Fala, boleiro

Sem filtro, ex-jogadores brasileiros escancaram o que sentem sobre o futebol de hoje

Marcello de Vico e Vanderlei Lima Do UOL, em São Paulo Go Carvalho/UOL

Nós, torcedores, não cansamos de dar palpites e opiniões sobre futebol, não é? Qual o melhor time de todos os tempos, o que mais irrita nos jogadores, o melhor jogador, o mais catimbeiro, as torcidas mais chatas... Enfim, assuntos não faltam para continuarmos discutindo sobre o esporte mais apaixonante do mundo.

Mas o que os próprios personagens pensam sobre esses temas? O UOL Esporte foi atrás, e entrevistou 35 boleiros, sendo quase todos eles ex-jogadores - Abuda, ex-Corinthians, ainda não oficializou a aposentadoria, mas está no quase, enquanto Lincom, também ex-Corinthians, cumpre suspensão por doping e ainda pode voltar a jogar.

De Paulo Baier a Candinho, passando por Cocada e Marcos Assunção, a reportagem fez uma série de perguntas aos ex-boleiros, e obteve opiniões para lá de curiosas - para não dizer polêmicas, ou até hilárias. Dá uma conferida... A gente promete que você vai se divertir!

Arte/UOL
Jorge Araújo/Folhapress

O melhor time brasileiro de todos os tempos

O futebol brasileiro conta com esquadrões históricos que estão gravados na cabeça do torcedor. Mas qual deles é o melhor? A pergunta não é de fácil resposta, tanto é que boa parte dos entrevistados citou mais de um time. Entre os mais lembrados, ficaram o São Paulo, de 1992 e 1993, comandado por Telê Santana, com citações de 11 entrevistados; o Flamengo, do início da década de 80, liderado por Zico, com oito, e o Palmeiras, de Vanderlei Luxemburgo, tanto o de 1993/93 (seis vezes) como o de 1996.

Eu vejo dois times, de um pouquinho antes da minha geração, mas que a gente via jogar e era espetacular: Flamengo, Zico, Junior, Andrade, Adílio, Leandro, e o time do São Paulo, com Raí, Muller, Zetti, que foi campeão mundial. Os dois times são inesquecíveis".

Dill, ex-São Paulo, atacante foi um dos artilheiros do Brasileiro de 2000 pelo Goiás

Mesmo você não sendo são-paulino, você torcia praquele time do Telê, era gostoso de ver jogar. Encantou o mundo, e ganhando em cima de Milan e Barcelona, dois dos melhores times do mundo. E também o Palmeiras de 93/94, bi brasileiro; esse time também era muito bom".

Marcos Assunção, ex-volante do Santos e da Roma, especialista em cobranças de falta

Aí é jogo duro, hein? O Santos era brincadeira, fazia aquelas excursões para a Europa, era uma máquina! Pô, teve o Botafogo de Garrincha, Didi, Quarentinha, Zagalo, teve o Flamengo do Zico, então é difícil você falar qual foi... Teve o São Paulo do Telê também".

Candinho, ex-zagueiro e treinador

Se é o melhor de todos os tempos, tem que estar o Pelé, então o Pelé do Santos ou o Santos do Pelé".

Guilherme, atacante, ex-Corinthians e Atlético-MG

Eu senti na pele aquele time do Palmeiras, da Parmalat, que fez mais de 100 gols no Paulista de 96. Não tinha como parar este time".

Camanducaia

Time dos sonhos dos boleiros

Dos 35 jogadores entrevistados, 34 deles toparam montar a sua seleção dos sonhos, de 1 a 11. A briga foi acirrada, e por pouco o time não ficou no 4-4-2.

Rivaldo e Neymar disputaram até a última entrevista, mas o atacante do PSG levou a melhor e recebeu sete votos, contra seis de Rivaldo.

Nós separamos os jogadores mais votados por posição (goleiro, lateral direito, zagueiros, lateral esquerdo, volante, meias e atacantes) e montamos um campinho com eles, com a equipe no 4-3-3. São todos brasileiros, com exceção a um intruso na zaga... Mas ele merece, né?

Arte/UOL Arte/UOL
Flávio Florido/UOL

7x1 ainda está entalado na garganta

A seleção brasileira que foi goleada por 7 a 1 pela Alemanha, em pleno Mineirão, em 2014, é disparada o time que mais irritou os ex-boleiros em copas do mundo. Foram 12 dos 35 possíveis votos.

"Esta do 7 a 1 está marcada. Infelizmente é a que marcou pelo resultado e pelo desempenho dentro de campo, jogadores apáticos, de cabeça baixa... Resumindo, foi vergonhoso", sintetizou Chicão, ex-zagueiro do Corintians.

A derrota para a Argentina na Copa de 90 também ainda está fresca na memória dos ex-boleiros. Aquele time recebeu seis votos, entre eles o do ex-lateral direito Cocada. "Eles tinham um time pra chegar mais longe e conseguiram ser desclassificados pelo time da Argentina com o Maradona mancando".

O que tira os ex-boleiros do sério

O que mais te irrita nos jogadores de futebol atualmente? Certamente você tem uma (ou até mais) resposta na ponta da língua, certo? E não é só você. Os ex-atletas também têm uma opinião pronta sobre o assunto. Alguma ideia do que ganhou como resposta entre os ex-boleiros? Se você respondeu que é o "cai-cai", acertou!

Dentre os 35 entrevistados, sete deles citaram a encenação como resposta. Um deles foi Marcos Assunção, ex-Santos e Palmeiras: "Às vezes o cara nem relou no outro e ele está lá caído, como se tivesse tomado uma pancada. Pô, isso aí é muito feio para o jogador de futebol, é ridículo", disparou.

O exagero na tentativa de iludir o árbitro tem irritado ex-jogadores a ponto de alguns deles nem querer mais assistir futebol por causa disso. Não acredita? Olha só essa declaração do Carlinhos Bala, celebridade no futebol pernambucano. "O cara leva um encosto e já cai, fica ali no chão rolando de um lado para o outro. Pra falar a verdade, eu tenho deixado de assistir muito futebol por causa disso. Hoje você não pode tocar nos jogadores que eles caem", reclamou.

A coisa que irrita é deixar de dar a sequência pra cair, tentar cavar uma falta que de repente tu possa tentar o gol."

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Paulo Baier, um dos maiores artilheiros do Brasileirão na era dos pontos corridos, hoje técnico

Você não pode relar no jogador que ele começa a ter chilique. Não, cara, fica quieto, joga futebol."

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Vágner, ex-volante que desfilou com classe com as camisas de Santos, São Paulo, Vasco e também na Europa. Ele teve também sua fase de pedreiro

Eu tenho uma raiva desses caras que ficam caindo quando está ganhando o jogo! Mesmo quando jogava, eu evitava isso. Se um dia for treinador, vou passar isso para os meus jogadores. Não faz o cai-cai, nem que estiver faltando um minuto ou se a gente estiver ganhando. Joga o jogo limpo, com honestidade. Esse negócio de cai-cai não está com nada".

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Lincom, ex-Corinthians

Continua a mesma coisa de sempre, esse negócio de cair, de simular faltas. Às vezes tem a oportunidade de fazer o gol, mas quer cavar o pênalti, cair, induzir o árbitro. Às vezes ele [árbitro] não dá falta e você tinha a oportunidade de dar o passe para o seu companheiro fazer o gol. Eu vejo muito isso no futebol".

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Luiz Alberto, ex-Flu e Santos

"Dá logo uma sunga logo para ele! Para que isso?"

Alexandre Vidal / Flamengo Alexandre Vidal / Flamengo

A postura dos jogadores, em especial dos jovens, foi a segunda resposta mais citada entre os jogadores entrevistados —foram seis. Desde atletas que "ganham mais do que jogam" ao excesso de "mimimi" e de aparição nas redes sociais, por exemplo.

Flávio Kretzer, ex-goleiro do São Paulo, questionou os boleiros atuais: "Hoje jogador de futebol nem começou a jogar ainda, não está nem no profissional e já tem um monte de tatuagem, dois celulares e um monte de coisa aí. O que eles menos se preocupam é jogar futebol".

"Garotos ganhando milhões e às vezes o futebol não condiz com o que ganham. Então a gente torce pra que os atletas aí se doem mais", diz Camanducaia, ex-Santos. "Muita internet, muito mimimi, muita exposição. O jogador hoje não fala, não dá entrevista...", analisa Ewerthon.

Mas a resposta mais curiosa ficou a cargo de Tinho, ex-zagueiro do Vasco... Lembra dele? Se liga no que tira ele do sério:

São esses jogadores que jogam futebol com shorts parecendo uma sunga. Você não tem ideia de como isso me irrita! Esse tal de Rafinha, do Flamengo [na época], é o que mais me irrita. Quando ele estava lá no Bayern, não jogava desse jeito. É melhor dar uma sunga pra ele! Eu comentei isso com a minha esposa... Pô, ele bota o short lá em cima... Pra que isso? Isso me irrita profundamente no futebol de hoje".

A opinião de Candinho, ex-técnico e jogador, também não ficou muito atrás. "Ficar com a bola nesse tic-tac do Guardiola. O Guardiola pode fazer esse tic-tac lá com os maiores jogadores do mundo que eles contratam, mas aqui, com essas pernas duras, você acha que esses caras vão jogar igual ao Barcelona? E aqui a gente tem essa mania, louco, isso aí é horrível! Aí o Felipão, quando mandava o cara dar aquele chutão, muitos o criticavam... Os nossos zagueiros não têm essa qualidade de sair jogando que nem na Europa, não adianta", analisou.

Getty Images

E para segurar um Animal?

Quando o assunto é "o jogador mais difícil que enfrentou", a opinião variou bastante. Mas teve um em especial que apareceu nas respostas de quatro ex-boleiros: Edmundo. O hoje comentarista da Fox Sports infernizou as defesas adversárias e até hoje é lembrado pelos defensores que precisaram marcá-lo, como, por exemplo, o ex-lateral corintiano Kleber.

"O Edmundo foi um cara muito difícil mesmo, por mais que eu tenha pego ele já com uma certa idade. Mas o Animal era Animal, não tem jeito, ele era o cara. Toda vez que eu encontro com ele, falo que ele foi sensacional e que foi um prazer ter jogado contra", disse Kleber, que também citou Cristiano Ronaldo em sua resposta — eles se enfrentaram jogando pelas seleções.

Ex-Santos e Fluminense, Luiz Alberto foi outro a apontar o Animal como o jogador mais difícil que enfrentou na carreira: "Cara, o Edmundo era chato. Era aquele cara que você batia e não estava nem aí, queria mais. Ele trombava com você, ia pra dentro, tinha uma qualidade do c..., e se você desse mole, ele deitava mesmo".

Outro atacante que apareceu nas respostas dos ex-boleiros foi Romário (quatro vezes). Ex-Corinthians, o goleiro Rubinho recordou a preocupação que tinha nas partidas que enfrentou o Baixinho: "O jogador que eu mais me preocupei jogando contra foi o Romário. Lembro-me de jogar Fluminense e Corinthians, no Maracanã, umas duas vezes... Mesmo tendo uma certa idade, era um jogador que você tinha que estar sempre ligado, porque ele era um fenômeno e foi um fenômeno dentro do campo".

Jonílson e Paulo Baier citaram Neymar, enquanto Dudu Cearense e o ex-lateral Paulo César, o PC, destacaram a imprevisibilidade do lateral e meia Felipe, ex-Vasco. "Ele tinha um drible muito rápido, difícil de marcar", opinou o ex-volante.

Menções honrosas para: Muller, Robinho e Dener.

Jorge Araújo-7.nov.1993/Folhapress

Agora aguenta

Assim como na pergunta anterior, um atleta ficou isolado no topo da tabela quando o tema foi o jogador mais provocador que esses boleiros tiveram pela frente. Ele foi zagueiro dos bons, teve passagens de destaque por São Paulo, Flamengo e Palmeiras e foi titular em Copa do Mundo. Sabe de quem estamos falando? Junior Baiano.

Ele foi citado por quatro dos 35 ex-boleiros entrevistados pelo UOL Esporte, entre eles o ex-vascaíno Tinho: "O Junior Baiano provocava muito. Hoje ele é meu amigo, mas era um cara que irritava legal, falava que ia quebrar a perna, que ia dar um soco, que ia dar não sei o quê, coisas o futebol... Antigamente era de uma forma saudável, não que ele realmente queria fazer aquilo".

As respostas foram tão variadas que apenas mais um jogador foi citado mais de uma vez: o ex-palmeirense Valdivia, lembrado pelo gremista Galatto, ex-goleiro, e por Chicão, ex-Corinthians. "Eu acabei revidando com um tapa na cara, num lance que não tinha o VAR na época. Teve um lance imprudente que ele quis fazer graça, quis ser malandro, aí encostou a mão na minha cara e eu não aliviei, falei pra ele que no meu rosto nem meu pai e nem a minha mãe colocam a mão, muito menos ele. Ele era um dos caras que mais provocava neste sentido", recorda o antigo zagueiro de Tite.

E jogador que puxava o cabelo do outro, já viu isso aí? Segundo Carlinhos Bala, o ex-zagueiro Índio, que passou pelo Internacional, fazia dessas... "Na época eu tinha o cabelo grande e ele puxava meu cabelo e falava 'para de correr, meu irmão, você fica o tempo todo correndo' [risos].

Menções honrosas para: Lugano, Biro-Biro, Domingos e Índio.

VIDAL CAVALCANTE/AE

A torcida que ninguém aguenta

E deu Corinthians, de goleada, na pesquisa sobre a torcida mais chata de todas. Nove boleiros, até mesmo alguns que se consagraram jogando no Rio de Janeiro, como Cocada e Jonílson, citaram os adeptos alvinegros nas respostas. A torcida flamenguista ficou com a segunda posição, lembrada por quatro dos entrevistados.

"A gente não podia deixar o Corinthians gostar do jogo, porque a torcida ia junto. Então nós tentávamos fazer o resultado no começo do jogo, para não deixar a torcida crescer", recorda Lê, ex-atacante do São Paulo e da Lusa.

Na terceira colocação, uma surpresa, vinda de Curitiba. "A mais chata, a mais irritante, a que mais fica dentro da sua cabeça, é a do Athletico Paranaense", disse o ex-goleiro Hiran.

A do Corinthians, não tem igual, não. Aonde você vai, eles pegam no pé mesmo. E é tanto chata pra xingar como pra tirar sarro também".

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Osmar Cambalhota, ex-jogador do Palmeiras que até hoje é xodó da torcida (alviverde, claro) nas redes sociais e "toca a vida" num sítio

A do Flamengo é muito enjoada. Se vai jogar no próximo domingo, já na segunda-feira começa a perturbar. Lá no Rio de Janeiro, eu morava no primeiro andar de um prédio, e eles não me deixavam dormir direito. Ficavam fazendo bagunça e, quando o Flamengo perdia, iam pra porta do prédio e batiam tambor, ficavam gritando".

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Aldo, ex-lateral campeão brasileiro pelo Flu, que, aliás, foi conhecido como "Caçador de Urubus"

Albert Egon/Toledo EC

O que fazem os ex-boleiros

Também não faltaram curiosidades no papo com os boleiros. Por exemplo: Você tem alguma ideia do que os ex-jogadores costumam fazer depois que penduram as chuteiras? Continuam trabalhando? Vivem só do rendimento de imóveis? As respostas variam bastante, mas a grande maioria (25 dos 35 entrevistados) ainda segue, de alguma forma, ligada ao futebol.

Como caminho aparentemente natural, Paulo Baier (foto ao lado), Mancini e Guilherme Alves viraram técnicos. Outros podem não estar na beira dos gramados, mas ainda vivem o dia a dia do esporte. Marcos Assunção, ex-Palmeiras, se tornou executivo de futebol. O ex-flamenguista Bujica atua como coordenador de esporte e lazer da Fundação Garibaldi, no Acre, e o ex-atacante Carlinhos Bala trabalha com um projeto para oferecer escolinha de futebol a crianças carentes. Dudu Cearense virou 'homem de negócios' e atua como mentor financeiro de atletas, um trabalho para evitar que eles percam o dinheiro que conquistaram durante a carreira.

"Cara, hoje eu estou empresário, tenho os meus negócios, uma escola de mentalidade financeira e uma empresa de produtos digital, mas não sou coaching, não. Ser coaching é muito relativo. Coaching é motivacional, eu não sou motivacional, eu sou ativacional. Eu dou mentorias para atletas e pessoas normais. Da minha e experiencia como atleta. Eu transformo pessoas normais em atletas de alta performance na vida pessoal", explica.

alguns aproveitam a experiência obtida dentro dos gramados para tentar ensinar algo aos mais novos. É o caso de Galatto, ex-Grêmio, que está fazendo faculdade de educação física e sonha em ser treinador de goleiros.

Só curtindo a vida

E, é claro, tem também quem deixou o futebol de lado e hoje vive de renda para apenas curtir a vida. Não é mesmo, Osmar? "Depois que eu parei de jogar, me mudei para o meu sítio aqui em Marília [interior de São Paulo]. E sou eu quem fica aqui cuidando, mexendo com uma coisa e outra. Virei caseiro de sítio, mas do meu [risos]", brinca o ex-atacante do Palmeiras.

Administrar o dinheiro, aliás, é algo que a maioria tem de lidar depois de parar de jogar. Mas como fazer isso? "Ganhando e gastando [risos]", brinca Flavinho, ex-lateral do Santos e que atua como empresário, jornalista e ainda é técnico de uma escolinha de futebol na Baixada Santista.

Às vezes, porém, o controle do dinheiro vem só depois de passar muito sufoco. "Te confesso que fiz muita merda, gastei muito dinheiro, mas hoje preciso trabalhar, preciso continuar trabalhando. Tem que ter os pés no chão. Não posso reclamar das oportunidades que tive e daquilo que tenho. Ficar só pensando no que gastou, nas merdas que fez e não correr atrás, a coisa fica pior", alerta Bujica.

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