Esperando pelas asas

Por que o Red Bull Bragantino não decolou em sua primeira temporada na elite do futebol brasileiro

Arthur Sandes e Jeremias Wernek Do UOL, em São Paulo e em Porto Alegre Divulgação/RB Bragantino

Expectativas altas demais

Desde que o Bragantino virou Red Bull, tudo no clube aconteceu em ritmo acelerado: acesso à elite com título da Série B, atuação incisiva no mercado da bola e um começo de 2020 muito elogiado durante o Estadual. Neste semestre, porém, alguma coisa saiu dos trilhos. Apesar da vitória sobre o Botafogo, ontem (16), o time luta contra o rebaixamento após 21 rodadas do Brasileirão e já está fora da Copa do Brasil.

É verdade que o clube sempre foi cauteloso ao tratar do debute na Série A, e o elenco em si evitou fazer coro à expectativa geral, mas, desde o ano passado, os sinais sugeriam um Red Bull Bragantino forte, tão protagonista em campo quanto havia sido na janela de transferências — na qual gastou cerca de 20 milhões de euros. Esta promessa, até agora, não se concretizou.

As dificuldades não se resumem ao campo. O modelo de gestão baseado no futebol europeu acabou contaminado com algumas "brasileirices". A maior delas, as mudanças de comando: quatro técnicos já passaram pela equipe nesta temporada, dois deles interinos. E três dirigentes saíram no meio da pandemia de covid-19 — um deles, Ralf Rangnick, era o elo entre o Bragantino e a empresa austríaca.

Em perigo, o time precisa corrigir vários erros neste segundo turno. A intenção é subir o aproveitamento como visitante e pontuar mais nos jogos diretos contra a degola. "[A permanência] é o nosso objetivo", admite o técnico Maurício Barbieri.

Divulgação/RB Bragantino
Miguel Schincariol/Getty Images

Depois de Zago, muitas mudanças

O Bragantino foi pego de surpresa pela saída de Antônio Carlos Zago, em dezembro, e em seguida teve dificuldade para definir um substituto. O técnico considerado ideal era o português Carlos Carvalhal, mas o negócio não deu certo. Quem assumiu o time foi Felipe Conceição, já com o Campeonato Paulista em andamento.

O time fez três jogos com o interino Vinícius Munhoz antes de Conceição chegar, já no começo de fevereiro, mas o começo atribulado não foi problema. É verdade que o Red Bull teve de novo a melhor campanha da primeira fase do Estadual, mas foi eliminado nas quartas de final — igualzinho a 2019.

No Brasileirão, Felipe Conceição durou seis rodadas. Foi demitido no final de agosto, após um 3 a 0 sofrido para o Fortaleza que manteve o Bragantino na zona de rebaixamento. Quem assumiu foi o auxiliar Marcinho, três semanas após ser contratado. Maurício Barbieri (foto), o atual treinador, estreou na oitava rodada e até agora tem 35,4% de aproveitamento.

Jan Woitas/picture alliance via Getty Images

Debandada de diretores

O Bragantino perdeu uma referência importante em meio à pandemia de covid-19. Em julho, pouco depois do retorno do futebol no Brasil, o alemão Ralf Rangnick (foto) pediu demissão da Red Bull. Ele era uma espécie de supervisor do time brasileiro, um elo com a empresa austríaca e peça-chave na hierarquia da marca.

Junto com Rangnick saíram outros dois diretores (Laurence Stewart e Paul Mitchell), que agora estão no Monaco (FRA). O técnico Felipe Conceição chegou a dizer que a reformulação o fez "perder força e respaldo" no Bragantino, o que teria resultado em sua demissão. O clube nega esta versão.

Rangnick foi um dos responsáveis por desenvolver os modelos de jogo e de gestão dos times da Red Bull. Em 2019, ele havia subido na hierarquia da empresa, deixando a direção esportiva do Leipzig para ser chefe de desenvolvimento do New York RB e do Bragantino — até o desligamento.

Poder dividido é inédito

As baixas e decisões não muito europeias da diretoria do Red Bull têm origem justamente na chegada da empresa a Bragança Paulista. Fazer uma gestão dividida com um clube brasileiro nunca esteva nos planos austríacos —tanto que eles começaram a sua aventura no futebol brasileiro criando um clube do zero, na cidade de Jarinu, próxima à Bragança Paulista. Desde 2007, aquele clube disputou a Série D apenas duas vezes, sem sucesso.

Por isso, a parceria com o Bragantino, campeão paulista de 1990 e vice-campeão brasileiro de 1991. Em Bragança, porém, a Red Bull teve de aceitar um cenário que não se repete em nenhum outro clube que controla: a mesa em que as decisões do futebol são tomadas conta com representantes do Bragantino e o poder está dividido entre empresa e dirigentes locais. Segundo apurou o UOL Esporte, este é um dos motivos apontados interna e externamente para as turbulências vividas ao longo de 2020. A visão mais empresarial dos europeus encontrou resistência nas reuniões e desencadeou conflitos na hora da tomada de decisão.

Na Áustria (Red Bull Salzburg) e Alemanha (RB Leipzig), a investidora tem amplo domínio sobre as principais ações do clube e controla todas as decisões. O mesmo acontece com a franquia que joga a MLS (Major League Soccer) —New York Red Bulls. Para personagens do mercado da bola brasileiro, a convivência entre as duas diretorias é que tem impactado no projeto do Red Bull Bragantino —que começou bem, com o título da Série B do ano passado, mas não encontrou asas até agora na Série A.

Divulgação/RB Bragantino Divulgação/RB Bragantino
Bruna Prado/Getty Images

O que está dando errado em campo

O Red Bull Bragantino tem a sexta pior defesa deste Brasileirão (28 gols sofridos) e só não tomou gol em três das 21 rodadas disputadas até aqui. O time consegue ser competitivo e equilibrar jogos pela maior parte dos 90 minutos, mas frequentemente perde ritmo e passa a sofrer pressão até tomar o gol. Erros e desatenção se repetem na defesa, o que custa pontos e parece machucar a confiança dos jogadores do setor.

Os problemas explicam porque o Bragantino só venceu fora de casa pela primeira vez ontem (16), contra o Botafogo. O técnico Barbieri vê "evolução" da defesa e aponta como principal problema a armação de jogadas. "Precisamos criar mais e [criar] oportunidades melhores, temos condições para isso", afirmou após o empate contra o Santos, no domingo passado (8).

Atualmente, a equipe vive sequência na qual sofreu muito no primeiro turno: teve uma vitória só naquelas dez primeiras rodadas de Série A. Dos times que hoje aparecem na zona de rebaixamento, o Bragantino só venceu o Goiás (empatou com Athletico, Botafogo e Vasco).

Ambição precisou ser adaptada em 2020

O título da Série B e principalmente o protagonismo na janela de transferências fez crescer a expectativa pelo Bragantino no Brasileirão, ainda mais porque o clube em si tem como filosofia mirar alto em seus objetivos. Ainda em janeiro, quando o UOL Esporte acompanhou a pré-temporada da equipe, o goleiro Julio Cesar admitiu que o tamanho do investimento em reforços atraía a atenção de todo o mundo.

"Não é pecado nenhum trabalhar sempre querendo ser campeão e temos que seguir a ambição da empresa, mas também temos a humildade de admitir que há outros times tão preparados quanto a gente. [A Red Bull] nos dá as mesmas condições que um clube grande, por que não entregar os resultados que os clubes grandes entregam? Temos o desafio de ter a ambição, mas ao mesmo tempo segurar a euforia", disse Julio Cesar na ocasião.

Em julho, na retomada da temporada em meio à pandemia de covid-19, o atacante Ytalo admitiu que, no Brasileirão, "pelo investimento, todo o mundo acha que vamos chegar muito fortes". De fato, a expectativa era essa, mas as ambições do Bragantino precisaram se adaptar no decorrer do torneio.

"A gente trabalha para que a expectativa de fora não afeta a gente", diz o capitão Léo Ortiz. "A expectativa de todo time que sobe é permanecer, e a partir do momento que conseguirmos os 45 pontos, podemos buscar coisas maiores. Mas o objetivo principal tem que ser esse: se manter, consolidar o projeto e depois buscar coisas maiores para o clube", afirma.

Divulgação/RB Bragantino

A opinião dos blogueiros

A aposta do Red Bull Bragantino era ter uma gestão diferente do que nos acostumamos a ver no Brasil, mas isso não se provou na prática. Mesmo com muito investimento, o time trocou de treinador mais de uma vez no ano e chegou até a ter problema de relacionamento entre o elenco e o então técnico Felipe Conceição. A campanha ruim também prejudica outro plano da empresa, que é deslocar para outras filiais os talentos do Bragantino que ainda tenham idade para revenda.

Danilo Lavieri

O projeto Red Bull é um fracasso. A empresa não conseguiu chegar à Série A por méritos próprios, apesar de boa estrutura, então resolveu pegar um atalho e se juntou ao Bragantino. Pagar este pedágio é prova de que o projeto original fracassou. Na Série A, o grande erro foi o planejamento do elenco. A preferência foi toda por jogadores jovens, de futuro, mas sem "casca"; não é um elenco feito para ganhar alguma coisa, mas para servir de chocadeira e revender.

Menon

A impressão é que a saída abrupta de Antônio Carlos Zago desmantelou todo o projeto construído em cima de um pilar: jovens jogadores talentosos. Os técnicos seguintes pareciam perdidos em meio a um plano que não está claro: o que a Red Bull almeja ao priorizar talentos precoces? Municiar seus times ao redor do mundo? Recuperar investimento? A Red Bull chegou à elite se associando ao Bragantino, e agora parece não saber o que fazer com isso.

Marcel Rizzo

A questão principal desse time do Bragantino é uma falta compromisso com a zona de rebaixamento: o grupo de jogadores nunca esteve com a faca no pescoço, e jogar contra o rebaixamento no Brasileiro é faca no pescoço. Ou você não sai de lá. É um time muito técnico, os jogadores têm perspectivas de crescimento, e o Brasileiro é quase um momento de exibição, mais do que de competição.

Arnaldo Ribeiro

O Red Bull Bragantino é uma das grandes decepções do Brasileirão. Pelo investimento feito, esperava ver o time brigando entre o sexto e o oitavo lugar. O discurso dos executivos da empresa sugeria algo melhor do que tentar recuperar o time demitindo treinador, como aconteceu com Felipe Conceição. No lugar de uma revolução, estamos vendo mais do mesmo. Pelo menos até aqui.

Ricardo Perrone

O Brasileirão é um campeonato complexo e bem equilibrado, muitos times lutam para não cair. Parece que o Red Bull Bragantino imaginou que a boa estrutura e a folha salarial em dia seriam suficientes para fazer uma boa campanha. Mas é preciso mais do que isso. O elenco é até interessante, mas possivelmente inadequado para a Série A -- os goleiros, por exemplo, são de Série B.

Eduardo Tironi

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