Uzbequistão demais!

País asiático ocupa espaço do Brasil em um dos maiores movimentos no quadro de medalhas. Mas tem mais história

Demétrio Vecchioli Do UOL, em Paris Gaspar Nóbrega/COB

Fim de papo em Paris. O que o quadro de medalhas nos diz?

A queda no desempenho do Brasil no número de medalhas de ouro foi, junto com o crescimento do Uzbequistão, as principais alterações no quadro de medalhas dos Jogos Olímpicos de Paris na comparação com a edição de Tóquio, há três anos.

Para o Brasil, a expectativa era de repetir ou ampliar o número de medalhas de ouro conquistadas tanto na Rio-2016 quanto em Tóquio-2020, sete, e brigar pouco abaixo do décimo lugar. No Japão, o país foi 12º, empatado em ouros com Nova Zelândia, Canadá e Cuba, e logo à frente de Hungria e Coreia do Sul.

Mas para além do movimento do Brasil e a já tradicional briga entre Estados Unidos e China pelo topo, o próprio Japão teve uma queda expressiva no número de conquistas, mas manteve o terceiro lugar.

No geral, os japoneses não repetiram o desempenho alcançado nas Olimpíadas em casa, mas deram um salto significativo na comparação com o resultado antes de ser anfitrião. Passou de 12 medalhas de ouro no Rio (e, antes, sete em Londres) para 20 agora.

A França, fazendo o caminho contrário diante da torcida, melhorou bastante mas não passou da quinta colocação — mesmo com Léon Marchand brilhando na natação. Houve movimentos relevantes ainda de Coreia do Sul, Nova Zelândia e Cuba.

Por trás dos números frios da matemática olímpica, há histórias que ajudam a entender esse e outros movimentos.

Gaspar Nóbrega/COB
Stephen McCarthy/Sportsfile via Getty Images

Uzbeques tão com mão pesada

Bakhodir Jalolov é um grandão de 2,01m de altura, que foi bicampeão olímpico na categoria superpesado (acima de 92kg) do boxe.

Mas, ao contrário do que aconteceu em Tóquio 2020, ele não está mais sozinho na lista de boxeadores do país que chegaram ao lugar mais alto do pódio. Em Paris 2024, foram cinco, em sete ouros possíveis nas categorias masculinas. O brasileiro Keno Marley, por exemplo, foi eliminado por Lazizbek Mullojonov nas quartas de final (até 92 kg).

E isso explica muito como o Uzbequistão somou oito ouros e disparou no quadro de medalhas dos Jogos Olímpicos deste ano — ficando na 13ª posição.

"Isso é história para o Uzbequistão. Estou emocionado porque se tornar campeão olímpico duas vezes era meu sonho. Agora, eu me sinto muito feliz e vou continuar com a minha carreira como boxeador profissional", disse Jalalov, já antecipando que, em Los Angeles, ao menos para ele, não haverá repeteco.

Mas no presente, os uzbeques estão demais. E mais: todos os ouros conquistados em Paris vieram em modalidades de combate (judô, wrestling e taekwondo, além do boxe).

O outro esporte que também rendeu medalha foi levantamento de peso, o que também traz o ar de brutalidade para a delegação uzbeque, que destronou Cuba na dominância no boxe.

Dylan Martinez/REUTERS Dylan Martinez/REUTERS

Quem puxa o carro nos grandões

Estados Unidos e China terminaram os Jogos empatados em número de ouros. Os atletas dos dois países foram ao primeiro lugar do pódio 40 vezes, cada um.

Eles ganham tudo? Não é bem assim. Mesmo nos gigantes olímpicos, dá para apontar onde há domínio em termos de números.

Os Estados Unidos ganharam 14 ouros no atletismo - o mais importante foi o de Noah Lyles, nos 100m masculino. E olha que ele não conseguiu ganhar nos 200m porque estava com covid.

Oito ouros vieram da natação. Katie Ledecky, lenda das piscinas, ganhou dois individualmente E se não fosse Rebeca Andrade superando Simone Biles no solo, seriam mais do que três ouros para a ginástica artística.

Além disso, os EUA fizeram a dobradinha do basquete: ouro no masculino e no feminino.

E a China? Oito ouros vieram dos saltos ornamentais.

No tênis de mesa, ganhou os cinco ouros possíveis — e ainda fez uma prata no feminino, de "brinde". Teve 100% de aproveitamento também no nado artístico, tanto por equipes quanto no dueto formado pelas gêmeas Wang. E, claro, não dá para desprezar os cinco ouros no levantamento de peso.

Kim Kyung-Hoon/Reuters Kim Kyung-Hoon/Reuters

Choro japonês no judô abre espaço para domínio nas lutas

O choro com urros de desespero dados por Uta Abe marcou logo nos primeiros dias de competição e foi o retrato do judô japonês nos Jogos Olímpicos de Paris.

Ela foi derrotada ainda na segunda luta (oitavas de final) e ficou sem chance de medalha, mesmo sendo a atual campeã olímpica e mundial na categoria até 52 kg. E ficou devastada.

O Japão deu, sim, trabalho nestes Jogos Olímpicos. Os brasileiros que o digam. Terminou em terceiro no quadro de medalhas. Ao todo, foram sete ouros a menos. Só que na modalidade que inventaram, perderam o amplo domínio.

No judô, a delegação japonesa veio de uma campanha em Tóquio 2020 na qual ganharam nove medalhas de ouro (com mais duas de prata e uma de bronze). Mas os japoneses deixaram Paris 2024 com apenas três presenças no lugar mais alto do pódio da modalidade que inventaram.

Por mais que o outro representante da família Abe (Hifumi Abe), tenha sido campeão olímpico de novo, e o Japão tenha ainda ficado no topo do quadro individual do judô, as medalhas se espalharam por mais países.

Inclusive, a França ganhou, ao todo, mais medalhas que o Japão (oito). Só que ficou com um ouro a menos (dois).

Em outro tatame, quem fez o caminho inverso para os japoneses foi o wrestling.

A modalidade foi responsável por oito ouros para os japoneses (uma prata e dois bronzes). Em Tóquio, o Japão já tinha liderado o quadro individual da modalidade, com cinco ouros, uma prata e um bronze. Mas agora, o domínio ficou ainda mais tranquilo.

Ah, e sabem qual o país de nascimento da judoca que venceu Uta Abe? Pois, é. Uzbequistão.

Cameron Spencer/Getty Images Cameron Spencer/Getty Images

Cadê Cuba? No pódio dos outros

Jordan Díaz, Pedro Pichardo e Andy Díaz foram ouro, prata e bronze em uma prova só: o salto triplo. A glória que poderia ser para Cuba, país de nascimento dos três, ficou dividida entre Espanha, Portugal e Itália — países que receberam os desertores.

O movimento de fuga de Cuba não é novo. Afeta não só o esporte. No vôlei, Leal joga pelo Brasil. León é uma das referências do time polonês que ficou com a prata. E a seleção cubana não se classificou pela segunda edição consecutiva.

Os efeitos da deserção ficam cada vez mais explícitos a cada edição dos Jogos. O quadro de medalhas "grita" isso: Cuba só ganhou dois ouros em Paris. Um no boxe e outro no Wrestling.

Nos ringues, esse ouro de Erislandy Alvarez e o bronze de Arlen Lopez foram um espasmo perto do que o boxe cubano já foi anteriormente. Em Tóquio mesmo, foram quatro ouros e um bronze.

A participação no Wrestling foi mais significativa. Mas teve ar de despedida com uma das imagens mais marcantes de Paris 2024.

Mijaín López, enfim, parou. Mas não sem antes conquistar o quinto ouro, em cinco Olimpíadas consecutivas na mesma prova. Um recorde.

Compatriotas dele somaram uma prata e três bronzes na modalidade. Quando se juntam aos dois bronzes, que vieram da canoagem e do taekwondo, não levaram Cuba a mais do que um modesto 32º lugar no quadro de medalhas. Em Tóquio, o país ficou em 14º.

Divulgação/World Archery Divulgação/World Archery

K-Pop, Dorama e Olimpíadas

A dominação cultural da Coreia do Sul já aconteceu. K-Pop e Dorama? Quem sabe um dia. Mas no tiro com arco, isso é uma certeza.

O brasileiro Marcos Vinícius D'Almeida chegou a Paris como líder do ranking no masculino. Mas ao cruzar com o sul-coreano Kin Woo-Jin, ficou pelo caminho e viu o adversário chegar à medalha de ouro

Os outros representantes da Coreia do Sul não fizeram menos. O país ficou com todos os ouros possíveis no tiro com arco em Paris. Foram cinco: individual (feminino e masculino), equipes (masculino e feminino) e equipes mistas.

Como são três arqueiros e três arqueiras, ainda deu para beliscar a prata no individual feminino e o bronze no individual masculino.

Em Paris, a Coreia do Sul faturou 13 ouros, ao todo, isso significa que aproximadamente de uma a cada três medalhas douradas veio do tiro com arco.

Quem mais chegou perto disso foi outro tipo de tiro, o esportivo: três ouros (e três pratas).

A delegação sul-coreana, que chegou a flertar com o topo do quadro de medalhas no início dos Jogos, terminou em oitavo - a mesma colocação na Rio 2016.
Nada mal para quem ficou em 16º em Tóquio 2020.

Sarah Meyssonnier/REUTERS Sarah Meyssonnier/REUTERS

O que mais chamou atenção

Outro país que deu um salto grande foi a Nova Zelândia, saindo de sete para 10 medalhas de ouro e beirando o 'G10'. Terminou na 11ª colocação e consagrou Lisa Carrington, da canoagem velocidade, como uma das maiores de todos os tempos. Em Paris, ela ganhou três ouros e ampliou sua coleção para oito.

Entre os sul-americanos, o grande fracasso foi a Venezuela, que não pôde contar com a saltadora Yulimar Rojas, melhor do mundo, machucada, e não ganhou nenhuma medalha. Em Tóquio, foram quatro.

Um pouco mais para baixo, a Ucrânia, diretamente envolvida com a ausência da Rússia, perdeu medalhas (de 19 para 12), mas subiu no quadro, ganhando três de ouro.

O Equador passou de três a cinco, mesma conta da Argentina, que desta vez teve um ouro, no BMX. A Colômbia foi no caminho contrário: passou de cinco medalhas a quatro.

Agora, é acompanhar o ciclo até Los Angeles 2028.

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