Se tivesse para onde correr, Duda teria corrido. As mais velhas a ensinaram a usar sempre tamanco exatamente para ocasiões assim. O calçado ajuda a vender as formas do corpo: empina a bunda, reforça os músculos da perna. E basta uma sacudida no tornozelo para se livrar dele e fugir a pé. O problema é que, no final da ladeira para onde um suposto cliente a levou de carro, havia uma dúzia de motoqueiros esperando. Não havia mais para onde correr.
Duda já havia perdido a melhor amiga literalmente apedrejada e estava marcada para morrer ali. Mas ela teve melhor sorte. Não que seja sorte apanhar de 12 homens, mas, ao se apoiar em uma dessas portas de aço de enrolar, cada soco e chute que tomava fazia barulho. Os vizinhos ouviram. Um deles ameaçou chamar a polícia. Ela fingiu-se de morta e os agressores pararam. Acreditavam ter conseguido o que queriam. Quando eles se afastaram, ela correu, cambaleando, chegando ao asfalto da avenida antes de ser alcançada de novo.
Se tivesse para onde correr, Duda não teria voltado a se prostituir dois dias depois de deixar o hospital. Mas quando Duda se assumiu mulher, de 13 para 14 anos, ainda na primeira metade dos anos 1990, essa era a única oportunidade que tinha para se sustentar.
Caso pudesse escolher, Duda teria sido jogadora profissional de vôlei. "Não sei se chegaria ao Osasco, ao Bauru, mas teria me sustentado com o esporte". Conhecida nos bate-bolas de São Paulo como Duda Morena, ela é uma das muitas mulheres transgênero que têm no vôlei um refúgio e em Tifanny Abreu uma inspiração. Ao contrário do que pensa quem vê na presença de mulheres trans uma tentativa de roubar o lugar de jogadoras cis no esporte, essas mulheres querem ter para onde correr. Querem, como Duda, um lugar na sociedade.