No futebol ninguém me chamava de Régis. Era só Pit, Pit, Pit. Pitbull, coisa da torcida da Ponte. Na praça que ficava na frente do estádio, os rapazes levavam uns pitbulls para treinar depois das cinco da tarde. Eu fiquei louco. Ninguém chegava perto dos bichos. Fui lá e comprei um cachorrinho para mim. O bagulho cresceu. Numa festa em Campinas, minha mãe começou a querer dar vassourada nele e ele saiu mordendo todo mundo. Tivemos que dar duas baletas para ele aquietar.
Matamos o bicho, o samba seguiu. Eu já fiz merda nessa vida. Já quis bater em jogador que me deu entrada violenta no treino (mas o safado tinha que apanhar mesmo). Já atropelei uns cavalos e só não morri esmagado por eles porque meu carro era blindado. Caí duas vezes no antidoping por maconha, fiquei perto de ser banido do esporte. O futebol me deu tudo, a droga me tirou quase tudo e agora eu estou aqui.
Do lado dos amigos que me ofereceram uma mão no escuro, estou tentando me reerguer.
Se eu te pedir um dinheiro e disser que eu não vou usar nada, isso vai ser mentira. E eu não minto. O cara que usa droga e diz que não usa está mentido para si mesmo. Eu fico bem hoje com duas pedras de crack por dia, uma antes de dormir, outra depois de acordar. O que é muito menos do que eu usava há pouco tempo atrás.
Outro dia circulou na internet um vídeo, e os caras vieram dizer que eu estava pedindo esmola. Isso é mentira. Se eu fosse branco, o vídeo seria só "um cara recebendo um troco dos amigos". Mas eu sou preto. Um preto ganha um dinheiro de madrugada e ele já está pedindo esmola. Meu pessoal ficou puto, minha mãe ficou uma arara. Na quebrada todo mundo tem família.
Se você ficou chocado quando leu "Régis Pitbull pedindo esmola", pode segurar a emoção. Não sou seu coitadinho, não preciso da sua pena, não me arrependo do que fiz e do que sou. Você me pergunta o que eu sou. Eu sou um adicto em recuperação. Mas também sou mais que isso. Essa é a minha história.