Aprendemos

Brasil voltou a formar craques, bateu recorde de público nos estádios e dominou a Libertadores depois do 7 a 1

Igor Siqueira Do UOL, no Rio de Janeiro Flávio Florido/UOL

Müller, Klose, Kroos, Khedira e toda a seleção alemã deram uma aula ao futebol brasileiro há 10 anos. Além de memes e piadas, a surra em campo expôs os problemas da estrutura do futebol brasileiro. Do que se fazia em campo à forma com a qual técnicos eram preparados.

Mas, uma década depois, o cenário de terra arrasada foi superado.

O futebol que levou 7 a 1 em uma semifinal de Copa do Mundo, hoje, tem um candidato favorito a melhor mundo em Vini Jr., vive o melhor momento de sua história em número de torcedores nos estádios e há cinco anos não perde uma edição da Copa Libertadores.

Olhando o copo meio cheio, o UOL detalha o que realmente aprendemos desde aquele 8 de julho.

Flávio Florido/UOL
Carl Recine/Reuters

A geração é fraca?

Não há como negar que, no 7 a 1 e nas duas Copas seguintes, a seleção sofreu de Neymardependência. Mas enquanto o maior craque daquela geração tentava subir ao Olimpo ao lado de Messi e Cristiano Ronaldo, mas falhava, a fábrica de talentos verde-amarelos não parou.

Vini Jr tinha 14 anos no 7 a 1 e hoje, aos 24,é astro do Real Madrid e bicampeão da Champions League. Foi eleito o melhor jogador da última edição do torneio e é apontado como favorito aos prêmios de melhor do mundo na temporada. Se conseguir, será o primeiro brasileiro desde Kaká, em 2007, a fazer isso.

Além dele, Rodrygo mostra consistência no Real Madrid e Endrick está chegando. Os dois eram crianças (ou adolescentes) no dia desastre.

Sem contar talentos na defesa: Alisson e Ederson estão sempre entre os primeiros nas eleições de melhores goleiros do mundo e Gabriel Magalhães acaba de ser eleito um dos melhores zagueiros da Premier League —some a isso Marquinhos, outro que já figurou entre os maiores do planeta.

Apesar do 7 a 1, o futebol brasileiro seguiu como o principal exportador de jogadores do mundo, segundo números da Fifa. E a sensação é que eles saem cada vez mais cedo para a Europa. Mas isso mostra que o problema não está no nascimento de craques.

Mateo Villalba/Getty Images Mateo Villalba/Getty Images

Problema do Brasil não é formação. Os melhores times do mundo têm brasileiros, e principalmente atacantes. O problema do Brasil é transição. Treinador perde três jogos, é demitido, pressão no presidente. E aí querem colocar jogadores mais experientes. Por isso, vemos muitos jogadores jovens saindo daqui para ganhar fora essa experiência. Toda competição que um time brasileiro vai na Europa, normalmente chega à final e jogando bem. Meu sub-15 perdeu para o Barcelona numa final, mas ganhou de PSG, Ajax, Real Madrid, PSV. A formação sempre teve muitos jogadores. Talento, matéria-prima, o Brasil tem demais.

João Paulo Sampaio, gerente da base do Palmeiras

Thiago Ribeiro/Agif

Casas mais cheias

Um efeito direto da Copa do Mundo de 2014 que pode ser visto hoje no Campeonato Brasileiro é o recorde de público. Na edição 2023, a Série A bateu teve a maior média de torcedores de sua história. Em 368 jogos (12 foram com portões fechados), 26.502 pagantes estavam nas arquibancadas.

A melhor média até então era de 1983: 22.953 pagantes/jogo.

O primeiro fator que explica isso são os estádios. A Copa trouxe uma leva de novas arenas. Mesmo aqueles que não sediaram jogos do Mundial, como Arena do Grêmio e Allianz Parque, contam com uma ocupação maior em relação outros estádios.

O Maracanã é a casa do líder de público no país, o Flamengo. No Brasileirão passado, a média foi de 54.499 pagantes. No Morumbis (que não foi reformado para a Copa), o São Paulo cresceu e teve 43.780 pagantes/jogo. O Corinthians, mesmo em crise, fechou o top 3, com 38.433 de média.

Em 2014, a média de público do Brasileirão foi de 16.537.

CELSO PUPO/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

Os clubes ganham mais dinheiro

Com mais gente no estádio, maior a arrecadação dos clubes com ingressos. Mas além da bilheteria, outras receitas no futebol brasileiro cresceram. Em dez anos, a arrecadação dobrou.

Em 2023, foram R$ 11,1 bilhões de arrecadação bruta, considerando 31 dos 40 clubes das Séries A e B do Brasileirão. Isso representa um salto de 274% da receita total entre 2014 e 2023.

Nesse período, houve dois ciclos de contratos de direitos de transmissão dos jogos. Os valores da venda de transferência de jogadores também subiram.

Os clubes também estruturaram melhor seus programas de sócio-torcedor e aumentaram receitas de marketing. Basta olhar as cifras dos patrocínios atuais: as receitas comerciais atingiram R$ 1,5 bilhão em 2023 — e 50% disso estão concentrados em cinco clubes (Flamengo, Palmeiras, Corinthians, Grêmio e Internacional).

O Flamengo é o principal case de sucesso do dinheiro no futebol. Em 2014, estava em reestruturação financeira. Hoje, é o único a faturar mais de R$ 1 bilhão por ano.

Teve Profut — que reestruturou as dívidas dos clubes com a União —, Lei do Mandante, que mexeu nos direitos de TV, e, mais recentemente, a Lei da SAF, que trouxe injeção de capital naqueles que viraram empresa.

A ressalva em relação a essa onda de crescimento na indústria do futebol brasileiro é o gostinho de que ainda poderia ser melhor.

A gente não teve a evolução que era esperada para os 10 anos. Tanto é que nós continuamos como o único grande centro do futebol no qual não há centralização dos direitos de transmissão. Então, a gente não conseguiu esse avanço, a gente viu todos os grandes centros, e agora Portugal, inclusive, com uma lei exigindo a centralização, o que, de alguma maneira, afeta esse crescimento. Então, houve crescimento? Houve. Agora, a gente atingiu o nosso potencial dentro desse período? Não. Talvez a falta de centralização e a falta de regulação. Quando eu falo regulação, basicamente fair play financeiro. Com esses dois elementos, poderíamos dobrar o PIB do futebol.

Pedro Daniel, diretor executivo da área de esporte da EY.

Cesar Greco/Palmeiras

Domínio continental

Não tem para ninguém. No âmbito de clubes, os brasileiros passaram a dominar a principal competição do continente — a Libertadores — ao longo dos últimos dez anos.

Se o futebol brasileiro passou de 2014, 2015 e 2016 sem o troféu mais cobiçado do continente, o título do Grêmio em 2017 iniciou a consolidação atual.

Nas últimas cinco edições — todas no formato de final única —, cinco conquistas brasileiras.

O crescimento do Brasil também teve a ver com o aumento de vagas na competição, porque a Conmebol quis mirar mais o mercado brasileiro — o que gera mais dinheiro no continente.

O aumento das receitas, já citado por aqui, faz parte do ciclo de sucesso esportivo. Quanto mais se ganha, mais se arrecada. Quanto mais se arrecada, mais fortes os times ficam e mais se ganha.

Os campeões da Libertadores desde 2014

2014 - San Lorenzo (ARG)

2015 - River Plate (ARG)

2016 - Atlético Nacional (COL)

2017 - Grêmio (BRA)

2018 - River Plate (ARG)

2019 - Flamengo (BRA)

2020 - Palmeiras (BRA)

2021 - Palmeiras (BRA)

2022 - Flamengo (BRA)

2023 - Fluminense (BRA)

Thais Magalhães/CBF

Curso para os técnicos

Um legado direto da Copa 2014, motivado pelo questionamento sobre os técnicos, foi a estruturação da CBF Academy, o braço educacional da entidade.

A CBF usou parte da verba dos US$ 100 milhões que vieram no fundo de legado da Copa para estruturar a oferta de cursos, especialmente os de treinadores.

Ao mesmo tempo em que Luiz Felipe Scolari atraía as críticas e era o rosto de um olhar tratado como ultrapassado, os técnicos entenderam que era preciso estudar ainda mais. Cabia à CBF desenvolver uma metodologia na Academy.

Depois disso, veio o licenciamento de clubes, exigindo que os técnicos que trabalham na Série A tenham pelo menos a licença A.

O movimento encabeçado pelo Brasil ajudou a Conmebol a ampliar essa exigência aos demais países do continente e reduziu a distância para o acordo com a Uefa para que as licenças daqui sejam aceitas lá.

Para os técnicos, no entanto, os últimos 10 anos foram de movimentos migratórios e apostas em técnicos estrangeiros, sobretudo portugueses e argentinos.

A concorrência cresceu, vide o sucesso de Jorge Jesus no Flamengo e, de forma mais longeva, Abel Ferreira, no Palmeiras.

Daniel Marenco
Del Nero e Marin eram o rosto da CBF na época do 7 a 1

Novo perfil de dirigentes

A CBF viveu escândalos, mas ao mesmo tempo a indústria da bola ganhou mais ferramentas para punir os dirigentes por corrupção.

Foi um movimento internacional, é verdade, mas que trouxe reflexos para o âmbito nacional.

Menos de um ano depois da Copa 2014, veio o FifaGate — escândalo de corrupção que levou o ex-presidente da CBF, José Maria Marin, à prisão.

Posteriormente, vieram as implicações a Marco Polo Del Nero, seu sucessor, banido do futebol por 20 anos. Tanto Marin quanto Del Nero eram o rosto da CBF por ocasião do 7 a 1.

Passaram a fazer parte do vocabulário da bola itens como compliance, cláusulas anticorrupção, reforma estatutária e responsabilização de dirigentes. O Brasil não virou um paraíso, mas avançou nesse ponto.

Por outro lado, as federações ainda dominam as eleições da CBF, em uma estrutura rígida. Até por isso Ednaldo Rodrigues subiu ao poder.

Mas há quem veja nos clubes uma mudança no perfil dos dirigentes, com crescimento da profissionalização. nos clubes, de modo geral.

"A gente tem um perfil de dirigente hoje diferente do que a gente tinha em 2014. Obviamente, existe toda a paixão e ela vai continuar fazendo parte do negócio. Mas se a gente olhar na Série A, por exemplo, a gente tem investidores globais, como Red Bull e Grupo City, que ao se sentarem à mesa provocam outras situações", disse Pedro Daniel, da EY.

Depois da Copa de 2014, teve a de 2018, 2022 e vai ter a de 2026. Passamos uma borracha. Infelizmente não foi a Copa que esperávamos. Bola para frente. Perdemos em 1998 e ganhamos em 2002. Perdemos em 2006? Esse é o ciclo do futebol.

Cafu, ex-lateral-direito, campeão do mundo em 1994 e 2002

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