Projeto Nestor

Como meia uniu elementos de Ceni, Crespo e Diniz para se firmar e virar o maestro do São Paulo

Brunno Carvalho Do UOL, em São Paulo Mauro Horita/São Paulo FC

Lapidar um diamante leva tempo e exige um cuidado acima do normal para não danificar a caríssima pedra. A preocupação é tamanha que as maiores costumam ser confiadas a lapidários experientes e o processo, muitas vezes, pode demorar até um ano. Formar um jogador de futebol leva mais tempo.

Não há um tempo pré-definido, vai depender de cada joia das categorias de base, mas há sempre um risco de o processo ser acelerado demais, sem que o atleta esteja pronto para brilhar no profissional. Para formar Rodrigo Nestor, na última fase, em sua chegada ao profissional, o São Paulo contou com três lapidários. Ele passou pelas mãos de Fernando Diniz, Hernán Crespo e Rogério Ceni.

O projeto tratado com carinho pelo clube atingiu a afirmação no terceiro ano de profissional. Escalado na função em que atua desde a base, Nestor, 21, começou a brilhar. Ele é o líder de assistências do time na temporada e o segundo com mais gols marcados. Até aqui, foram seis passes para gol e cinco bolas na rede em 27 partidas.

"Eu sabia que quando eu tivesse a minha oportunidade, ia aproveitar, porque eu batalhei muito por isso. Trabalhei demais, tive muita paciência, fui resiliente. Eu tinha certeza de que ia conseguir aproveitar a minha oportunidade no São Paulo", disse ao UOL Esporte.

Mauro Horita/São Paulo FC

Gols e assistências de Rodrigo Nestor pelo São Paulo em 2022

Cursinho Tricolor

A última etapa de lapidação de Nestor começou no início de 2020 com Fernando Diniz. Foi ele quem decidiu subir para conviver com os profissionais. O jovem participava dos treinos, mas entrava raramente nos jogos. Naquele ano, foi titular apenas no jogo contra o Fortaleza, pelo Brasileiro: iniciou a jogada de dois dos três gols da vitória por 3 a 2.

Diniz considerava Nestor um meia completo, ainda que não estivesse pronto. A ideia da promoção com 19 anos era fazer com que o meia se acostumasse com a rotina do profissional.

A minutagem maior programada por Diniz não teve tempo de acontecer. A queda de rendimento do São Paulo no Brasileirão de 2020 selou o destino do treinador, demitido antes mesmo do fim da competição. Para seu lugar, a nova diretoria trouxe Hernán Crespo.

A filosofia de trabalho se manteve próxima, mas o argentino tinha como característica a marcação individual e gostava do esquema 3-5-2. Nas mãos dele, Nestor teve mais chances, mas atuou quase sempre mais recuado. Ainda assim, terminou o ano com seis assistências.

Uma nova queda de rendimento do time, após a conquista do Paulistão, fez com que Crespo saísse em outubro passado. Rogério Ceni chegou e, nas mãos do ex-goleiro —que também imaginava um time protagonista, ofensivo—, Nestor encontrou sua posição. Depois de ser utilizado como primeiro volante, foi liberado para jogar mais adiantado quando Pablo Maia se firmou entre os titulares.

Nestor e seus mentores

Fernando Alves/AGIF

Fernando Diniz

"Eu entrava pouco, mas disfrutava de um time que estava jogando muito bem. O nível de treinamento do Diniz era muito alto. As movimentações eram treinadas e no jogo aconteciam da mesma maneira. Eu aprendi demais com ele."

Rubens Chiri/saopaulofc.net

Hernán Crespo

"O Crespo tinha uma marcação individual o campo inteiro, então eram duelos individuais que você tinha que vencer. Isso me fez evoluir demais. Ele me dava confiança na Libertadores, em clássicos, foi um cara que realmente acreditou em mim."

MARTIN BERNETTI / AFP

Rogério Ceni

"Eu aprendo a cada dia com o Rogério, tanto no trato com a bola quanto nas movimentações. Ele ensina a economizar energia para estar melhor e fazer as jogadas melhor. É um cara muito perfeccionista, não tem como não aprender."

Ricardo Moreira/Getty Images

Mudança de função mostra que Nestor é para valer

A mudança de função também teve um impacto imediato no São Paulo. Com um jogador de mais marcação como Pablo Maia como primeiro volante, a equipe ficou mais forte defensivamente. Quando tinha a bola, a qualidade de passes de Nestor ajudava a municiar os atacantes. Depois de um início ruim de Paulistão, o Tricolor somou 22 pontos de 27 disputados e avançou na competição, em que terminaria como vice-campeão.

"Quando eu jogo com um jogador que tem uma marcação mais forte, ele me dá uma sustentação maior, me deixa mais tranquilo para participar de jogadas de gol, de lances mais à frente", explica.

Além da função de Nestor, Rogério Ceni mudou o esquema tático. O 4-4-2 que evitou o rebaixamento no Brasileirão deu lugar ao 4-1-3-2, com mais liberdade para os meias, principalmente para o camisa 25.

"Estou em uma região em que tem uma marcação maior, porém a bola que eu pego é sempre em lance de perigo, porque estou muito perto do gol e dos atacantes. É gostoso de jogar ali. Qualquer roubada de bola fica mais fácil para criar uma jogada de perigo".

Os números dão razão a Nestor. Na função que exerce desde a base, ele aumentou as assistências e os gols. A boa fase completa o processo de solidificação no profissional.

"Acho que me firmei no São Paulo. Participo de mais gols esse ano, tenho jogado mais. Estou muito feliz. É o sonho de qualquer jogador que vem da base".

Na posição que eu jogo, o De Bruyne é o melhor. É uma posição nova, que está começando a surgir no futebol. Quem joga nessa função tem que conseguir voltar como um camisa 8 ou um 5 e atacar como um 10. O futebol é muito dinâmico, mais mudanças virão por aí também."

Rodrigo Nestor

Miguel SCHINCARIOL/São Paulo FC Miguel SCHINCARIOL/São Paulo FC

O jogo da mudança

O placar da Vila Belmiro marcava 21 minutos do segundo tempo e 2 a 0 para o São Paulo quando Nikão pegou a bola na direita e virou o jogo para Rodrigo Nestor. Completamente livre de marcação, o camisa 25 teve tempo de dominar e se posicionar antes de soltar uma bomba de esquerda para fazer o terceiro gol.

O lance, que para muitos passou batido por ter sido o terceiro da tranquila vitória em 20 e fevereiro, marcou Nestor. Atrás de muitos companheiros na pré-temporada devido à covid-19, ele não havia conseguido participar de nenhum gol do São Paulo nos seis primeiros jogos do ano.

"Eu estava precisando de um gol e do jeito que foi: um chute de fora da área, entrando no segundo tempo. Eu peguei covid, demorei para voltar à melhor forma", relembra.

Aquele gol não só tirou um peso das costas, como provou a evolução dos treinos com Rogério Ceni. O treinador costuma fazer simulações de jogo nas atividades de finalização.

"Eu sempre tive uma boa finalização, um chute de fora da área, mas quando eu cheguei no profissional, não estava tranquilo o suficiente para exercer bem aquilo. A parte que eu mais evoluí com ele [Ceni] foi nessa parte. Acredito que a melhora é fruto do dia a dia. Treinei bastante e agora a bola vem entrando".

Fico feliz por estar nos holofotes agora, mas eu sei que o futebol gira muito rápido. Agora eu posso ser o homem das assistências e amanhã ser o cara que manda para a lua e não sabe chutar."

Rodrigo Nestor

Análise dos blogueiros

  • Julio Gomes

    "Nestor é o típico volante moderno, com muita chegada e qualidade de passe. Em outros tempos, seria um jogador mais avançado. O problema, claro, é o porte físico para fazer funções defensivas ao longo da partida. Ele precisa compensar com muita agilidade e antecipação."

    Imagem: Divulgação
  • Menon

    "Nestor é um oásis de criatividade no meio de campo do São Paulo, coalhado de jogadores 'táticos'. Além de um bom passe vertical, tem bom chute de fora da área. Deve jogar mais perto do gol adversário. Como segundo volante, tem boa saída de bola. Pelo físico, não deve atuar como volante marcador. É um desperdício."

    Imagem: Uol
  • Rodrigo Coutinho

    "Vejo o Nestor como um segundo homem de meio-campo. Passe longo qualificado, capacidade de articulação com passes curtos e potentes chutes de fora da área. Possui dinâmica interessante de movimentação e está sempre próximo da bola. Acho que pode evoluir em aspectos defensivos, principalmente o posicionamento, e físicos."

    Imagem: UOL
Marcello Zambrana/AGIF Marcello Zambrana/AGIF
Paulo Pinto / saopaulofc.net

Ele toca e recebe de Calleri

A boa fase de Rodrigo Nestor se juntou à de Calleri. Se o meia tem tido facilidade nos passes, o atacante raramente perde as chances que aparecem em frente ao gol. O argentino balançou as redes 16 vezes em 27 partidas na temporada.

Diferentemente de Pablo, titular na temporada passada, Calleri atua como um centroavante mais clássico, acostumado a brigar entre os zagueiros. Para Nestor, o estilo de jogo do São Paulo tem favorecido o argentino.

"A gente faz muitas jogadas de linha de fundo, então a gente sabe que se chegar no fundo, ele vai estar dentro da área e vai levar vantagem sobre os zagueiros. É sempre bom, quem não quer jogar com um atacante assim? Que bom que ele está fazendo gols, espero que continue", explicou.

Apesar da facilidade de jogar dentro da área, Nestor contesta a afirmação de que o companheiro atua como um homem fixo. "Ele faz muitas movimentações perto da área. São jogadores de características diferentes, mas acredito que Calleri tem um trabalho de pivô melhor, então ele te deixa mais confortável para jogar próximo dele".

Diante do Ceará no último fim de semana, Calleri recebeu entre os zagueiros, protegeu e rolou para trás. Livre, Nestor chutou de fora da área para fazer o segundo gol do São Paulo.

Eu sei que se eu estiver perto dele, vai sair algo bom: ou um gol dele ou alguma coisa para mim".

Rubens Chiri / saopaulofc.net Gabriel Sara, Rodrigo Nestor e Igor Gomes após o título paulista do São Paulo em 2021

Gabriel Sara, Rodrigo Nestor e Igor Gomes após o título paulista do São Paulo em 2021

A base vem de Cotia

O termo "made in Cotia" é um exemplo do amor que a torcida do São Paulo tem pelas joias da base e que se espalha pelo clube. No atual elenco, uma geração que chamava atenção antes de virar profissional se tornou o pilar de um time em evolução.

Luan foi um dos destaques do título do Paulistão, Gabriel Sara terminou a temporada passada como homem de confiança de Rogério Ceni, Rodrigo Nestor tem em 2022 seu melhor momento e Igor Gomes, em seu quarto ano no profissional, já é tratado como um dos experientes, mesmo com apenas 23 anos.

"A gente acreditava que ia chegar no profissional, mas não sabíamos se ia ser todo mundo junto. Falando por mim, estou muito feliz de estar com os moleques no dia a dia. Na base era cada risada, cada história", relembra Nestor.

O camisa 25 conta que, lá atrás, o que o quarteto mais fazia era imaginar o momento em que seriam campeões no profissional. E isso aconteceu com todos juntos, com um "made in Cotia" fazendo o gol do título paulista de 2021.

"A gente sabia que seria campeão no profissional porque sempre fomos na base. Mas demorou para cair a ficha de que estava todo mundo junto. Ainda mais da forma que foi, com o Luan fazendo o gol na final. O Luan nem fazia gol e fez logo na final."

Marcello Zambrana/AGIF Marcello Zambrana/AGIF

Sem pressa para decidir o futuro

A solidificação da geração de Cotia anima os torcedores, os jogadores, mas dificilmente permanecerá unida por muito tempo. A grave crise financeira do São Paulo faz das jovens promessas candidatas a serem vendidas na próxima janela de transferências caso propostas cheguem

No início do ano, o São Paulo recusou ofertas por Gabriel Sara e pelo próprio Rodrigo Nestor. Para a janela de julho, o time do Morumbi tem a pressão para conseguir atingir os R$ 142 milhões em vendas de jogadores previstos no orçamento de 2022.

Nestor desconversa sobre o futuro e diz que não se sente pressionado com a possibilidade de sair em breve. "Vou me preparar se chegar a hora. Eu sinto que estou preparado para viver intensamente esse momento aqui no São Paulo. Se acharem que eu deva ser vendido, a gente só vai ficar sabendo disso se eu for".

Em abril do ano passado, o São Paulo renovou o contrato de Nestor até o fim de 2024. O novo vínculo dá tranquilidade ao time para esperar uma proposta vantajosa, diferentemente do que aconteceu com Marquinhos, que saiu por 3,5 milhões de euros (R$ 18,3 milhões) para que o clube não o perdesse de graça.

Vivendo o melhor momento da carreira, Nestor diz não ter pressa.

"Me diz um jogador que não quer ficar esse tempo que eu estou no São Paulo. Eu aprendi bastante, tenho muito a aprender ainda. Espero continuar, ganhar títulos, que é o meu maior sonho, e retribuir tudo o que esse clube fez por mim: me acolheu quando eu era criança e agora já sou um homem".

Mauro Horita/São Paulo FC Mauro Horita/São Paulo FC
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