Mulher, preta, brasileira

Performance feminina em Paris superando a masculina não foi acaso: Brasil investiu pesado para isso acontecer

Beatriz Cesarini e Julianne Cerasoli do UOL, em Paris (FRA) Arte / UOL / COB

Para onde quer que você olhe na campanha brasileira nos Jogos Olímpicos de 2024, elas estão em alta. Rebeca Andrade agora é nossa maior medalhista da história. Rebeca, Beatriz Souza e a dupla Duda e Ana Patrícia trouxeram nossos únicos ouros.

Das 20 medalhas do Brasil, 12 foram conquistadas por mulheres e uma pela equipe mista do judô. Beatriz Ferreira se tornou a primeira mulher a ter duas medalhas no boxe brasileiro. Sarah Menezes virou medalhista como atleta e técnica.

E nada disso é uma coincidência. O investimento estratégico feito no esporte feminino pelo Comitê Olímpico Brasileiro deu a oportunidade que faltava. O que elas fizeram com isso entrou para a história.

Arte / UOL / COB

Para mim é uma honra ser mulher, ser mulher preta, e hoje estar no topo do mundo.

Rebeca Andrade

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GABRIEL BOUYS/AFP

Não é por acaso

As mulheres dominaram o quadro de medalhas do Brasil, mas nada é por acaso e nem vem de hoje. Em Tóquio, as mulheres brasileiras já tinham batido seu recorde de medalhas, com nove. Dois anos depois, nos Jogos Pan-Americanos de Santiago, em 2023, o grupo feminino conquistou mais medalhas do que os homens brasileiros pela primeira vez na história.

"A gente entende que dando oportunidades para mulheres e homens, eles têm o mesmo potencial de alcançar excelentes resultados. A questão não é só investimento. Tem esporte que precisa de mais, esporte que precisa de menos, assim como os atletas. É estratégico, e é assim com relação às nossas atletas. E as confederações entenderam que era necessário um olhar diferente", disse Mariana Mello, gerente de planejamento e desenvolvimento esportivo do COB.

"A gente trabalha já há muitos anos com a ginecologia esportiva, focada nas questões hormonais. O corpo da mulher é diferente dos homens. A psicologia também tem que ser diferente. Todas as áreas. A biomecânica da mulher não é igual à do homem, então temos equipes multidisciplinares estudando especificamente como lidar com a mulher atleta. E eu acredito que isso fez toda a diferença nesses últimos anos para as nossas meninas", acrescentou a executiva.

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Mulheres ocupando novos espaços

Reprodução

Gianetti Sena é técnica e mãe de medalhista

Desde jovem, Gianetti Sena se dividiu entre os papéis de advogada, mãe e atleta da marcha atlética. Ela foi a primeira a ganhar uma medalha pelo Brasil na modalidade, no Campeonato Ibero-Americano de Atletismo em 1996. A paixão pelo esporte a motivou a fundar, ao lado do marido e também técnico João Evangelista de Sena Bonfim, o clube Caso (Centro de Atletismo de Sobradinho), no Distrito Federal. Assim que encerrou sua carreira aos 44 anos, Gia se tornou treinadora do próprio filho, Caio Bonfim, que conquistou a medalha de prata em Paris, a primeira da história da marcha atlética do Brasil.

Miriam Jeske/COB

Sarah é medalhista como atleta e como técnica

Nas Olimpíadas de Paris, Sarah Menezes conquistou a medalha de bronze como técnica da Larissa Pimenta 12 anos após se tornar a primeira mulher judoca campeã olímpica da história brasileira. ?O judô é muito divertido, porque eu digo que é o esporte mais individual, coletivo que existe. Nós já fomos adversárias nas duas categorias: 48kg e 52kg. E hoje, eu estou como treinadora. A Larissa se motivou vendo as minhas vitórias, meu ouro olímpico. É muito legal?, Sarah ao UOL. Pouco depois, a treinadora acumulou outra conquista: a medalha de ouro de Beatriz Souza no 78kg.

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Representatividade

Foi no judô com Sarah Menezes, que começou a construção de uma história que não passa somente por medalhistas mulheres. São mulheres brasileiras pretas que ocuparam espaço e são o grande destaque da delegação brasileira.

Rebeca Andrade, Rafaela Silva, Beatriz Souza, Beatriz Ferreira, Duda e Ana Patrícia. Elas mostraram que podem quebrar barreiras no esporte em que muitas modalidades sobreviveram em um contexto de discriminação, exclusão e hostilidade.

"Eu acho que eu vim pra mostrar que é possível. Vejo a minha história de dificuldade e tudo que eu precisei passar para chegar até aqui para mostrar que vale a pena. Vale a pena quando pessoas acreditam em você, vale a pena quando você acredita em você, quando você sabe que tem essa possibilidade. Meu sonho era viver tudo isso daqui junto com o meu treinador, junto com as meninas", disse Rebeca Andrade, antes de completar.

"Ter uma rede de apoio é muito importante, porque por mais que você esteja em um momento ruim, quando você tem uma luz, uma luz que seja no fim do túnel, você continua acreditando. E aquela luz vai ficando cada vez mais clara e você vai acontecendo. Para mim é uma honra ser mulher, ser mulher preta, e hoje estar no topo do mundo."

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Satiro Sodré/SSPress/CBDA
Maria Fernanda Costa em ação nas Olimpíadas de Paris

Além das medalhas

Mesmo em modalidades nos quais o Brasil não teve medalhas, as mulheres mostraram sua força. E a natação é um bom exemplo disso. O Brasil encerrou sua participação na piscina das Olimpíadas de Paris sem medalhas pela terceira vez em 20 anos, mas com grande evolução da categoria feminina. Das quatro finais conquistadas pelo país nas piscinas, três foram com as mulheres.

Uma das marcas importantes foi a classificação do revezamento 4x200m feminino à final, o que não acontecia desde as Olimpíadas de Atenas em 2004. A equipe formada por Maria Fernanda Costa, Stephanie Balduccini, Maria Paula Heitmann e Gabrielle Roncatto conseguiu a sétima colocação, com direito a quebra do recorde sul-americano de Mafê.

"Uma vitória não é sempre uma medalha, são feitos históricos e a gente fez história nas Olimpíadas. A Mafê bateu o recorde sul-americano. A gente nadou muito bem, quase batemos o recorde sul-americano. Somos as sétimas do mundo e as mulheres conseguiram três finais em Paris", exaltou Stephanie.

Outro exemplo foi o canoagem slalom, onde Ana Sátila conquistou o melhor resultado do Brasil na história, um quarto lugar. "Sofri muito nas primeiras edições, em Londres e, principalmente, no Rio. Muita gente me criticou porque não consegui o resultado que esperavam. Ter voltado agora e conquistado o melhor resultado do Brasil foi muito bom. Não deu por um detalhe, mas vou voltar ainda mais forte."

No Badminton, Juliana Viana conquistou a primeira vitória de uma mulher brasileira em Olimpíadas. Bárbara Domingos chegou na primeira final brasileira na ginástica rítmica. Giulia Penalber foi a primeira brasileira a lutar por medalha no wrestling.

A realidade é essa: a mulher brigando pelo que ela quer, onde ela quiser.

Duda Sampaio

Paul Gilham/Getty Images
Ketleyn Quadros com bronze em Pequim

Ninguém nunca mais vai segurar

Desde a primeira edição da Era Moderna, em que elas eram proibidas de participar, até Paris-2024, quando foram metade das atletas, muita coisa mudou. No Brasil, entre 1941 a 1979, as mulheres eram impedidas de praticar esportes de contato (lutas, futebol, o que eram chamados "esportes incompatíveis com sua natureza").

Dá para entender por que as mulheres conseguiram um crescimento tão exponencial, vindas de uma situação tão precária. "Eu cheguei bem na hora que melhorou", disse uma das primeiras medalhistas brasileiras, Ketleyn Quadros.

"Até pouco tempo a mulher não podia nem treinar, então eu cheguei bem na hora que melhorou desde o clube, justamente para dar essa oportunidade para o feminino, que era a única coisa que faltava. Era ter essa opção de escolha, de definir onde quer treinar, ser acessível, e por isso que melhorou muito. E eu acredito muito que esses jogos só mostram um pouquinho, uma palhinha do que tem por vir. Acredito que melhorou muito, e tem muito mais a crescer."

Esse sentimento é compartilhado pela nova geração. Medalhista de prata no futebol, Duda Sampaio vê que o movimento olímpico é paralelo ao dia a dia das brasileiras. "A gente fala do esporte, mas a mulher em si é muito batalhadora desde sempre. Então, acho que quando a gente pega essa grandeza de conquistar medalhas hoje, acho que se dá muito pela nossa força e o que a gente precisa é de mais apoio. Sei que muitas dessas atletas lá atrás foram na vontade, na raça mesmo, de continuar. A realidade é essa: a mulher brigando pelo que ela quer, onde ela quiser."

Os medalhistas brasileiros

  • Larissa Pimenta (bronze)

    A chave é acreditar: Larissa é bronze no judô depois de muita gente (até uma rival) insistir que ela era capaz.

    Imagem: Wander Roberto/COB
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  • Willian Lima (prata)

    Dom e a medalha de prata: Willian sonhava em ganhar a medalha olímpica, e com seu filho na arquibancada. Ele conseguiu.

    Imagem: Wander Roberto/COB
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  • Rayssa Leal (bronze)

    Tchau, Fadinha. Oi, Rayssa: Três anos depois da prata em Tóquio, brasileira volta ao pódio em Paris e consolida rito de passagem.

    Imagem: Kirill KUDRYAVTSEV / AFP
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  • Equipe de ginástica (bronze)

    Sangue, suor e olho roxo: Pela primeira vez na história, o Brasil ganha medalha por equipes na ginástica artística. E foi difícil...

    Imagem: Ricardo Bufolin/CBG
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  • Caio Bonfim (prata)

    Buzina para o medalhista: Caio conquista prata inédita na marcha atlética, construída com legado familiar e impulso de motoristas.

    Imagem: Alexandre Loureiro/COB
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  • Rebeca Andrade (prata)

    'Paro no auge': Rebeca leva 2ª prata, entra no Olimpo ao lado de Biles, Comaneci e Latynina, e se aposenta do individual geral.

    Imagem: Rodolfo Buhrer/Rodolfo Buhrer/AGIF
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  • Beatriz Souza (ouro)

    Netflix e Ouro: Bia conquista primeiro ouro do Brasil em Paris após destruir favoritas e ver TV.

    Imagem: Alexandre Loureiro/COB
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  • Rebeca Andrade (prata)

    Ninguém acima dela: Rebeca ganha sua quinta medalha olímpica, a prata no solo, e já é recordista em pódios pelo Brasil.

    Imagem: Stephen McCarthy/Sportsfile via Getty Images
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  • Equipe de judô (bronze)

    O peso da redenção: Brasil é bronze por equipes no judô graças aos 57kg de Rafaela Silva.

    Imagem: Miriam Jeske/COB
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  • Bia Ferreira (bronze)

    A décima: Bia Ferreira cai para a mesma algoz de Tóquio, mas fica com o bronze e soma a décima medalha para o Brasil.

    Imagem: Richard Pelham/Getty Images
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  • Rebeca Andrade (ouro)

    O mundo aos seus pés: Rebeca Andrade bate Simone Biles no solo, é ouro e se torna maior atleta olímpica brasileira da história.

    Imagem: Elsa/Getty Images
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  • Gabriel Medina (bronze)

    Bronze para um novo Medina: Renovado após problemas pessoais e travado por mar sem onda, Medina se recupera para conquistar pódio olímpico.

    Imagem: Ben Thouard / POOL / AFP
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  • Tatiana Weston-Webb (prata)

    Ela poderia defender os Estados Unidos, mas fez questão de ser brasileira e ganhou a prata de verde e amarelo

    Imagem: William Lucas/COB
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  • Augusto Akio (bronze)

    Com jeito calmo, dedicação e acupuntura, Augusto Akio chegou ao bronze. Mas não se engane: ele é brasileiro

    Imagem: Luiza Moraes/COB
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  • Edival Pontes (bronze)

    Bronze sub-zero: Edival Pontes, o Netinho, conheceu o taekwondo quando ia jogar videogame; hoje, é bronze na 'categoria ninja'

    Imagem: Albert Gea/REUTERS
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  • Isaquias Queiroz (prata)

    Esporte de um homem só - Isaquias Queiroz segue soberano na canoagem e se torna 2º maior medalhista brasileiro da história olímpica.

    Imagem: Alexandre Loureiro/COB
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  • Alison dos Santos (bronze)

    Piu supera tropeços em Paris, mostra que estava, sim, em forma e conquista seu segundo bronze olímpico.

    Imagem: Michael Kappeler/picture alliance via Getty Images
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  • Duda e Ana Patrícia (ouro)

    Dez anos depois do título nos Jogos Olímpicos da Juventude, Duda e Ana Patrícia são coroadas em Paris

    Imagem: David Ramos/Getty Images, Luiza Moraes/COB e Gabriel Bouys/AFP
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  • Futebol feminino (prata)

    Prata da esperança - Vice-campeã olímpica, seleção feminina descobre como voltar a ganhar e mostra que o futuro pode ser brilhante.

    Imagem: Alexandre Loureiro/COB
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  • Vôlei feminino (bronze)

    Evidências - Programada para o ouro, seleção de vôlei conquista um bronze que ficou pequeno para o que o time fez em Paris.

    Imagem: REUTERS/Annegret Hilse
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