O coração de Bussunda parou

Na Copa de 2006, os brasileiros perderam um grande humorista da TV. Os 'Cassetas' perderam o melhor amigo

Beatriz Cesarini e Talyta Vespa Do UOL, em São Paulo José Patrício

Bussunda acordou mais cedo do que o normal em 17 de junho de 2006, muito antes de telefonar para dar o bom dia rotineiro e apaixonado à esposa Angélica. Ele não estava bem quando encontrou com Paulo Santos, o diretor de fotografia, e falou que sentia náuseas. Não era um bom sinal, já que o humorista exaltou que nada o faria perder a cobertura da Copa do Mundo na Alemanha e, por isso, esconderia tudo que o tiraria daquele sonho. Inclusive problemas de saúde.

Por sorte, a produtora Myriam Chebabi encontrou uma dupla de paramédicos no próprio hotel em que todo o time de enviados do "Casseta & Planeta, Urgente!" estava hospedado, próximo de Munique. Prontamente, os profissionais subiram ao quarto de Bussunda e fizeram algumas perguntas. No meio de uma resposta, Bussunda desabou no chão. O coração dele estava parado. Os paramédicos usaram o desfibrilador para restabelecer o ritmo cardíaco. Fizeram massagem. Não adiantou.

"Fiquei ouvindo tudo na porta. Estava aquele pi, pi, pi, e daqui a pouco escutei o piiiii", relembra o diretor José Lavigne. "Por um momento, fiquei tranquilo, porque achei que tudo tinha passado, mas na verdade ele tinha morrido. Estava na cara dos médicos que tinha acontecido o pior".

Cláudio Besserman Vianna, o Bussunda, morreu.

José Patrício
Arte UOL

Desde o dia 20 de novembro mundo inteiro está com os olhares voltados para a Copa do Mundo, que é realizada no Qatar. A maioria dos brasileiros acompanhará o maior evento de futebol do universo pela televisão.

É justamente esse aparelho que, ao longo dos anos, moldou a forma de o brasileiro torcer. Nesta série, o UOL Esporte relembra e conta a história de grandes momentos da televisão brasileira em Copas do Mundo, desde personagens icônicos e imprescindíveis no Mundial a simples frases que todos entoamos ao longo dos anos.

Helmut Hossmann / Futura Press Helmut Hossmann / Futura Press

"Vou logo dizendo: eu escondo"

Desde 1994, a equipe do Casseta & Planeta cobria Copas do Mundo, com direito a boletins no Jornal Nacional, o que simbolizava uma inovação. No Mundial de 2002, a Globo não enviou o grupo de humoristas ao Japão e à Coreia por questões financeiras. Quatro anos depois, Beto Silva, Bussunda, Claudio Manoel e Hélio de La Peña viajaram para a Alemanha.

Apesar da empolgação e da alegria dos amigos por cobrir o maior evento futebolístico do mundo in loco, o clima da cobertura era tenso. O diretor José Lavigne estava nervoso, no meio da finalização do segundo longa-metragem dos Cassetas. Entre uma discussão e outra com ele, a equipe se deparou com outro problema: o figurinista Marcinho foi parar no hospital, com risco de amputação do braço.

"Um inseto tinha mordido o braço dele e aquilo infeccionou, mas para não perder a Copa, ele escondeu isso da gente. E foi um negócio gravíssimo", relembra Helio de La Peña. Aquilo ligou um sinal de alerta na equipe, que se reuniu para o que chamaram de "preleção". Combinaram que não esconderiam qualquer tipo de problema de saúde. Bussunda discordou fortemente.

"Bussunda não era de confronto, era conhecido por ser meio buda, mas eu lembro direitinho, palavra por palavra, porque ele chegou e falou: 'Tá maluco, meu irmão? Isso aqui é Copa do Mundo. Tu vai perder a Copa do Mundo porque torceu o joelhinho? Porque está com o tornozelinho machucado? Vou logo dizendo: eu escondo'", descreve Claudio Manoel.

Divulgação/Rede Globo Divulgação/Rede Globo

"O porco me tira do sério"

Após o papo sério, a vida seguiu. Na manhã do dia 16 de junho, Bussunda participou de uma gravação com sua personagem "Ronaldo Fofômeno", logo foi liberado e decidiu ir à Fan Fest para acompanhar a goleada da Argentina por 6 a 0 na Sérvia. Foi sozinho, mesmo. O humorista não sabia se estava mais animado com o jogo ou com os salsichões servidos no evento. "O porco me tira do sério", dizia ele. A cervejinha também foi companheira.

Bussunda se esbaldou e voltou para o hotel super empolgado. Encontrou com Hélio, que o chamou para almoçar, mas ele não quis. Dizia que estava passando um pouco mal por ter se empanturrado na Fan Fest. Até aí, tudo parecia normal. Segundo os amigos, Bussunda tinha esse costume de comer muito e ir descansar. Acordava pronto para outra.

Divulgação Divulgação

Tabajara F.C. x Novinhos Americanos

"Umas oito da noite, ainda era bem claro, a gente decidiu jogar uma pelada em um campinho perto do nosso hotel. A ideia era uma bolinha tranquila. De repente, o negócio aumentou. Tinham uns jornalistas americanos que também quiseram participar. Então era o time estrangeiro contra o Tabajara F.C.. Cláudio Manoel convidou o Bussunda, que estava dormindo, e ele topou de bate pronto", começa Hélio.

"Virou Brasil contra Estados Unidos, aquela testosterona, aquilo de incendiar o adversário, de temos que ganhar, sabe? E os caras tinham 20 anos e nós, 40. Por mais que eles fossem americanos e a gente pensasse que com brasileiros não há quem possa, nós tomamos um vareio. Passava americano voando pra lá, americano voando pra cá", acrescenta Claudio.

"A gente correu muito para tentar chegar nas bolas. Isso é uma coisa que ficou marcada. E eu me lembro que o Bussunda deu um pique, não era nem normal, e depois pediu para ir para o gol", relembra Beto Silva.

"Eu até pedi para ir pro gol primeiro, porque estava cansado, mas o Bussunda falou: 'Quem tá morto sou eu, eu que vou pro gol'. Ele foi meio ofegante, mas a gente achava normal, até porque ele sempre foi asmático e deixava a bombinha lá perto da trave", continua Claudio Manoel.

"A gente perdeu obviamente e fomos andando na direção do hotel. Ele parou, sentou num banco e falou que estava passando mal. Ficamos meio assim, mas não imaginamos nada. Ele levantou, falou que estava bem e aí ele foi para o quarto", finaliza Beto Silva.

José Patrício José Patrício

"Se pararem de me ligar, vou ficar bem"

Bussunda foi ao quarto ainda ofegante e, mesmo garantindo que estava bem, os amigos ficaram preocupados. O telefone do aposento não parou de tocar. Beto perguntou como ele estava se sentindo:

-- Como que você tá? Tá melhor, cara?
-- Tô bem, tô bem. Só um pouco enjoado, mas está tudo certo.

O último a ligar foi Claudio Manoel, que, após mais uma discussão com o diretor, resolveu dar um alô ao amigo:

-- E aí, Bussunda, como que tá? Tudo bem por aí?
-- Se me deixarem dormir vai ficar tudo bem

Foi a última vez que Claudio ouviu a voz de Bussunda, seu parceiro por mais de 30 anos.

Tem paramédicos no hotel, mas é tarde demais

No dia seguinte, Bussunda acordou antes das seis da manhã, ainda passando mal. Encontrou com Paulo Santos, o diretor de fotografia, que estava tomando café da manhã no hotel e avisou sobre o mal-estar. Ele não quis ir ao hospital. "Deixa isso pra lá porque não quero perder Copa do Mundo por causa de babaquice", falou.

O diretor viu Bussunda voltar para o quarto, ofegante, e decidiu pedir ajuda. Acionou Myriam Chebabi, uma produtora que morava na Alemanha e fazia papel de intérprete para os Cassetas.

Por sorte, uma dupla de paramédicos estava hospedada no hotel e tinha uma ambulância de prontidão. Os profissionais correram para o quarto do humorista e fizeram algumas perguntas até que, no meio de uma resposta, Bussunda desabou no chão. Tentaram levá-lo à ambulância, mas a maca não cabia no elevador e a situação foi se agravando. Os médicos começaram a fazer massagem cardíaca e usaram o desfibrilador. Aos poucos, Beto, Cláudio e Hélio foram acordando. Zé Lavigne avisou que o amigo não estava bem e todos partiram para a porta do quarto.

"O quarto dele era em frente ao meu. Eu vesti um shorts, saí e vi a porta entreaberta. Entrei e ele estava deitado no chão. Estavam usando o desfibrilador e eu me lembro daquele cheiro dos cabelos do peito queimados. A médica me botou para correr e fecharam a porta. Ficamos esperando do lado de fora e entendemos que, com a demora, a coisa não era boa", conta Claudio.

Recebemos a notícia de que ele tinha morrido. Hoje em dia, às vezes eu paro e penso. Naquela hora, a gente vendo ele sendo reanimado, ele já estava morto. Estavam tentando ressuscitá-lo. Aquilo foi um choque absoluto

Hélio de La Peña

Ana Carolina Fernandes / Folhapress Ana Carolina Fernandes / Folhapress

O Bussunda morreu

Assim que a notícia da morte de Bussunda se confirmou, bateu um sentimento de desespero em todos que estavam por lá. O grupo ficou sem chão. "Todo mundo só chorava, todo mundo só gritava", relembra Claudio.

Além da dor e consternação, os Cassetas se preocupavam com a família de Bussunda. Eles não queriam que Angélica e Julinha, mulher e filha, soubessem da morte pela imprensa ou algo do tipo. No Rio de Janeiro, as esposas dos Cassetas se uniram e se dirigiram à casa de Bussunda para falar com Angélica.

O conselho de Galvão

Ainda naquele momento de choque, Galvão Bueno chegou ao hotel em que a tragédia aconteceu. O narrador foi dar um abraço carinhoso e aconselhar Hélio, Cláudio e Beto, que perderam muito mais que o colega de elenco, eles perderam o melhor amigo.

"Ele foi muito parceiro, contou a experiência que tinha vivido com a morte do Ayrton Senna. Disse: 'Passei por uma situação dessa e o conselho que eu dou é: se acalmem, atendam a imprensa e eu sugiro que vocês não parem de trabalhar, porque, se parar, a cabeça vai pirar'", descreveu Hélio.

"O Galvão veio na minha direção e falou: 'Ninguém acredita muito que eu realmente era amigo do Senna, mas eu amava ele. Quando o Ayrton morreu, eu fiquei muito mal, eu perdi meu chão, eu estava ali... Eu vim aqui só para dizer uma coisa: vocês só saem dessa trabalhando. Ninguém vai conseguir sair dessa sem o trabalho'. E foi um santo conselho", acrescentou Cláudio.

A equipe conseguiu rapidamente a liberação do corpo para o traslado ao Brasil. O grupo também retornou. Obviamente não havia a menor condição de seguir em frente com a cobertura de Copa. Bussunda foi velado no ginásio do Flamengo no dia seguinte à morte, em 18 de junho, enquanto a seleção brasileira vencia a Austrália por 2 a 0.

O luto e a saudade do amigo

O público perdeu um comediante, a gente perdeu um amigo, um irmão. O Bussunda era padrinho do meu filho mais novo, era uma relação familiar. Nós viajamos juntos sempre, com as esposas e filhos. Eu convivia mais com o grupo do que com minha própria família. Essa é a perda do amigo nas horas vagas, da conversa fiada, da zoação. Ainda hoje, quando o Flamengo perde, eu penso que era uma hora boa de telefonar para sacanear o cara.

Hélio de La Peña

Só fui assistir ao nosso segundo filme agora há pouco. Não conseguia ver as cenas engraçadas dele. Conheci o Bussunda, ele tinha nove anos de idade. A quantidade de vezes que eu meti a mão no telefone porque teve um gol do Flamengo ou qualquer outro jogo que queria comentar com ele... Enfim, até parar com esse hábito foram anos, porque a gente se ligava toda hora. Pra comemorar, xingar, comentar, o que fosse. O tamanho da ausência é o que dá mais trabalho.

Claudio Manoel

Para ser sincero, eu tenho uns apagões daquele dia. Eu fiquei num estado de choque. No velório, eu não quis vê-lo, não queria ter aquela imagem do Bussunda, sabe? Eu fiquei com um trauma maior da Alemanha do que de Copa do Mundo. Eu até voltei pra lá depois, mas só Berlim. Munique, por exemplo, eu não tenho vontade de colocar o pé, lá. Não faço questão. A vida dá essas, infelizmente. Foi muito difícil... A gente fala, porque tem que falar, porque é até ruim guardar.

Beto Silva

José Patrício José Patrício

A vida seguiu e o Casseta também

O programa seguinte à morte de Bussunda foi ao ar três dias após o enterro e foi dedicado somente a ele. O diretor José Lavigne montou aquele episódio sozinho enquanto o elenco se recuperava do baque. Uma semana depois, todos os Cassetas se reuniram para refazer o segundo programa sem o amigo. A vida seguiu.

Muito se fala que o Casseta & Planeta acabou depois que o Bussunda morreu. Não é verdade. A equipe levou a sério o conselho de Galvão e todos trabalharam com um gás a mais, até em forma de homenagem ao amigo Bussunda.

"Nossas maiores médias de audiência, inclusive, foram em 2007 e 2008, os dois anos seguintes à morte dele. A gente realmente não queria deixar a peteca cair. Ficamos mais seis anos no ar", comenta Cláudio.

O "Casseta & Planeta, Urgente!" foi ao ar até o fim de 2012. Sem o compromisso semanal e com novos trabalhos surgindo, é claro que os amigos passaram a se ver menos nos últimos anos. E apesar de a rotina ser diferente, a amizade é a mesma: vez ou outra eles conversam por telefone e aplicativos de mensagens e promovem encontros.

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