O temor de que os alemães chegassem de surpresa, com submarinos, e atacassem o porto de Santos fez com que muitos jovens pracinhas se arrastassem pela calçada em frente à minha casa, em São Vicente, na primeira metade dos anos 1940. Eram exercícios de guerra. Eu, ainda garoto, assistia a tudo da janela da sala, transformada em camarote. Loirinho, já era chamado de Alemão, o que me fazia ter medo de sair à rua durante o dia. Todos detestavam alemães. À noite, ficar em casa era regra. A cidade entrava em blecaute para dificultar o trabalho de eventuais invasores, que nunca se arriscaram.
Jamais imaginei que, quase oito décadas depois, eu fosse novamente me ver em uma guerra, desta vez contra a covid, novamente na minha porta. Aos 83 anos, o tempo não é meu aliado. Vejo o movimento lá fora, pela janela, e dessa vez meu olhar não é de admiração. Por que essas pessoas estão se aglomerando? No grupo de risco, só saio de casa com toda parafernália: máscara, álcool gel, álcool líquido, e tudo que for necessário. Mesmo bicampeão mundial de basquete, nunca fui bom de defesa. Mas até aqui tenho me saído bem na função de defensor de mim mesmo.
Já cheguei a uma idade em que eu não tenho futuro. O que eu posso planejar para o futuro, se eu não sei o que vai acontecer depois? Se eu não sei se eu estarei vivo amanhã? Meu futuro é hoje. E hoje eu estou trancado em casa, vendo Netflix, completando minhas palavras cruzadas, escrevendo meus textos no Facebook. Sozinho a maior parte do tempo, mas vivendo o meu futuro.