A última cesta

Um dos maiores ídolos da história do Flamengo no basquete, Olivinha revive memórias após aposentadoria

Luiza Sá Do UOL, no Rio

É impossível contar a história do sucesso do basquete do Flamengo sem mencionar Olivinha. Um dos maiores ídolos do clube na modalidade, ele termina a carreira como maior reboteiro do NBB e duas vezes MVP das finais. O "Deus da Raça" também ultrapassou a marca expressiva de sete mil pontos no campeonato nacional. Agora aposentado, ele lembra com carinho e orgulho das memórias que construiu nos 30 anos dedicados ao esporte.

Aproveitando o tempo com a família antes de dar o próximo passo fora das quadras, Olivinha já até mudou a descrição nas redes sociais. Agora ele conta o "diário de um aposentado" que deixou as quadras como bicampeão mundial (2014 e 2022), hexa do NBB (2012-13, 2013-14, 2014-15, 2015-16, 2018-19 e 2020-21), tri da Copa Super 8 (2018, 2020-21, 2023-24), campeão da Liga das Américas (2014) e da Champions League das Américas (2020-21), além de ter 13 títulos cariocas (2002, 2006, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2018, 2019, 2020, 2021, 2022, 2023) e um paulista (2011). Na seleção brasileira, ganhou uma Copa América (2009) e um ouro nos Jogos Pan-Americanos (2015).

Em entrevista ao UOL, Olivinha repassou todas as grandes memórias ligadas à carreira vitoriosa construída no Flamengo. Ele mostrou com orgulho as medalhas dos dois Mundiais, além de relembrar com fotos os momentos mais marcantes dos quase 20 anos de clube.

Nos braços da torcida

O fotógrafo do Flamengo Gilvan de Souza foi responsável por eternizar a memória mais especial de Olivinha na carreira. Em setembro de 2014, o clube conquistou o Mundial de basquete pela primeira vez ao vencer o Maccabi no Rio de Janeiro. A cena mais emblemática da tarde foi a invasão da torcida para festejar na quadra.

"Uma coisa absurda, nunca vi na minha vida. Ninguém esperava e eu não entendi até hoje o que aconteceu. Quando acabou o jogo, a gente estava comemorando entre nós e apareceu um torcedor do nada. Olhei e, bom, beleza. Daqui a pouco dois, três, 10, 20, 100, a quadra toda lotada. Veio um torcedor, me colocou no ombro, me levantou e eu estava lá de cima olhando. Tomei um susto quando me levantaram, olhei aquele mar de gente comemorando. Aquela é a foto da minha carreira. Eu com o braço para o alto, todos os rubro-negros em volta de mim. Foi demais."

O Fla, ali, se sagrava campeão de todos os torneios possíveis. Aquele acabou sendo um dos times mais marcantes da história do basquete rubro-negro, vencendo tudo que disputou.

Inspirado

O segundo título mundial foi longe da torcida, mas marcou o Flamengo como único time bicampeão do torneio no basquete. A vitória no Egito contra o San Pablo Burgos, da Espanha, teve atuação inspirada de Olivinha, que terminou como cestinha da partida.

"Só o Flamengo é bicampeão mundial no basquete e isso é um orgulho muito grande para mim. Sempre que olho para essa medalha eu lembro de tudo que nós passamos, tudo que foi feito para chegar ao Mundial. Nós traçamos o objetivo de conquistar esse título. Era o principal objetivo da temporada. Foi no Egito, nunca tinha ido para lá, completamente diferente de tudo que eu vivi na vida. Foi um jogo onde eu estava meio que inspirado, queria muito ser bicampeão mundial. Aquele jogo deu tudo certo para nós."

A vitória fez Olivinha realizar dois sonhos. Primeiro, o título. Depois, ir ao gramado do Maracanã fazer a volta olímpica com a torcida. Era um clássico contra o Vasco e no momento que o ala-pivô começou a fazer um discurso, os vascaínos vaiaram. Ele, então, puxou uma música alfinetando os rivais.

"Eu sou fanático por futebol. E se tem um sonho que eu realizei, foi entrar no Maracanã com a torcida do Flamengo enaltecendo a gente. Nessa oportunidade foi um Flamengo e Vasco. A gente tinha levado o título do bicampeonato mundial. Eu queria só passar a mensagem para o torcedor rubro-negro que estava lotando ali e era muito maior do que a torcida do Vasco. Quando eu estava falando com a torcida do Flamengo, a torcida do Vasco começou a vaiar. Aí eu falei, meu irmão, não é possível. Não vou perder essa oportunidade aqui nunca. E aí eu comecei a puxar a música que a gente canta sempre que vence os jogos aqui na quadra. 'Nós queremos respeito, isso aqui não é Vasco, isso aqui é Flamengo'. A torcida do Flamengo veio em peso junto comigo e aí a torcida do Vasco calou a boca, até porque eles não podiam fazer nada ali naquele momento. Foi um êxtase absurdo para mim".

Quando eu vi que a torcida começou a cantar, o Maracanã todo cantando com a gente, aí... Esquece. Foi só comemorar bastante junto com o nosso torcedor. Realmente foi bem marcante para mim"

Olivinha, ex-jogador de basquete do Flamengo

O começo de tudo

Olivinha teve duas passagens pelo Flamengo antes de voltar para ficar. O clube, que precisou encerrar as atividades no basquete anos antes por limitações financeiras, passou a investir pesado e colheu os frutos. Em 2012-13, primeira temporada após o retorno do ala-pivô, o time comandado por José Neto venceu o Uberlândia.

"Primeira conquista de campeonato brasileiro da minha carreira. Eu tinha batido na trave com o Flamengo, sido vice-campeão na temporada 2003-2004. Até então tinha sido a maior conquista do Flamengo naquela oportunidade. Volto para cá em 2012-2013 e a gente consegue fazer uma temporada incrível. Depois de o Flamengo estar na fila durante três anos tentando. O Brasília conseguiu ser campeão três vezes seguidas. Chegamos e logo na primeira temporada fomos campeões. Sensação é de trabalho muito bem feito porque não é fácil trabalhar durante toda uma temporada, principalmente aqui no Flamengo, onde a pressão é absurda, e conseguir logo ter um êxito tão grande quanto esse. Colocar o Flamengo de volta ao rumo das vitórias, ao rumo das conquistas. Essa temporada tem um espaço no meu coração bem especial por ter sido a minha primeira conquista de NBB. Fizemos um grupo muito bom naquela temporada. A gente era muito unido, muito fechado e queria muito aquela conquista. Deu tudo certo."

Olivinha viveu um Flamengo com constantes atrasos salariais, mas deixa o clube em outro momento financeiro. A primeira taça foi importante para começar a consolidar o esporte como segunda prioridade para diretoria e torcida, que abraçou o grupo.

No radar da NBA

A hegemonia do Flamengo no cenário nacional e até internacional levou o clube à NBA. Se nunca passou perto de ir jogar na principal liga do mundo, Olivinha viveu a experiência de usufruir de toda estrutura disponível nos Estados Unidos. O rubro-negro jogou contra o Orlando Magic quatro vezes, além do Phoenix Suns e o Memphis Grizzlies.

"Esses jogos da NBA são sonho de criança. Eu nunca tinha imaginado que poderia jogar na NBA com o Flamengo. Quando teve essa oportunidade, o olho começou a brilhar. Já comecei a fantasiar na minha cabeça que posso jogar na NBA, eu vou estar lá, eu vou utilizar tudo o que um jogador da NBA utiliza e realmente aconteceu. Porque quando você vai jogar lá você vira um jogador da NBA. De certa forma consegue usar toda a estrutura que um jogador utiliza durante a temporada toda. Aproveitei todos os momentos, tirei muita foto, fiz muito vídeo. Quando você está dentro da quadra é uma emoção muito grande. Não imaginava que a gente poderia jogar contra uma equipe da NBA lá nos Estados Unidos ainda. Foi um sonho realizado e eu aproveitei todos os segundos. A gente jogou contra o Phoenix Suns, contra o Memphis Grizzlies. Foi muito bom jogar lá na NBA."

A viagem para os Estados Unidos rendeu boas histórias. Em uma delas, na Disney, o ex-jogador do Fla Marquinhos foi barrado por causa da altura e Olivinha deu um jeito de poder entrar nos brinquedos para aproveitar.

"Tem história na Disney. Ficamos lá muito tempo, as filas são quilométricas. O Marquinhos foi barrado porque tem um limite de altura para andar no brinquedo e o limite era 2m. Eu tenho 2,02m. Ficamos mais duas horas na fila do brinquedo, quando chegou na nossa vez que o funcionário da Disney viu a gente e falou para medir. Se passasse, não ia entrar. Eu falei, meu irmão, vou dar uma encolhida aqui no pescoço, e fiquei no limite. O Marquinhos tem 2,07m, nem se ele quiser encolher, não tinha como, passou muito. O cara falou: 'você não vai poder porque o cinto não vai fechar e se o cinto não fechar, você vai correr risco de vida'. Ele ficou com a cara de choro lá fora, eu entrei. Falei para me esperar lá fora. Ele ficou duas horas esperando à toa."

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