Superpoderosos

Mercado de dirigentes aquece com eleições em clubes, mas pouco varia nos nomes

Eder Traskini e Gabriel Carneiro Do UOL, em São Paulo Lucas Figueiredo

Mais da metade dos times da Série A do Campeonato Brasileiro elegeu novos presidentes na virada de 2020 para 2021. O processo eleitoral também aqueceu outro mercado: os dos diretores executivos de futebol. E uma dança das cadeiras já começou. Corinthians, Coritiba, Goiás, Internacional e Vasco já anunciaram novos dirigentes (veja mais abaixo). Santos e São Paulo aguardam o fim das competições de 2020 para anunciar quem vai comandar os seus departamentos. Bahia, Botafogo e Grêmio buscam novas opções.

No centro dessa ciranda, você deve conhecer alguns dos nomes. Rodrigo Caetano, por exemplo, deixou o Internacional ao fim do mandato de Marcelo Medeiros e acertou com o Atlético-MG para iniciar a gestão de Sérgio Coelho. O clube mineiro demitiu o badalado Alexandre Mattos antes de contratá-lo.

Caetano e Mattos são nomes frequentes no noticiário nos últimos anos, alimentando a impressão geral de que o futebol brasileiro está preso aos mesmos profissionais. Em tempos de discussão acalorada sobre o trabalho de treinadores e a renovação na beira do campo com estrangeiros, por que se fala tão pouco sobre os dirigentes? O mercado está mesmo estagnado ou só reconhece os bons trabalhos ao longo dos últimos anos? E mais: existe reserva de mercado, sem renovação dos nomes? São a estas perguntas que o UOL Esporte tenta responder. É hora de falar deles.

Lucas Figueiredo

O que faz um executivo?

O nome do cargo varia. Pode ser diretor executivo, diretor de futebol, gestor, gerente, superintendente, coordenador... Com pequenas variações de clube para clube, a função é parecida. Inclui administrar todas as atividades relacionadas ao futebol, representar o clube junto às entidades que organizam o futebol, elaborar políticas internas, acompanhar a delegação em viagens e observar o mercado da bola para contratações — entre (várias) outras demandas.

"O diretor executivo é um gestor de pessoas e processos", resume Alexandre Mattos, um dos profissionais de maior renome do mercado, mas que tenta se desvencilhar do um rótulo: "contratador". Ele quer ser reconhecido pelos fãs de futebol como responsável por mais partes do processo e do consequente sucesso de um time, não apenas como um herói do mercado da bola.

O grande diretor, para mim, é quem faz com que vários departamentos fiquem convergindo para o departamento de futebol de uma maneira boa, transparente e saudável. Essa é a gestão de processos. E a gestão de pessoas vem do ambiente, dos colaboradores, dos jogadores, do elenco, da comissão técnica, dos estatutários... O executivo é o gestor dessas relações, inclusive relações de mercado. Tudo passa por ele, inclusive ações de marketing, da área de saúde, contratações, a parte de contratos. O gestor é uma figura central em todos esses departamentos."
Alexandre Mattos, executivo com passagem por América-MG, Cruzeiro, Palmeiras e Atlético-MG

Hoje, no futebol brasileiro de elite, só três clubes não têm essa "figura central" no grupo: o Bahia, que anunciou no fim de 2020 a saída de Diego Cerri após quatro anos e meio; o Botafogo, que ainda não definiu o ocupante do cargo na gestão de Durcesio Mello; e o Grêmio, que demitiu Klauss Câmara em setembro.

Estabilidade ilusória

O ciclo de um executivo dentro de um clube costuma ser maior do que de um treinador. Isso não quer dizer que seja suficiente para fazer com que seu trabalho seja eficaz. Enquanto o técnico cuida do "campo e bola", o executivo gere outros processos ao redor, identificando problemas e automatizando processos para que a equipe (treinador e jogadores) possa fazer o melhor em campo. Apesar de uma estabilidade maior no cargo na comparação com os técnicos, os executivos não estão imunes aos maus resultados em campo.

"Hoje em dia, caiu treinador uma vez, duas, na terceira cai o executivo junto. Ele está virando a bola da vez. Aí a coisa não funciona. Pouquíssimos executivos têm tido vida longa. Já está quase igual treinador, mas estamos conseguindo mudar um pouco isso, mostrando que, independentemente de conquistar, é importante a metodologia. Acredito que o trabalho do executivo está sendo reconhecido e conseguiremos mostrar que é totalmente diferente do trabalho do treinador, precisa de ainda mais tempo e continuidade", diz Marcus Vinicius Beck Lima, vice-presidente da Abex (Associações Brasileira dos Executivos de Futebol), que exerce a função no Cascavel (PR).

Executivos ouvidos pelo UOL Esporte ainda alertam para outro problema: alguns dirigentes, acima dos profissionais na hierarquia do clube, não têm a menor noção de qual é o projeto esportivo para seu clube.

"O executivo acabou sendo mais uma camada da indústria que está se tornando descartável, porque se imagina ou se espera uma solução que, muitas vezes, é mágica, e não um trabalho estruturado, continuado, perene e sustentável. Na maioria das vezes quem está acima dos executivos não tem muita clareza do que quer: não sabe o que é o projeto do clube, o que precisa e o caminho a ser percorrido. A avaliação do trabalho acaba ficando diretamente relacionada ao ganhar e perder", salienta William Thomas, gerente executivo do Athletico-PR.

Divulgação Divulgação

O mercado e a profissão do futuro

A função de executivo de futebol é relativamente nova no Brasil. É por isso que os mesmos nomes, ano após ano, rodam pelos clubes da Série A. Para Alexandre Mattos, novos profissionais vão entrar no mercado, já que a função tem ganhado cada vez mais destaque.

"A tendência cada vez mais é de jovens vendo essa figura como uma profissão a ser seguida. É natural. Vários jovens nos jogos e na rua me perguntam como ser um diretor executivo. O sonho antes era ser jogador, até treinador, mas hoje sonhar em ser um diretor executivo faz com que gerações venham e com muito preparo. Já existem jovens despontando para fazer essa carreira", conta Alexandre Mattos.

Hoje, as equipes brasileiras não exigem qualquer formação específica para contratar um profissional para o cargo de executivo. A CBF determina apenas formação e experiência profissional "compatíveis para o exercício de suas atividades de gestão", sem maiores detalhes. No futuro, ter certificado do curso de "Gestão de Futebol" da CBF Academy, que custa R$ 9,5 mil, ou experiência como jogador profissional, deve se tornar requisito básico para a função.

"Já vi clube contratar coordenador de base sem ter formação acadêmica", diz Jorge Andrade, gerente de futebol do Santos.

Não temos, ou não tínhamos, formas de se capacitar ou se qualificar porque esse grau de profissionalização é recente no futebol brasileiro. A atuação do executivo não tem mais de 15 anos. Antes, era exercido o cargo de diretor de futebol de forma estatutária. Nunca houve a figura profissional, logo não existia uma escola de formação. Quem está no mercado hoje não teve essa oportunidade

William Thomas, professor no curso de gestão de futebol e licença Pro do curso de técnicos da CBF

Pedro Ernesto Guerra Azevedo
Felipe Ximenes, superintendente de esportes, e Jorge Andrade, gerente de futebol do Santos

Eles podem vir da base

Se as principais estrelas do futebol mundial já começam a ganhar destaque nas categorias de base, por que o mesmo não pode valer para um executivo de futebol? A base é, sim, um caminho para quem quer iniciar na profissão.

Jorge Andrade, atual gerente de futebol do Santos, chegou ao clube como gerente de base após trabalhos de destaque no Internacional e no Figueirense. Após o pedido de demissão de William Thomas, coube a Andrade acumular a função de executivo e ganhar elogios do técnico Cuca em agosto do ano passado.

Cara trabalha todo dia e aparece pouco, o Jorge Andrade. Fuça, vai atrás. O Matheus, o Doria [ex-membros do comitê de gestão do Santos]... Dão a cara à tapa, procuram soluções."

"Acredito, sim, ser um bom caminho iniciar nas categorias de base, pois trata-se também de um processo de formação para o gestor. Podemos ter experiências e situações para implantar projetos, executar ações com prazos maiores, aprender sobre gestão sem muita exposição à mídia e à torcida, o que facilita o trabalho por não ter tanta pressão externa pelo resultado de campo", opina Andrade.

O cargo de Superintendente do Santos é exercido por Felipe Ximenes, um dos idealizadores da Abex. Com a troca na presidência, no entanto, há chance de troca na função e Jorge Andrade é bem visto internamente e um dos favoritos a assumir o papel, conforme apurou o UOL Esporte.

Divulgação
André Zanotta, então no Grêmio, recebe o Prêmio Conafut de melhor executivo de futebol em 2017

"Maçonaria?" Entidade diz que não

O UOL Esporte conversou com dois dirigentes fora do mercado sobre o que consideram uma espécie de problema da profissão no Brasil, que é a suposta proteção a um grupo restrito, como se determinados dirigentes tivessem interesse na estagnação do mercado para que sempre se mantivessem dentro dos clubes.

Um destes profissionais que busca colocação e não quis expor o próprio nome usou a palavra "maçonaria" para ilustrar sua visão sobre a Abex, em referência à confraria que tem origem na Idade Média e defende a fraternidade entre seus membros.

Marcus Vinicius Beck Lima discorda da visão. Ele diz que há executivos de grandes clubes fora da Abex, como Alexandre Pássaro e William Thomas. E também argumenta que a renovação do mercado já é uma realidade. "Há quanto tempo estamos vendo Luxemburgo, Abel Braga, Cuca como treinadores? Mas aí aparecem Maurício Barbieri, Jair Ventura, uma geração pedindo passagem. Conosco é igual."

"A geração mais antiga continua tendo espaço, com a geração intermediária e jovens trabalhando para subir, muitos antes de 30 anos. Até que, em algum momento, esses mais antigos saem de cena, cansando, se aposentando, e são substituídos. É um processo natural. Eu vejo assim: Caetano, Mattos, Cícero, Pelaipe, Angioni, o trabalho desses caras é de excelência, então estão sempre se recolocando", diz Beck, que cita como nomes do futuro Paulo Bracks (Inter), Felipe Albuquerque (Paysandu), Rodrigo Pastana (CSA), Edgard Montemor (Santo André) e Marcelo Barbarotti.

Desde 2011 há um concurso dos melhores executivos do Brasil, antes entregue pelo Brasil Sport Market (BrSM), fórum criado pela Trevisan Escola de Negócios e Pluri Consultoria, que a partir de 2016 virou o Prêmio Conafut (Conferência Nacional do Futebol). Só um dos seis diferentes vencedores não é afiliado à Abex.

Os executivos premiados no Brasil

  • Rodrigo Caetano

    Venceu em 2011 pelo trabalho no Vasco. Hoje está no Atlético-MG.

    Imagem: Bruno Cantini
  • Edu Gaspar

    Venceu em 2012 pelo trabalho no Corinthians. Hoje está no Arsenal-ING.

    Imagem: Divulgação
  • Alexandre Mattos

    Venceu em 2013 e 2014 (Cruzeiro), 2015 e 2016 (Palmeiras). Hoje está sem clube.

    Imagem: Bruno Cantini/Agência Galo
  • André Zanotta

    Venceu em 2017 pelo trabalho no Grêmio. Hoje está no FC Dallas-EUA.

    Imagem: Divulgação/FC Dallas
  • Rui Costa

    Venceu em 2018 pelo trabalho no Atlético-MG. Hoje está sem clube.

    Imagem: Bruno Cantini/Divulgação/Atlético-MG
  • Bruno Spindel

    Venceu em 2019 pelo trabalho no Flamengo e continua no clube.

    Imagem: Alexandre Vidal
Reprodução/Twitter
Gustavo Grossi, diretor esportivo da base do River Plate, já foi especulado no futebol brasileiro

Dirigente estrangeiro: vai ter?

Se a função de treinador passou por uma onda de contratações de estrangeiros, a vaga de diretor executivo segue exclusiva dos brasileiros. Não há como prever até quando seguirá assim. No entanto, a lógica da dificuldade em trabalhar no Brasil é a mesma dos técnicos.

Enquanto o técnico tem poucos jogos antes de ser pressionado no cargo, o executivo encontraria processos muito mais caóticos do que aqueles que vivencia na Europa, tanto em relação ao calendário quanto às janelas de transferências ou as dívidas enormes.

"Não digo que não possa acontecer de um executivo espanhol ou português, que são lógicas mais parecidas com as do Brasil, trabalharem aqui, mas é necessário um conhecimento muito intenso do mercado, dos campeonatos, calendário, processo de contratação, comissionamento. É muito diferente de treinador, não acho que seja tão simples", opina Marcus Vinicius Beck Lima.

"Já trabalhei em oito países e posso te dizer que o profissional brasileiro não deve nada para as outras culturas, seja executivos, treinadores, analistas de desempenho, preparadores físicos, fisioterapeutas, etc. Existe uma diferença muito grande na estrutura organizacional da indústria", diz William Thomas, graduado em educação física e que cursou ensino superior na Espanha, fez MBA na LaLiga Business School e também tem formação na Federação Portuguesa. Ele ainda completa:

"Vivemos um cenário de globalização inevitável. Assim como esperamos que os profissionais brasileiros tenham oportunidades fora do país, como o Edu Gaspar [Arsenal-ING] e o Juninho Pernambucano [Lyon-FRA], temos que estar abertos para esse grau de exigência aumentar com a chegada de profissionais do exterior também, não vejo isso como um problema. Agora, o futebol brasileiro tem peculiaridades."

Mais William Thomas

Sempre falo que o clube de futebol é uma usina de problemas, eles nunca acabam. Só vivendo para ter repertório de como interpretar e tomar decisões para melhor direcionar o projeto do clube. Contratar é praticamente a ação que menos se faz no transcorrer de um ano de trabalho. Quanto melhor é teu projeto, menos contratações precisa. São quase 200 processos diários para poder gerir o ambiente

William Thomas, executivo do Athletico-PR

No Brasil parece que estamos sempre começando projeto. Começa, daqui a pouco acaba, troca, muda: presidente, diretoria, executivo... Pensar no médio e longo prazo é praticamente um contrassenso para a forma como conduzimos o futebol brasileiro hoje. Estamos avaliando o jogo, e o jogo é o fim do processo. Mas sou otimista responsável, como fala Autuori, o futebol brasileiro está em evolução

Sobre a falta de continuidade dos executivos no Brasil

Os clubes também têm uma responsabilidade pela descontinuidade desses profissionais. Talvez por essa velocidade e agressividade que o mercado se encontra, não se oportuniza espaço para novos profissionais, buscando sempre quem tem experiência recente. Posso dizer que sou um ponto fora da curva, porque vim de uma outra função dentro do esporte. Entro sem referências no futebol

Sobre a dança das cadeiras de executivos

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