carreira, ele diz que será uma experiência inédita. "Já fiz entrevistas marcantes, é claro, mas nunca como o entrevistador de um programa, com a missão de tocá-lo".

O espaço da internet é tão importante para o jornalista que, para continuar ativo nas redes, em janeiro, deixou o trabalho de comentarista da ESPN após 16 anos na emissora. "Comecei a tratar o YouTube com mais profissionalismo em 2018, e a rede social passou a ser tão parte da minha rotina como todos os outros trabalhos que faço. A empresa em que eu trabalhava tentou impor que eu não trabalhasse para mais ninguém, e eu não tinha interesse nisso. Não renovamos o contrato, e segue o caminho. Desde então, tenho trabalhado até mais do que antes porque me envolvi totalmente nos meus projetos pessoais".

A consequência de uma atuação tão intensa na internet são os críticos raivosos, os famosos "haters". Mauro Cezar tem a receita para lidar com eles: bloqueia e, em casos mais graves, como ameaças, também para para a esfera judicial.

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Tête-a-tête com Romário

Perto de estrear o novo programa de entrevistas, Mauro Cezar destaca uma conversa descontraída com Romário em 1993 como uma das mais marcantes da carreira. O jornalista estava no Rio de Janeiro para a cobertura das eliminatórias da Copa do Mundo de 1994. Brasil e Uruguai se enfrentariam no dia seguinte, no Maracanã, por uma vaga no torneio — os brasileiros precisavam de um empate enquanto os uruguaios só se classificariam com a vitória. Um dia antes da partida, Mauro Cezar foi ao hotel em que a seleção estava hospedada.

"De repente, o Romário desceu até o térreo, e a gente o entrevistou, em uma conversa informal, em que pouco ele falou sobre o jogo. E esse foi o grande barato da entrevista. Muito mais importante do que o que ele disse foi observar o quão nem aí ele estava para aquele jogo —e só se falava daquilo no Brasil todo", relembra.

"Ele teria uma responsabilidade enorme 24 horas depois, mas não estava sequer ansioso, como jogadores costumam ficar em uma situação como aquela. Ficam concentrados, nervosos. Ele estava completamente alheio a tudo isso. A reportagem, nesse caso, trouxe algo diferente. Como estava o Romário antes do jogo? Ele simplesmente parecia achar que não iria haver jogo".

Lucas Lima/UOL Lucas Lima/UOL
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A arte dos encontros

Pouco antes da entrevista com Romário, Mauro Cezar perambulou pelas ruas de Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro, para descobrir o hotel onde estava hospedado Ghiggia, o ponta-direita que fez o gol do título do Uruguai sobre o Brasil na Copa de 1950. "Naquela época, não tinha celular, não era simples. Ouvi dizer que ele estaria no Brasil para assistir aquele Brasil x Uruguai junto a um grupo de torcedores", afirma o jornalista.

Mauro passou por recepções descrevendo o ex-jogador a funcionários em busca do encontro. De um deles, ouviu que um homem com características similares às que ele apresentou bebia um café no lounge do hotel. "O fotógrafo e eu chegamos lá, falamos com ele e foi bem interessante. Era um nome do futebol que eu cresci ouvindo —pela derrota do Brasil em 1950. Foi um combo".

Entre encontros com ídolos, o comentarista relembra a breve troca de palavras com João Saldanha —que estampa uma das camisetas preferidas de Mauro Cezar. O encontro aconteceu no estacionamento do Maracanã em 1988, dois anos antes da morte do jornalista e ex-técnico da seleção brasileira.

"Eu estava com um colega que trabalhava no Jornal dos Sports, e ele conhecia o Saldanha. Os dois conversaram, e eu, como estava ali, de carona na conversa alheia, também troquei algumas palavras com ele. Foi bem legal. Infelizmente, não tive a oportunidade de desfrutar do convívio dele —até tenho idade para isso, mas não tive sorte. Por ele, muito respeito e admiração", afirma.

UOL

Um ex-ranzinza

Na TV, Mauro Cezar fazia a linha sério, pouco sorridente e sem papas na língua. Sua atuação como comentarista foi marcada por polêmicas e até discussões com colegas para defender seus pontos de vista. Quem estava habituado a esse perfil tem ficado surpreso com a mudança de postura. Desde que o jornalista fez das redes sociais uma extensão do seu trabalho, a persona divertidamente ranzinza deu espaço a uma figura risonha.

Na live Soft Open, veiculada em seu próprio canal do YouTube, Mauro Cezar discute futebol bebericando uma cervejinha aos fins de tarde. É assim que se sente à vontade para falar sobre o esporte. "Não entendia aquela coisa de ter que vestir camisa social, paletó e gravata na televisão. Mas não questionava, era o figurino. Futebol se discute vestindo camiseta de banda de rock", brinca.

Ao UOL Esporte, ele afirma que a mudança no próprio estilo de apresentar o programa está relacionada à irreverência que as redes sociais possibilitam — diferentemente da televisão. "Eu não mudei, o que mudou foi o espaço em que me apresento e o que esse novo espaço permite".

Lucas Lima/UOL

Recado para os haters: "Internet não é terra de ninguém"

Com um milhão de seguidores no Twitter, 390 mil, no Instagram e 588 mil inscritos em seu canal no Youtube, Mauro Cezar faz da troca com os seguidores uma ferramenta de trabalho. Mas também não está a salvo dos "haters". Hoje em dia, tem a receita para lidar com eles quando as críticas ao seu trabalho (ou às suas opiniões) ultrapassam o limite: bloqueia quem o xinga e, quando é ameaçado, parte para a esfera criminal.

"Se eu deixar de ler o que as pessoas escrevem, vou perder 95% de contatos interessantes. Há muitos leitores que me escrevem enviando notícias, com ideias, pautas proveitosas para o meu trabalho. Não posso perder isso porque 5% dos contatos são de haters", conta.

"Quando bloqueio, interrompo o contato com essa pessoa. Faço isso porque não tenho a intenção de ter contato com ela. De vez em quando, reajo, respondo, porque é necessário marcar uma posição. Mandei, inclusive, alguns deles para a delegacia", conta Mauro, relembrando que, em 2017, procurou o Ministério Público de São Paulo, pedindo uma investigação contra usuários que o ameaçaram por meio do Twitter.

"A denúncia chegou à polícia de São Paulo, que investigou, e 17 desses 'haters' precisaram prestar depoimento. Teve gente se retratando diante do juiz. Então, melhorou bastante porque essa informação circula, né? E, assim, eles percebem que a internet não é terra de ninguém como se imagina que é".

O camarada que vem para xingar se sente empoderado por causa do anonimato. Quem trabalha com futebol lida, o tempo todo, com isso, porque trata da paixão das pessoas. Então, se eu digo algo que incomoda, a pessoa se sente à vontade para me xingar. Isso é inadmissível. Se não gosta de mim, não me acompanha, ué"

Mauro Cezar Pereira

Não tenho medo de hater, não abaixo a cabeça para eles. Em geral, são covardes, pessoas com problemas. Esse espaço, da internet, tem que ser de todos nós. Dos jornalistas, principalmente, porque ter rede social é muito importante para nós. A gente não pode sair de campo por causa desses caras".

Mauro Cezar Pereira

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