A janela mais louca

Em mercado mudado pela pandemia, futebol europeu tem maiores bombas da década com Messi e CR7

Leandro Miranda Do UOL, em São Paulo Divulgação

A janela de transferências europeia já costuma ter alto potencial bombástico no mundo da bola, mas 2021 resolveu caprichar. Dois dos maiores abalos sísmicos da história recente aconteceram quase juntos, com Lionel Messi e Cristiano Ronaldo mudando de time de forma totalmente inesperada — e ainda deve vir mais por aí.

O mercado fortemente condicionado pela pandemia de covid-19, que obrigou quase todos os times a reduzir despesas, readequar orçamentos e rever projetos, foi terreno fértil para as movimentações impactantes dessa janela. Messi, CR7 e outros nomes de peso como Lukaku e Sergio Ramos provavelmente não trocariam de time em uma situação normal. São poucas as equipes que não estão com as finanças apertadas.

E até 31 de agosto, quando acaba o prazo para transferências, podem sair mais negócios na elite da bola, com Mbappé e Haaland no olho do furacão. Como chegamos a essa que é a janela mais "louca" dos últimos tempos, mesmo os gastos para contratar jogadores ainda menores do que antes da pandemia?

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Pandemia atinge até gigantes (mas nem todos)

É impossível falar da janela de transferências sem mencionar o impacto causado pela pandemia de covid-19, que fez os clubes passarem uma temporada inteira sem bilheteria, sem torcedores consumindo em dias de jogos e com patrocínios e acordos de transmissão reduzidos. A Uefa calcula que o prejuízo geral foi na casa dos 9 bilhões de euros (R$ 55 bilhões).

Mesmo gigantes do futebol europeu foram obrigados a conter gastos e reorganizar a casa. O Barcelona, por exemplo, viu seu teto salarial despencar para menos de um terço do valor pré-pandemia (veja mais abaixo). Inter de Milão e Juventus tiveram que revisar as expectativas de projetos esportivos ambiciosos. Até o poderoso Real Madrid precisou avaliar bem para onde mirar e dar um tiro certeiro, que pode ser Mbappé.

Para você ter uma ideia, a última janela de contratações do verão europeu, no meio do ano, antes do surgimento da covid-19 movimentou 7 bilhões de euros. No ano passado, foram 4,1 bilhões. Agora, a três dias do fechamento da janela, não chegamos nem aos 4 bilhões.

É claro que nem todos os times foram atingidos da mesma forma. Os sempre endinheirados Manchester City e Paris Saint-Germain — propriedades de famílias reais dos Emirados Árabes Unidos e do Qatar, respectivamente — novamente deram argumentos a quem diz que o fair play financeiro é ineficaz, enquanto o Manchester United voltou a gastar fortunas na busca de retomar o protagonismo perdido. E esse desequilíbrio só contribuiu para os movimentos inesperados que sacudiram o mercado.

A queda nos gastos das cinco principais ligas com taxas de transferência (*até 27/08)

  • Premier League

    Em 2019/20, os ingleses gastaram 1,65 bilhão de euros em contratações. No ano passado, 1,51 bi de euros. Neste ano, 1,10 bi até agora.

    Imagem: Wikimedia Commons
  • La Liga

    Em 2019/20, os espanhóis gastaram 1,5 bilhão de euros em contratações. No ano passado, 418 milhões de euros. Neste ano, apenas 248 milhões até agora.

    Imagem: Wikimedia Commons
  • Serie A

    Em 2019/20, os italianos gastaram 1,38 bilhão de euros em contratações. No ano passado, 811 milhões de euros. Neste ano, apenas 491 milhões até agora.

    Imagem: Wikimedia Commons
  • Bundesliga

    Em 2019/20, o alemães gastaram 936 milhões de euros em contratações. No ano passado, 329 milhões de euros. Neste ano, 367 milhões até agora.

    Imagem: Wikimedia Commons
  • Ligue 1

    Em 2019/20, os franceses gastaram 802 milhões de euros em contratações. No ano passado, 461 milhões de euros. Neste ano, apeas 334 milhões até agora.

    Imagem: Wikimedia Commons
David Ramos/Getty Images

Messi deixa um Barça em crise

Como foi que o Barcelona deixou o maior jogador da sua história sair de graça? A resposta não é tão simples, mas envolve, basicamente, a grave crise financeira do clube catalão e o fair play financeiro "preventivo" adotado pela liga espanhola.

Com gastos estrondosos com transferências e salários, o Barcelona viu seu endividamento crescer demais nos últimos anos — hoje, o clube deve mais de R$ 8 bilhões. Com a pandemia, é claro que a situação ficou ainda mais crítica. Resultado: a relação entre receita e despesa ficou muito desfavorável, e o clube se viu obrigado a cortar gastos.

Aí entra o fair play financeiro de La Liga. Na Espanha, ele é feito de forma "preventiva": antes de começar a temporada, a saúde financeira dos clubes é avaliada e, a partir dessa projeção, limites salariais para jogadores e demais profissionais são estabelecidos.

O Barça chegou a um acordo com Messi para reduzir seu salário pela metade. Ainda assim, não foi suficiente para o clube se adequar ao teto imposto pela liga e conseguir registrar o argentino, que acabou partindo para o PSG em uma negociação fechada rapidamente.

Em resumo, Messi saiu do Barcelona porque o Barcelona não tinha mais como bancá-lo. Foi a primeira grande bomba da janela.

Valerio Pennicino/Getty Images

O "passo atrás" da Juve com CR7

Apenas 20 dias depois de Messi deixar o Barcelona, outro furacão no mercado da bola: Cristiano Ronaldo não ficaria na Juventus. Contratado em 2018 como o símbolo de um projeto que visava impulsionar o time de Turim, então heptacampeão italiano, ao sonhado título da Liga dos Campeões, o português não conseguiu o objetivo e ainda viu o clube deixá-lo sair um ano antes do fim do contrato. Por quê?

De novo, o choque financeiro provocado pela pandemia guarda respostas. O salário de Cristiano se tornou um fardo bastante pesado para os cofres da Juve na última temporada, de modo que o clube já não pretendia renovar o contrato quando ele expirasse no ano que vem — e quando o atacante já teria 37 anos.

Além disso, o time foi regredindo esportivamente. Foi de vice europeu em 2015 e 2017 a eliminado nas oitavas nas duas últimas edições, para times de investimento bem menor: Lyon e Porto. Pior ainda, não conseguiu nem manter a hegemonia na Itália, vendo a Inter se sagrar campeã na última temporada e suando para conseguir a vaga na Champions.

CR7 sabia que a Juve não iria mantê-lo para além do ano que vem e que dificilmente brigaria por algo maior nesta temporada. E o clube poderia readquirir um pouco da capacidade de investimento se conseguisse se livrar do gigantesco salário do camisa 7. Assim, liberou seu craque e artilheiro para voltar ao Manchester United após 13 anos, por cerca de 25 milhões de euros.

As principais transferências da janela (e as que ainda podem acontecer)

  • Lionel Messi

    Do Barcelona (ESP) para o Paris Saint-Germain (FRA), em fim de contrato

    Imagem: David Rogers/Getty Images
  • Cristiano Ronaldo

    Da Juventus (ITA) para o Manchester United (ING), por 25 milhões de euros

    Imagem: Alessandro Sabattini/Getty Images
  • Romelu Lukaku

    Da Inter de Milão (ITA) para o Chelsea (ING), por 115 milhões de euros

    Imagem: Divulgação
  • Jack Grealish

    Do Aston Villa (ING) para o Manchester City (ING), por 117,5 milhões de euros

    Imagem: Getty Images
  • Sergio Ramos

    Do Real Madrid (ESP) para o Paris Saint-Germain (FRA), em fim de contrato

    Imagem: Divulgação
  • Jadon Sancho

    Do Borussia Dortmund (ALE) para o Manchester United (ING), por 85 milhões de euros

    Imagem: Divulgação/Manchester United
  • Raphaël Varane

    Do Real Madrid (ESP) para o Manchester United (ING), por 40 milhões de euros

    Imagem: TF-Images/Getty Images
  • Kylian Mbappé?

    Pode ir do Paris Saint-Germain (FRA) para o Real Madrid (ESP)

    Imagem: Mehdi Taamallah/NurPhoto via Getty Images
  • Eden Hazard?

    Pode ir do Real Madrid (ESP) para a Juventus (ITA)

    Imagem: Angelo Blankespoor/Soccrates/Getty Images
  • Erling Haaland?

    Pode ir do Borussia Dortmund (ALE) para o Paris Saint-Germain (FRA)

    Imagem: Alexandre Simoes/Borussia Dortmund via Getty Images
John Berry/Getty Images

A "superjanela" do PSG... de graça?

Se o PSG tivesse contratado apenas Messi, já teria feito uma janela histórica. Mas o time francês foi além e trouxe nada menos que cinco jogadores titularíssimos, que chegam para vestir a camisa e jogar: além do argentino, vieram o goleiro Donnarumma do Milan, o lateral Hakimi da Inter de Milão, o zagueiro Sergio Ramos do Real Madrid e o volante Wijnaldum do Liverpool.

O curioso é que, desses cinco reforços de peso, só um custou uma taxa de transferência: Hakimi, por quem o PSG desembolsou 60 milhões de euros. Os outros quatro vieram em fim de contrato, em transferências livres. "De graça", no popular. Mas é claro que não é bem assim.

Uma transferência livre não coloca dinheiro no mercado, já que o comprador não paga uma taxa ao vendedor, mas está longe de ser "gratuita". Os gastos com salários e comissões de agentes em movimentações do tipo são frequentemente elevados, especialmente quando se trata de estrelas globais como Messi ou Ramos.

Por isso, mesmo que a cifra com taxas de transferências tenha sido de "apenas" 60 milhões, o PSG foi (como de costume) um ponto fora da curva ao montar essa constelação em um cenário de pandemia. Agora, mais uma movimentação "titânica" — só que no sentido inverso — pode equilibrar um pouco as contas...

REUTERS

Mbappé: o novo galáctico?

Você gostaria de jogar com Messi? Para quase qualquer atleta do planeta, seria um feito e tanto para colocar no currículo. Mas Kylian Mbappé, que dividiu com Neymar o posto de superastro do PSG nas últimas quatro temporadas, não pensa o mesmo. Na verdade, ele não vê a hora de ir embora para realizar seu sonho de defender o Real Madrid.

Os espanhóis ficaram praticamente dois anos sem gastar em contratações, algo bastante fora dos padrões do clube, para mirar em Mbappé nesta janela, quando ele só teria mais um ano de contrato com o Paris. Foram esforços calculados para que o presidente Florentino Pérez pudesse voltar a mostrar aos sócios que o Madrid ainda tem seu poder.

No ano passado, o Real não trouxe ninguém. Neste ano, só chegou Alaba, em fim de contrato com o Bayern. Ídolo e capitão, Sergio Ramos saiu de graça após não chegar a um acordo de renovação com redução salarial. Também titular, o zagueiro Varane foi vendido ao Manchester United. Tudo para abrir espaço para mais uma megacontratação típica dos "galácticos".

A proposta por Mbappé é de 180 milhões de euros. Um valor como esse, por um jogador que daqui a seis meses poderia assinar pré-contrato com qualquer clube, é muito fora dos padrões do mercado. Seria um movimento que rivalizaria com o impacto de Messi e CR7 — se os dois foram os reis do futebol na última década, o Real pode estar garantindo que o sucessor desse posto, aos 22 anos, atravesse o auge da carreira vestindo branco nas próximas temporadas.

Quem conseguiu manter seus craques na pandemia -- e quem não resistiu

  • Tottenham segura Kane

    O artilheiro inglês era alvo prioritário do Manchester City, tentou forçar sua saída do Tottenham e chegou a faltar a alguns dias de treino, mas o presidente Daniel Levy resistiu e conseguiu manter seu camisa 10. Pesou a favor da permanência a boa saúde financeira dos times da Premier League e, principalmente, o longo contrato de Kane, que só acaba em 2024.

    Imagem: Power Sport Images/Getty Images
  • Dortmund fica com Haaland... por enquanto

    O Borussia Dortmund, até o momento, conseguiu segurar o prodígio Erling Haaland. No ano passado, no auge do impacto da pandemia, não chegou nenhuma oferta à altura. Já nesta temporada, a venda de Sancho ao United por 85 milhões de euros fez com que o Dortmund não precisasse vender seu 9 agora. Mas uma proposta maior ainda pode mudar tudo.

    Imagem: Ina Fassbender / Reuters
  • Inter perde peças-chave

    Em momento de reestruturação financeira e enxugamento da folha salarial, a Inter de Milão não conseguiu manter dois titulares importantíssimos: o artilheiro Lukaku foi para o Chelsea por 115 milhões de euros, enquanto o ala Hakimi partiu para o PSG por 60 milhões. O técnico Antonio Conte, campeão italiano com o time, também não permaneceu

    Imagem: MARCO BERTORELLO/AFP
Christian Liewig - Corbis/Corbis via Getty Images
Benzema, Ronaldo e Kaká no Real Madrid

Rafael Reis: A maior janela da história?

Os dois maiores jogadores de futebol da última década, Lionel Messi e Cristiano Ronaldo trocaram de clube em um intervalo de menos de 20 dias. Seria a janela de transferências da temporada 2021/22 a mais impactante de todos os tempos?

Dar uma resposta precisa para essa pergunta não é nada simples. Afinal. Já houve muito mais dinheiro em jogo do que neste ano. Duas temporadas atrás, o Mercado da Bola movimentou 7 bilhões de euros (R$ 42,9 bilhões), valor que jamais havia sido atingido e nunca mais foi repetido. Desta vez, ainda não alcançamos nem a casa dos 4 bilhões de euros (R$ 24,5 bilhões).

Mas, deixando os valores um pouco de lado e se concentrando apenas no peso dos jogadores, talvez apenas os dois projetos "Galácticos" do Real Madrid tenham movimentado tanto o cenário do futebol quanto as transações deste ano. Em 2009, o clube espanhol contratou de uma tacada só os dois últimos vencedores do prêmio de melhor do mundo: Cristiano Ronaldo, craque de 2008 pelo United, e Kaká, o dono da bola em 2007 pelo Milan. Na mesma janela, ainda desembarcaram em Madri o centroavante francês Karim Benzema (ainda hoje figura essencial na equipe), o volante Xabi Alonso, o zagueiro Raúl Albiol e o lateral direito Álvaro Arbeloa.

No começo dos anos 2000, os madrilenos já haviam transformado o cenário do Mercado da Bola global quando resolveram juntar o maior número possível de craques. Só que, daquela vez, o processo não aconteceu do dia para noite. Em 2000, o clube contratou Luís Figo. No ano seguinte, Zinédine Zidane. Depois da Copa-2002, foi a vez de Ronaldo se unir à trupe. E, em 2003, David Beckham completou uma constelação que também tinha Raúl e Roberto Carlos.

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