Xeque-mate

Bruno Andrade Colunista do UOL, em Doha (Qatar) KARIM JAAFAR/AFP
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Os bastidores da última Copa de Cristiano Ronaldo

Peças distribuídas em cima da mesa desde 2006. Comer um peão aqui, um cavalo ali. Avanços de casas. Parar. Pensar. Olhar no relógio. Um xeque ou outro. Faltava, mesmo, o xeque-mate. Cristiano Ronaldo teve cinco oportunidades, mas deixou escapar em 2022 a última chance de ser o vencedor.

O maior jogador da história de Portugal não será campeão do mundo em campo. A jogada final, agora, pode ser dada por seu histórico rival, Lionel Messi. Com ambos em sua última Copa, Portugal parou nas quartas de final. A Argentina segue viva, na semifinal, contra a Croácia, com jogo marcado para terça-feira, às 16h.

Aos 37 anos, recheado de polêmicas e contestações, Ronaldo sonhava com um destino melhor no Qatar.

"Xeque-mate vamos fazendo na vida, não só no xadrez, e eu faço muitas vezes. Não sei ser direto quanto a isso, mas gostaria de ser eu a fazer o xeque-mate contra ele [Messi] aqui. Seria bonito acontecer, já aconteceu num jogo de xadrez, então no futebol seria ainda mais", brincou Ronaldo, em pergunta feita pelo UOL, poucos dias antes de a bola rolar na Copa.

O percurso de apenas cinco jogos foi dramático. Aqui, você pode conhecer os bastidores da última Copa de CR7.

Reprodução/Twitter/ManUtd

O adeus que ele não projetou

As lágrimas que surpreenderam o Qatar atingiram em cheio a alma de Portugal. Bateram forte e profundamente nos corações de milhões de portugueses. Uma simbiose em cinco edições de Copas do Mundo, que ultrapassou fronteiras por mais de 20 anos e colocou de vez o país no mapa das referências do futebol.

Chorou e fez chorar no hino nacional logo na complicada estreia, contra Gana, e terminou com a fatídica eliminação nas quartas de final, diante do Marrocos. Um sentimento agridoce. Uma mistura de alívio, angústia, amor e tristeza.

Não foi nem de perto o adeus que o capitão projetou. Mas será que uma temporada que começou do jeito como essa de CR7 poderia terminar bem?

Primeiro, sofreu com problemas pessoais: a morte de um dos filhos gêmeos durante o parto atrasou sua apresentação ao Manchester United. Na Inglaterra, brigou nos bastidores, virou reserva de seu clube e decidiu não mais ficar por lá. Começou a preparação para a Copa em litígio, brigando com o United para encerrar seu contrato.

Quando a Copa começou, era um jogador livre. Esse peso ele não carregou em campo. Mas a energia que gastou com todos esses problemas fez falta. O corpo não conseguiu acompanhar a cabeça em gramados qataris.

Aos 37 anos, o craque esteve longe daquele auge técnico e físico, quando ganhou tudo o que tinha para conquistar, por clubes e individualmente. Balançou a rede em apenas uma oportunidade. Muito pouco para quem sempre teve uma média invejável de gols. Para piorar, conheceu, também na seleção, o sabor amargo da reserva.

ALBERTO PIZZOLI/AFP ALBERTO PIZZOLI/AFP

"Não perguntem sempre pelo Cristiano"

Cristiano Ronaldo desembarcou no Qatar como persona non grata no Manchester United. Ainda em Portugal, onde treinava com a seleção, viu publicada a bombástica entrevista ao famoso jornalista britânico Piers Morgan, em que revelou que não respeitava o treinador holandês Erik ten Hag e se sentia traído pelos dirigentes do clube.

Tentou blindar o grupo comandando pelo amigo e "pai" Fernando Santos das polêmicas e conseguiu, por mútuo acordo com os Red Devils, terminar seu contrato. Era o que precisava para começar o torneio sem qualquer preocupação externa, mas de pouco adiantou. O drama de Manchester esteve dentro da seleção portuguesa e ele próprio chegou a pedir aos jornalistas para falarem de outras coisas:

"Não perguntem sempre pelo Cristiano, não falem de mim. O caso do Cristiano está encerrado. Falem com os jogadores sobre a Copa do Mundo, sobre a nossa seleção", disse o camisa 7, depois de vários companheiros serem pressionados diariamente pela imprensa.

Obviamente, não foi o suficiente. O presente e futuro do maior jogador português de todos os tempos não passou ao lado da equipe. Toda e qualquer entrevista teve Ronaldo como tema principal. Um assunto que também não foi ignorado pelo próprio mercado da bola. Viu a suposta contratação pelo Al Nassr, da Arábia Saudita, numa transação multimilionária, ser dada como garantida por diversos veículos de comunicação. Precisou vir (novamente) a público para negar.

Pablo PORCIUNCULA / AFP
A cabeça do gol contra o Uruguai que não tocou em sua cabeça

"Pressa do c... para me tirar"

Parecia que Cristiano Ronaldo entraria com tudo para brilhar em sua última Copa. Estava sedento por sucesso e, não menos importante, queria calar a boca dos críticos. Da Inglaterra. De Portugal. De todos os cantos.

De pênalti, fez o gol que abriu a vitória de Portugal na estreia, diante de Gana, num jogo que acabou por ser sofrido até o último lance, quando o adversário aproveitou uma falha infantil de Diogo Costa e por muito pouco não conseguiu o empate em 3 a 3. Um arranque complicado, mas com pé direito. Alívio puro.

No duelo seguinte, com o Uruguai, viu um show de Bruno Fernandes, com quem tem uma relação de altos e baixos. Foi um mero coadjuvante de luxo no triunfo por 2 a 0. Ainda tentou que a Fifa lhe desse o segundo gol de Portugal. Acreditava fielmente que havia tocado na bola com a cabeça (ou cabelo) no cruzamento do companheiro. Fez pressão interna, com apoio da Federação Portuguesa de Futebol (FPF). O apelo foi em vão. Não rolou.

Mesmo com os portugueses já classificados às oitavas de final, pediu para jogar e ser titular contra a Coreia do Sul. Queria aproveitar toda e qualquer chance de atingir mais um recorde pessoal: igualar o compatriota Eusébio, com nove gols, e dividir o posto de maior goleador do país em Copas. Fez então parte de um time misto que perdeu de virada por 2 a 1.

Foi o pior jogador em campo diante dos sul-coreanos, ao ponto de ser substituído aos 20 minutos do segundo tempo. Não gostou nada da decisão de sair e desabafou na direção do banco de reservas. "Está com uma pressa do c? para me tirar", disse, sendo abraçado na sequência por Pepe, com quem divide o vestiário da seleção desde 2007.

Ao término da partida, disse que as fortes palavras foram para um jogador da Coreia do Sul, por causa de uma discussão dentro de campo. Inicialmente, Fernando Santos também alinhou na história. A versão, no entanto, acabou por ser alterada três dias depois, antes de enfrentar a Suíça.

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A hora de Ronaldo virar reserva

A titularidade de Cristiano Ronaldo já era contestada pela opinião púbica e por boa parte da imprensa ainda antes de a bola rolar na Copa no Qatar. Demorou, mas aconteceu. Curiosamente, foi decidida por Fernando Santos na véspera do confronto das oitavas de final, quando admitiu publicamente que viu as imagens do desabafo do craque no jogo contra a Coreia do Sul.

"Não gostei do que vi. Não gostei mesmo nada do que vi", reforçou o treinador, que assumiu a seleção portuguesa em 2014, já com Ronaldo no papel de maior estrela.

No dia seguinte, a grande bomba: o líder e capitão da equipe seria reserva diante da Suíça. Acima de tudo por questões técnicos e táticas, Portugal resolveu entrar em campo no ataque com Gonçalo Ramos, sensação do Benfica na temporada e dono de uma multa rescisória de 120 milhões de euros (R$ 664 milhões).

O jovem promissor deu conta do recado. Marcou um hat-trick e fez o time jogar como não tinha jogado na competição. Deu mais liberdade para Otávio, Bernardo Silva e, especialmente, João Félix. O processo funcionou na perfeição. O triunfo foi esmagador: 6 a 1.

Do banco de reservas, Ronaldo, que veio a entrar na segunda parte, comemorou todos os gols. Vibrou com o resultado, aplaudiu os torcedores e foi bastante elogiado por Fernando Santos. "Um exemplo de capitão", destacou.

Porém, não tardou a ter a liderança colocada em xeque. Depois da goleada, houve quem publicasse que o veterano atacante ameaçou abandonar a seleção, quando soube que seria reserva. Fernando Santos prontamente explicou em detalhes a reunião que teve com o "filho".

"A minha conversa com ele precisava acontecer. Foi perfeitamente normal e tranquila. Disse que ele não seria titular, mas que seria importante durante o jogo, a entrada dele poderia mudar a partida. Ficou satisfeito? Não, como é óbvio. Sempre jogou, então é normal a insatisfação. Ele não aceitou de forma simples, mas foi uma conversa normal", explicou. "Nunca, em momento algum, o Cristiano disse que queria sair da seleção. Nunca. E mais: acho que é tempo de pararmos com algumas coisas. É um pouco moda só apontar o dedo ao Cristiano Ronaldo. Deixem o Ronaldo em paz, ele não merece isto por tudo aquilo que já fez pelo futebol português", completou.

KARIM JAAFAR/AFP
Georgina Rodríguez durante jogo contra Marrocos

Família acusa o mundo de perseguir Ronaldo

Um novo ponto foi, também, o envolvimento da família de Cristiano Ronaldo na discussão. Os Aveiros e Georgina Rodríguez, a namorada de CR7, criariam uma linha de defesa que agia com unhas e dentes. Especialmente as irmãs, Kátia e Elma Aveiro.

Nas redes sociais, a dupla não poupou críticas aos "perseguidores" do irmão. Logo que o craque português perdeu espaço na equipe titular, as publicações no Instagram passaram a ser uma mistura de apoio, carinho e, sobretudo, revolta.

"Sim, Ronaldo não é eterno. Sim, Ronaldo não vai jogar sempre. Infelizmente, agora já não faz gols, está velho, Portugal não precisa de Ronaldo. É a conversa que ouvimos. Tudo o que fez para trás não importa, tudo o que fez foi esquecido. Agora dizem que não precisam dele. Vou registrar isso e mais tarde falamos", escreveu Elma, a mais velha, de 48 anos.

"Tenho pena de gente que vive de queixo em pé apontando o dedo como se eles tivessem construído mais do que você. Tem gente que é assim: fraca e inverdadeira (nem sei se existe esta palavra). Mas também não estou nada preocupada com isso. Tem gente que vive na sombra, que vive de fachada, que vive na calada, são hipocritamente ingratos até com eles mesmos", desabafou Kátia, a mais nova, de 45.

Modelo e empresária argentina, Georgina também contestou as decisões de Fernando Santos e, obviamente, exaltou a história vencedora do parceiro que conheceu na Espanha, nos tempos de Real Madrid. "Hoje o seu amigo e treinador decidiu mal. Esse amigo para quem tens tantas palavras de admiração e respeito. É o mesmo que, ao te colocar em jogo, viu que a mudança mudou tudo, mas já era tarde. Não se pode subestimar o melhor jogador do mundo, sua arma mais poderosa".

Apesar de ser bastante participativa nas redes sociais, a mãe Dolores, das mulheres mais queridas e seguidas no Instagram em Portugal, foi muito mais comedida. Preferiu destacar a relação de amor e afeto com o filho famoso.

MANAN VATSYAYANA / AFP MANAN VATSYAYANA / AFP

O final de lágrimas de tristeza

Desta vez sem surpresas, Cristiano Ronaldo foi mantido na reserva para o jogo decisivo contra o Marrocos, nas quartas de final. Embalado, Gonçalo Ramos seguiu no ataque. No entanto, nada do que foi visto diante da Suíça acabou por ser repetido.

Portugal não conseguiu passar por cima da grande sensação no Qatar. Perdeu por 1 a 0 e foi eliminado. Ronaldo entrou logo no começo do segundo tempo e não teve força suficiente para carregar a equipe e buscar a virada.

Na saída de campo, desatou a chorar. Lágrimas de frustração e tristeza. Sabia perfeitamente que ali, no Al Thumama Stadium, havia deixado escapar pelas próprias mãos a última chance de ser campeão do mundo. De levantar o troféu que faltava para completar a recheada prateleira de títulos.

Saiu em silêncio. Sozinho. Não falou com a imprensa. Uma cena rara e triste de acompanhar, protagonizada por aquele que geralmente sempre sorriu e fez sorrir.

Martin Rickett - PA Images/PA Images via Getty Images

O fim da linha chegou?

Antes da Copa do Mundo de 2022, Cristiano Ronaldo avisou que gostaria de jogar a Eurocopa de 2024, na Alemanha, quando vai ter 39 anos. Chegou também a falar, na entrevista a Piers Morgan, que se aposentadoria do futebol caso Portugal fosse campeão em solo qatari. Seria a forma perfeita para encerrar uma carreira tão vitoriosa.

Os planos, no entanto, começaram a cair por terra especialmente depois que perdeu o posto de titular. Suplente em duas oportunidades, passou a ponderar seriamente a saída definitiva da seleção depois da competição, o que deve mesmo acontecer. Tem, inclusive, o apoio total da família

Estreou por Portugal em 2004, por decisão de Luiz Felipe Scolari, assumiu o posto de capitão em 2007, participou de cinco Copas do Mundo (Alemanha-2006, África do Sul-2010, Brasil-2014, Rússia-2018 e Qatar-2022) e ganhou dos títulos inéditos: a Eurocopa de 2016 e a Liga das Nações de 2019.

Ao todo, fez 196 jogos oficiais e marcou 118 gols. É disparado o maior artilheiro da história da seleção portuguesa, tendo deixado para trás, ainda em 2014, o segundo lugar Pauleta, com 47 tentos. O histórico Eusébio, por sua vez, está na terceira colocação, com 41.

ALBERT GEA/REUTERS ALBERT GEA/REUTERS

Futuro em aberto

Livre no mercado da bola, depois de ter rompido contrato com o Manchester United, Cristiano Ronaldo tem conversas em andamento com o Al Nassr, da Arábia Saudita, num acordo de 500 milhões de euros (R$ 2,7 bilhões) por duas temporadas e meia. Aos 37 anos, ainda prefere permanecer na Europa, especialmente para jogar a Liga dos Campeões. O Sporting, onde foi revelado, sonha e acompanha atentamente toda a situação.

Ganhar um Mundial por Portugal era o maior e mais ambicioso sonho da minha carreira. Felizmente, ganhei muitos títulos de dimensão internacional, inclusive por Portugal, mas colocar o nome do nosso país no patamar mais alto do Mundo era o meu maior sonho."

Cristiano Ronaldo

Lutei para isso. Lutei muito por esse sonho. Nas 5 presenças que marquei em Mundiais ao longo de 16 anos, sempre ao lado de grandes jogadores e apoiado por milhões de portugueses, dei tudo de mim. Deixei tudo em campo. Nunca virei a cara à luta e nunca desisti desse sonho. Infelizmente, ontem o sonho acabou."

Cristiano Ronaldo

Não vale a pena reagir a quente. Quero apenas que todos saibam que muito se disse, muito se escreveu, muito se especulou, mas a minha dedicação a Portugal não mudou nem por instante. Fui sempre mais um a lutar pelo objetivo de todos e jamais viraria as costas aos meus companheiros e ao meu país."

Cristiano Ronaldo

Clive Brunskill/Getty Images Clive Brunskill/Getty Images
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