Equipe campeã

Laura Amaro foi do futebol ao levantamento de peso e guarda em casa uma coleção de conquistas no esporte

Alexandre Araújo e Paulo Favero Do UOL, no Rio Pilar Olivares/Reuters

Em uma casa em Cascadura, Zona Norte do Rio de Janeiro, funciona a sede da "equipe campeã", como Laura Amaro e família batizaram. No local, não há halteres, anilhas ou coisas do gênero, mas um lar repleto de afeto e apoio. Da torcida às marmitas, Seu Irapuan e Dona Elisia não escondem o largo sorriso ao ver os troféus da carreira da filha expostos na mesa da sala.

"Eu faço parte da 'equipe campeã', a mãe dela faz parte... É uma sensação de orgulho. Realmente, dá um orgulho. A palavra que mais nos remete à nossa filha é felicidade", diz Irapuan.

Em meio a tantas lembranças — e nem todas do levantamento de peso —, eles projetam o que ainda pode acontecer. A coleção tem chance de ficar mais recheada em breve, e com uma peça inédita. Afinal, Laura vai participar pela primeira vez dos Jogos Olímpicos de Verão, e essa história ainda será explicada melhor.

"Como família, sempre priorizamos buscar o que era melhor para ela e o que ela queria. Dá para ir? Então, vamos embora", afirma Elisia.

A brasileira carimbou sua vaga para Paris em abril, ao levantar na soma 253 kg na etapa da Copa do Mundo em Phuket, na Tailândia, e entrar na zona de classificação na categoria até 81 kg.

A menina que começou no esporte nas brincadeiras na rua sem saída em frente de casa está de malas prontas para a França.

Pilar Olivares/Reuters

"Quando comecei no levantamento de peso, só continuei por causa deles e por causa dessa coisa deles terem o olhar um pouquinho mais à frente também para aconselhar."

Laura Amaro

As brincadeiras na rua

A rua sem saída em frente ao portão de casa era o cenário para uma ainda jovem e franzina Laura brincar. O tempo livre com os amigos, liberado após os deveres de casa, gerava expectativa.

Assim como em diversos cantos do Brasil, o futebol era a modalidade mais praticada pela criançada, e foi através dele que Laura começou a trilhar o caminho no esporte.

"Minha mãe trabalhava [fora], eu ligava e perguntava: 'Posso ir para a rua?'. Eu desligava e já ia correndo. Aqui na rua começou tudo. Era golzinho, 10 minutos ou dois gols. E eu era daquelas que pegava água com o amigo amigo para não entrar em casa antes"

As habilidades com a bola nos pés foram desenvolvidas também com a ajuda dos primos mais velhos, moradores da região e muito próximos à família de Laura. Ganhou o apelido de "Martinha", em referência à Marta, eleita a melhor jogadora do mundo seis vezes.

Com as atenções voltadas aos pés, que vestiam meiões e chuteiras, ela atuou por um núcleo do Fluminense e guarda boas memórias daquele tempo. A medalha da Copa Guerreirinho de 2013 tem espaço na coleção de conquistas em sua casa.

Da bola para os pesos

Laura foi descoberta por Carlos Aveiro, o Saul, em um projeto social, e a parceria entre eles permanece desde então. Para Irapuan, ele enxergou elementos nela que iam além do que os pés podiam fazer com a bola.

"Ela vai ser campeã. Ele afirmou isso. Ela era aquela criança magrinha, mas ele viu alguma coisa nela... Ele viu alguém que queria competir, chegar em primeiro. Em algum momento, ela mostrou isso e ele enxergou", conta.

A "fome" pela vitória, segundo a própria Laura, também foi herança dos tempos em que brincava na rua. A trajetória começou em 2013, e ela admite que não foi amor à primeira vista pelos halteres.

"Eu fui convidada para fazer o teste. Acabou e meu treinador falou assim: 'Fica que você vai ser uma campeã'. Nós viramos as costas e eu falei para meus pais: 'A gente não vai voltar mais aqui porque eu não gostei de fazer isso'. E eu adorava o futebol"

Irapuan e Elisia foram os responsáveis por convencer a filha a dar mais uma chance. Houve mais uma, mais outra, e novamente outra. Laura foi se familiarizando com os movimentos e, aos poucos, pegando o gosto. Logo de cara, não largou o futebol, porém. Foram cerca de seis meses conciliando com o levantamento de peso.

"O Saul disse: 'Ela só sai daqui se quiser'. E tivemos de conciliar escola, futebol, levantamento de peso (risos). De manhã ela ia para a escola, e aí tinha o dia do futebol, o dia do levantamento de peso. E ele falou: 'Quando ela for para a primeira competição, vai deixar o futebol'. Não deu outra", conta Irapuan.

A "profecia" de Aveiro se confirmou. Laura foi para a primeira competição, realizada em Realengo, bairro próximo a Cascadura, e, a partir dali, a página virou. "Ficamos ali na torcida. Aquela coisa de 'segura, segura'. E ela segurou. No dia seguinte, disse que não queria mais ir ao futebol. O Saul estava certo".

A medalha conquistada naquele dia integra o acervo pessoal. Pequena e simples, se comparada a outras peças, mas com uma enorme importância na vida da hoje atleta olímpica.

"Resolvi ficar, resolvi treinar. E quando você entende o por quê você treina, a brincadeira fica melhor (risos). Você começa a querer treinar, a querer competir, a querer ganhar", diz a atleta.

"Cada competição é uma revolução. Quando vai para uma competição nova, você zera. Aquela passa a ser importante. É um trabalho de superação. Por mais que tenha outros atletas, você tem de superar você mesma. Isso tudo tem o mérito dela, mas quero agradecer muito ao Saul. Ele quem buscou essa atleta que está aqui hoje, e ela veio. E a família também veio junto."

Elisia

A aventura no gelo

A menina nascida na Zona Norte do Rio de Janeiro viveria ainda uma aventura no gelo. Depois do início no futebol e da caminhada que já tinha em torno de um ano no levantamento de peso, Laura Amaro participou pela primeira vez das Olimpíadas.

Ela defendeu o Brasil no skeleton nos Jogos Olímpicos de Inverno da Juventude, em 2016, em Lillehammer, na Noruega. Na modalidade, o atleta deita em uma espécie de trenó e desce a pista — faz de duas a quatro descidas e vence quem tiver o menor tempo no total.

O skeleton pedia potência no chamado push inicial, algo que Laura já tinha devido ao levantamento de peso, e a velocidade de corrida, ponto que também conseguia desenvolver.

A viagem deixou a mãe de coração apertado, e fez alterações no planejamento da festa dos 15 anos. Dona Elisia correu e conseguiu homenagear o levantamento de peso e o skeleton no topo do bolo, que teve também a representação das cachorrinhas Bolinha e Estrelinha.

A experiência no esporte de inverno não teve outros capítulos, e Laura voltou a olhar apenas para o levantamento de peso.

A trilha vencedora no levantamento de peso

Já são mais de 10 anos dedicados ao levantamento de peso e diversos pódios nesta caminhada, materializados nas medalhas e troféus. Algumas peças se tornaram históricas.

Laura, por exemplo, se tornou a primeira brasileira medalhista em Mundial da modalidade. Em 2021, no Uzbequistão, ela, à época com 21 anos, faturou a prata na primeira metade da prova, e, no geral, ficou em quarto.

Mas um, em especial, mexe com Laura e com a família: o troféu de melhor atleta do levantamento de peso de 2022, concedido através do Prêmio Brasil Olímpico - ela ganhou também no ano passado.

"Uma coisa com a qual eu fiquei muito feliz, realmente, foi o prêmio de melhor atleta. Eu não tinha noção que tinha esse prêmio! Quando ela falou: 'Mãe, eu vou ser homenageada com o prêmio de melhor atleta', eu fiquei muito feliz. É uma emoção muito grande ter esse prêmio nas mãos", explica Elisia.

Laura poderia levar apenas um convidado à cerimônia, mas deu um jeito de ter os pais, e integrantes da "equipe campeã", bem pertinho neste momento. "Até tietamos os outros atletas. Tirei foto com o Alison, o Piu", brincou o pai.

A atleta, porém, cultiva carinho especial também pelas mascotes de pelúcia das competições às quais participa. "Sou muito fã, as mascotes são muito legais".

"Uma coisa legal que eles passaram para mim é de ser espontânea, verdadeira, não esconder os sentimentos. Isso sempre cultivamos entre a gente."

Laura Amaro

Da preocupação com o corpo ao orgulho

A escolha de Laura pelo levantamento de peso gerou certo receio no avô paterno, que temia que a neta magrinha tivesse uma transformação muito grande no corpo, mas Irapuan tratou de "acalmar" o pai. O corpo de Laura, de fato, mudou, mas é motivo de orgulho para a família.

"Meu pai, se fosse vivo, estaria com 85 anos. Então, era uma pessoa 'das antigas'. Quando falei para ele, respondeu: 'Não deixa a minha neta no levantamento de peso, ela vai ficar com corpo deformado'. Eu falei: 'Pai, não tem nada disso. Não vai deformar corpo algum'."

A família da atleta ainda se espanta com a "validação" externa da carreira. Jogar o nome dela no Google e ver as diversas informações os deixa pasmos.

"Eu fico toda orgulhosa quando eu coloco o nome dela no Google e aparecem as reportagens. Tem até uma biografia pronta (risos)", brinca Dona Elisia.

"Às vezes, vamos fazer compras juntas. Entramos na loja e a vendedora: 'Nossa, corpo legal'. E minha mãe já começa a mostrar vários vídeos. Ela não se aguenta", conta Laura.

"Ver ela feliz, progredindo, é um retorno para a gente. Mais que ganhar medalhas, se abre para o mundo, melhora como ser humano. E uma coisa que reparo é que as medalhas estão vindo, mas aquela vaidade descabida não aparece, e nem vai aparecer. A vaidade que pode derrubar tudo isso."

Irapuan, Pai

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