Esqueça o meme

Marinho deixou para trás o "sabia não" para se tornar um dos destaques do Santos e referência aos mais jovens

Gabriela Brino Do UOL, em Santos (SP) Ivan Storti/Santos FC

Desde que chegou ao Santos, em 2019, o atacante Marinho lutou para ser reconhecido para além do famoso meme "sabia não". Queria evoluir. Ser esquecido como uma figura de humor e passar a ter mais visibilidade pelo seu futebol.

O meme ficou para trás, assim como o batismo dos gols, iniciado por ele mesmo ao marcar com a camisa santista e chamar o gol de "minimíssil aleatório". As frequentes brincadeiras nas entrevistas coletivas também ficaram no passado, e Marinho passou a se cobrar para ser o jogador que deixa tudo de si em campo.

Os resultados vieram, tanto é que o atacante se tornou artilheiro do Santos e destaque no futebol brasileiro. Além disso, ajudou o time a chegar em uma semifinal da Copa Libertadores depois de oito anos -- o Santos volta a enfrentar hoje o Boca Juniors, em casa, pela segunda partida da semi, a partir das 19h15.

Aos 30 anos, Marinho se vê mais maduro, faz parte do time de capitães do elenco, puxa discurso na preleção, auxilia a molecada... e não dorme em caso de algum erro individual no jogo.

"Claro que sim [fico sem dormir à noite]. Quando não faço uma partida como quero, fico horas pensando no lance e em como vou corrigir para que não aconteça novamente. Eu me cobro muito. Muito mesmo. Estou sempre querendo melhorar, aperfeiçoar, evoluir. Não pode ser diferente em um futebol como o de hoje. Tem que ser intenso sempre. O ritmo tem que ser alto em todas as partidas", disse o atacante em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.

Ivan Storti/Santos FC
Rodrigo BUENDIA / AFP

O homem do time

Nesta temporada, Marinho participou de 36 jogos e fez 22 gols. Somente no Campeonato Brasileiro foram 15 gols — 12 deles na Vila Belmiro — e cinco assistências. O atacante é vice-artilheiro da competição, atrás apenas de Thiago Galhardo, do Internacional, que balançou as redes 16 vezes. Para quem sonha em entrar para a história do Santos, nada mal começar sendo o "homem do time" de Cuca.

Apesar dos bons números, da confiança do treinador e do bom relacionamento com os companheiros do time, Marinho não se acomoda. Ele é o primeiro a se cobrar quando seu desempenho não é satisfatório. No empate sem gols contra o Botafogo, por exemplo, pela 11ª rodada do Brasileirão, o atacante não gostou da sua performance em campo e preferiu se isolar do elenco após o apito final. Ficou sozinho em campo, chorando e gesticulando, e seguiu para o vestiário sem dar entrevistas.

Em meio à autocobrança, Marinho entende que 2020 foi uma temporada diferente e difícil para todos — a começar por ele próprio, que fraturou o pé esquerdo logo na estreia do time no Paulista e ficou um mês fora dos gramados. Ao retornar, trombou com a chegada de Cuca ao time. E sem dúvidas foi um casamento que deu certo: o atacante é vice-artilheiro do Brasileirão e o time está na semifinal da Libertadores.

Sem dúvida [atribuo o bom ano] ao trabalho e ao empenho que tenho tido ao longo da temporada, difícil e muito diferente para todos. Comecei o ano com uma lesão que me deixou de fora de alguns jogos, mas voltei bem e motivado. Tenho que agradecer ao grupo também, que é uma família. Temos um elenco muito forte e isso é muito importante. Estou vivendo um grande momento e agradeço ao Santos e seu torcedor".

Arquivo pessoal/Instagram @marinhooficial

Mentor da base

Ao assinar o contrato com o Santos, Marinho declarou que seria mais um "Menino da Vila". Agora, é ele quem comanda a garotada.

O time praiano abriu as portas para mais uma geração após ser penalizado pela Fifa em meio a questionamentos sobre as contratações de Soteldo, Cleber Reis e Felipe Aguilar, e ser proibido de se reforçar até quitar pendências financeiras.

E quanto mais rostos novos nos treinos do Santos, mais Marinho se aproximava dos meninos, mais dancinhas aconteciam nos vestiários e mais o atacante se tornava referência.

Em sua página no Instagram, é comum Marinho responder a comentários dos garotos usando a palavra "pivete". A intimidade e naturalidade só são possíveis para quem se tornou um verdadeiro mentor para esses garotos.

Essas brincadeiras são naturais e mostram o ambiente leve que temos no grupo. Gosto de ajudar e orientar os mais jovens. Isso faz parte do meu amadurecimento também. Procuro sempre ajudar. Tenho responsabilidade sobre eles também."

Marinho , atacante do Santos

Ivan Storti/Santos FC

Voz contra o racismo

Além de ter voz nos vestiários, Marinho faz questão de se engajar em causas sociais. O racismo é um tema frequente que o atacante leva para suas redes, Foi o Instagram, inclusive, que ele escolheu para fazer um desabafo bastante emocionado quando foi alvo de uma ofensa racista em julho do ano passado.

Após ser expulso da partida contra a Ponte Preta pelo Campeonato Paulista, o jogador foi criticado pelo comentarista Fábio Benedetti, o Chef Benedetti, que na época estava na rádio Energia 97. O comentarista, que foi demitido após a repercussão do episódio, chamou o santista de burro e disse que o "mandaria para senzala".

Nós, que somos pessoas públicas, temos que opinar e lutar sobre assuntos relevantes, que dizem respeito ao momento atual. Vivemos em um mundo tão desigual, tão injusto, que precisamos ajudar uns aos outros sempre. Eu procuro fazer isso e não quero autopromoção. Quero ajudar, simples assim. Espero que as pessoas possam entender que todos são iguais."

Marinho, ao UOL.

Na semana passada, o nome de Marinho foi novamente envolvido em um episódio a respeito do tema. Em entrevista coletiva após o primeiro jogo da semifinal da Libertadores contra o Santos, o atacante argentino Ramón Ábila disse que havia trocado a camisa com "Marinho, o negro", e logo se corrigiu: "Bom... com o moreno, porque agora se você fala 'negro', te denunciam. Mas é carinhosamente. Se sou eu que digo 'negro', o que sobra para os outros, não?

O Olé, principal jornal esportivo da Argentina, compartilhou a declaração com um emoji de risada. O Santos e o jogador não se posicionaram sobre o assunto. A fala, porém, revoltou alguns torcedores, que apontaram racismo na declaração do argentino.

Ivan Storti

O companheiro Luiz

As intensas manifestações contra o racismo fizeram de Marinho o cara ideal no Santos para receber o Luiz Eduardo Bertoldo, menino de 11 anos, que visitou em dezembro o CT Rei Pelé. O garoto viralizou nas redes sociais após acusar de racismo o técnico Lázaro Caiana, que nega.

Ao saber da história, o Santos convidou o jovem jogador do Uberlândia Academy e sua família para uma visita no centro de treinamento e ofereceu um teste ao pequeno jogador. Marinho ficou responsável pela entrega dos presentes, acolheu a família e reforçou a gratidão pelo clube que abraça a causa.

"Mais do que nunca você está no lugar certo, será tratado como você merece, com respeito, você, sua mãe, seu pai. Aqui a gente fala: 'Enquanto um negro ousar quebrar o sistema com a bola no pé, o Santos viverá'. Que você possa ser feliz aqui e a cada dia estará mais abraçado por mim e por todos. Desejamos todo o sucesso para você e que você possa trilhar o caminho do seu futebol aqui, em um lugar tão certo que é o Santos", disse Marinho ao garoto em vídeo transmitido pela Santos TV.

Alexandre Schneider/Getty Images) Alexandre Schneider/Getty Images)

Há dez anos no Santos?

Em 13 anos de carreira, Marinho acumula passagens por 13 clubes e não esconde, desde que chegou ao Santos, em maio de 2019, que seu desejo é criar raízes e fazer história no clube praiano. Apesar das andanças no mundo do futebol, o atacante trata o time como se fosse o seu primeiro e não hesita em participar dos eventos institucionais do clube. Ele também fala com frequência sobre o peso da camisa do Santos e trata os símbolos santistas com muito respeito. O motivo? Ele se sente tão acolhido que os quase dois anos no Santos parecem mais.

"Criei uma identificação com o torcedor e com o clube. Parece que estou aqui há uns dez anos. Cada dia que passa me sinto melhor e mais à vontade. Espero que esse vínculo cresça ainda mais para que possamos conquistar títulos nestes próximos anos", disse.

"Quero continuar construindo uma história bonita aqui no Santos. Sinto que tenho um carinho grande do torcedor. Sou muito grato a ele por isso. Faço de tudo para retribuir com boas partidas e dedicação no dia a dia. Meu objetivo é esse: trabalhar para ajudar o Santos sempre", acrescenta.

Arquivo pessoal/Instagram@marinhooficial

"Não jogo sozinho"

UOL: Você fez parte de uma conquista grande no Santos, que foi o trabalho feito para chegar à semifinal da Libertadores. Isso não acontecia havia oito anos. Qual é o sentimento de fazer parte disso?
Marinho: A gente está em uma semifinal de Libertadores e sabemos a responsabilidade que teremos em relação a isso, principalmente pelo fato do clube ter uma história de conquistas na competição. O sentimento é de que podemos continuar vivos em busca do sonho de conquistar o título da disputa.

Vejo você muito coletivo. Valoriza muito seus companheiros e isso é realmente relevante. Mas como você vê o Marinho, artilheiro e capitão? O que você crê que fez de certo para chegar até o atual momento?
Nada do que eu faço individualmente pode se separar do coletivo. Sem todos os jogadores do grupo, comissão técnica, funcionários, não seria possível chegar ao nível que estou. Por isso vou sempre exaltar o coletivo. Prefiro sempre dividir os méritos de uma boa temporada individual com o coletivo. Não jogo sozinho.

Você cresceu muito de produção. Todas as bolas importantes dos jogos passam pelos seus pés praticamente. Qual é seu diferencial? Que te torna único no futebol e te entregou um ano tão glorioso?
Eu sempre fui um jogador participativo. Nunca deixei de buscar jogo. Nunca me escondi em campo e, com um grupo que temos, tudo fica menos complicado. Trabalhei muito para alcançar o nível que estou hoje. Sou muito dedicado à minha profissão e sei a responsabilidade de vestir a camisa de um gigante como o Santos. Acho que isso fez toda a diferença.

Você tem algum sonho que queira realizar na próxima temporada? Além de levantar a taça da Libertadores?
Sonhar a gente vai sonhar sempre em conquistar grandes objetivos. Temos um pela frente que é gigante, mas mantendo os pés no chão sempre. O meu sonho é que o Santos continue sendo esse gigante que é e que eu possa estar presente em suas conquistas nos próximos anos.

Reprodução

Produtor de memes: "Sabia não"

"Que merda! Sabia não". Foi com essa frase que Marinho se tornou nacionalmente conhecido em 2015, quando defendia o Ceará. Em um partida pela Série B do Brasileirão contra o Santa Cruz, ele marcou nos minutos finais e tirou a camisa para comemorar o gol. Ao deixar o gramado, foi informado por um repórter que havia recebido o terceiro cartão amarelo e estava suspenso para o próximo jogo. Ignorando que a participação era ao vivo, ele respondeu: "Que merda! Sabia não". A entrevista viralizou.

O jeitão irreverente de Marinho rendeu outras entrevistas cômicas. Ao estrear com a camisa do Santos, contra o Botafogo, pelo Brasileiro de 2019, o atacante marcou um gol de fora da área. Ao conversar com um repórter na beira do gramado, ele batizou o gol de "minimíssil aleatório". Novamente viralizou.

A fase agora é outra, e Marinho quer provar que é muito mais que um produtor de memes. Será que ele vai conseguir liderar os meninos da Vila na conquista do tetracampeonato da Libertadores. Veremos!

Ettore Chiereguini/AGIF Ettore Chiereguini/AGIF

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