Vou te falar. Todos os dias eu fico imaginando: 'Caraca, sou uma atleta olímpica'. E aí lembro de todas aquelas histórias que passam na televisão. Agora, estarei entre elas. Acho que a ficha vai cair mesmo quando eu estiver lá, no Japão, em Tóquio. Lá que vou ver: 'Nossa, realmente estou nas Olimpíadas'.
Só fui ganhar minha primeira prancha com 13 anos. Sou a filha caçula. Eu via meus irmãos surfando e ia pegar um pedacinho de madeira para fazer sonrisal na praia. Quando enjoava, pegava as ondas com ele. E assim foi.
Eu nasci em Paracuru, no interior do Ceará. Cresci na beira da praia com a minha mãe e mais quatro irmãos. Ninguém tinha quarto, a gente dormia na rede. Era como se fosse um quiosque, minha mãe vendia comida, cerveja, água...
Ainda não tinha turismo na cidade e minha mãe dependia das pessoas irem até a barraca para comer. Só que não vendia nada porque não tinha gente. Aí, nossa família acabava consumindo as coisas que seriam para os clientes. As dívidas iam crescendo e daqui a pouco não tinha mais nada. Era aquela correria.
Eu não cheguei a passar fome. Se eu falar que passei é mentira. A gente dava um jeito a cada dia. Eu batia na casa de um amigo e almoçava ou jantava por lá. Como morava na beira da praia, ajudava os pescadores a colocar o barco para cima. Em troca, ganhava um peixe... Tinham também uns pés de fruta atrás da barraca da minha mãe: caju, manga, essas coisas.
Aquilo ali era o dia a dia. Mas eu acabava enjoando. Queria comer outra coisa. Em casa, não tinha nada. Era pão ou farinha para comer com café, sabe...