Fiel e muito mais

Pai do meia Willian vira personalidade no Corinthians, agencia jovens talentos e sonha em entrevistar Obama

Yago Rudá Do UOL, em São Paulo Marcus Steinmeyer/UOL

Há pouco mais de um mês, a sirene do Parque São Jorge anunciava o retorno do meia Willian ao Corinthians após 13 temporadas na Europa e duas Copas no currículo. Ao desembarcar na sede-social do clube que o revelou, o jogador cumprimentou o presidente Duilio Monteiro Alves, apertou mãos de alguns outros membros da diretoria e, em seguida, ganhou um abraço apertado do pai, Severino da Silva.

O comovente momento entre família durou 20 segundos. Foi tempo mais do que suficiente para um filme passar na cabeça de ambos, com as lágrimas dando o tom do reencontro. O retorno de Willian representa a realização de um sonho. Afinal, a primeira passagem do jogador pelo clube do coração foi abreviada por uma proposta de US$ 19 milhões do Shakhtar Donetsk, da Ucrânia, em 2007.

"Quando ele chega, eu dou aquele abraço e ouço a sirene do Parque São Jorge tocando, foi a mesma emoção que a gente sentiu quando chegou um dia lá segurando uma chuteirinha para fazer uma avaliação. A imagem é diferente, mas a emoção foi a mesma", disse Severino da Silva em entrevista ao UOL Esporte.

Seu Severino foi peça-chave no desenvolvimento de Willian: abriu mão de trabalho, casa e, ao lado da ex-esposa Maria José, fez o que foi possível para ver o filho brilhando pelo mundo. Concretizado o objetivo, agora faz planos de não apenas ser o pai do camisa 10 do Corinthians, embora não esconda o orgulho por esse título.

Empresário de jovens jogadores, podcaster e, como ele próprio diz, 'figurinha carimbada' do Parque São Jorge. São várias as ocupações de seu Severino. O novo objetivo, no entanto, é um tanto quanto inusitado: entrevistar Barack Obama, ex-presidente dos EUA, e mostrar que o negro tem cada vez mais espaço no Brasil.

O pai do camisa 10

SC Corinthians Paulista/Reprodução

"Invadiu" o Maracanã quando era garoto

Nascido em São Caetano do Sul, Seu Severino enfrentou a pobreza na infância e cresceu sem muitos recursos. Os primeiros anos de vida foram marcados pelas brincadeiras com carrinho de rolimã e o futebol. Foi o esporte, inclusive, que lhe apresentou uma das paixões da sua vida: o Corinthians. No fim dos anos 1960 e início dos anos 1970 imaginava apaixonado — através das transmissões das rádios — os lances protagonizados por ídolos como Rivellino, Ado, Wladimir e Zé Maria.

Em 1976, aos 16 anos, surgiu a oportunidade de viajar ao Rio de Janeiro para acompanhar o Corinthians na semifinal do Brasileiro. Alguns comerciantes da região ajudaram no fretamento de um ônibus para a Cidade Maravilhosa.

"Matei aula e estava tudo bem (risos). Tinham uns comerciantes que eram amigos nossos que pagaram o ônibus. Eu fui de penetra, na verdade a maioria dos torcedores do Corinthians que foram ao jogo foram de carona, de graça. O meu ônibus foi lotado, com gente saindo pelo ladrão", relembra, com humor.

Em campo, o time paulista fez jus aos milhares de torcedores que se deslocaram de todos os cantos da Grande São Paulo ao Rio e garantiu a classificação com uma vitória diante do Fluminense nos pênaltis, por 4 a 1, após empate em 1 a 1 no tempo normal. O título não veio depois, mas a história ficou eternizada.

"A gente parou bastante, tinha a ansiedade de chegar. Quando chegamos, o café da manhã foi um banho gelado de mar até para acordar. Eu estava de tênis, se não me engano acho até que era um Conga, calça e camisa. Levei o dinheiro 'contadinho' para comer e uma bermuda porque a previsão era de calor e, de fato, foi um dia muito quente. A imagem da torcida do Corinthians no Maracanã é inesquecível."

No ano seguinte, Severino enfim pôde festejar um troféu corintiano, após um jejum de quase 23 anos. O jovem dividiu as arquibancadas do Morumbi com outras 146.081 pessoas em um dos três embates decisivos com a Ponte Preta na final do Paulista de 1977. Era a conquista sonhada por tanto tempo.

Marcus Steinmeyer/UOL Marcus Steinmeyer/UOL

Sacrifícios para Willian jogar

O início da vida adulta foi marcado por novas responsabilidades. Afinal, poucos anos depois, Severino se casou e teve dois filhos: Michele, que hoje é dentista, e Willian. Segundo os relatos da família, o garoto desde muito cedo dava mostras do talento com a bola e logo foi matriculado em uma escolinha de futebol que levava o nome de Marcelinho Carioca, à época o grande nome do elenco alvinegro.

Por lá, o menino se destacou, participou de um amistoso no Parque São Jorge e foi convidado a permanecer no clube já aos 8 anos. O hoje camisa 10 do Timão começou no futsal, passou para o campo, ganhou destaque na base e foi subindo até estrear entre os profissionais em um amistoso no Morumbi em 2005. A afirmação no elenco principal, no entanto, aconteceu apenas em 2007.

Para tornar o sonho possível, a família precisava encontrar maneiras de encurtar a distância entre Ribeirão Pires, município onde morava, e o Tatuapé - bairro onde fica localizada sede do Corinthians. A solução, acatada por Maria José, foi alugar a casa e, com o dinheiro arrecadado, bancar um imóvel na Zona Leste da capital paulista. O custo, no entanto, era mais do que o dobro.

"Eu não aguentava mais sair de Ribeirão Pires, trazer o Willian para treinar em São Paulo e depois voltar para lá. Eu era representante comercial, saia para trabalhar e logo depois tinha que buscar o Willian. Acabava gastando muito combustível, muitas vezes perdia o dia de trabalho. Decidi alugar uma casa porque pelo menos ele ficava mais próximo do Corinthians", conta.

A mudança acabou surtindo efeito. Com mais tempo livre, Willian pôde se dedicar ao Corinthians, e a família aos poucos conseguiu ajeitar a vida na metrópole. Quando as coisas não iam bem no trabalho como representante comercial do ramo de autopeças, era a mãe do meia quem segurava as pontas no orçamento.

Ela trabalhava como doméstica. Era o dinheiro fixo dela que ajudava em casa quando as minhas vendas na rua não iam bem.

Severino da Silva, ao comentar sobre a ex-esposa, morta em 2016 após dois anos de luta contra um tumor na cabeça

Marcus Steinmeyer/UOL Marcus Steinmeyer/UOL

Dinheiro ucraniano e nova vida

Lembrado pelos corintianos como o ano do rebaixamento para a Série B, 2007 marcou uma virada positiva na vida de Seu Severino. Afinal, no início do segundo turno daquela temporada, o sacrifício da família pelo filho foi financeiramente recompensado quando Willian recebeu uma proposta de US$ 19 milhões do Shakhtar - até então, a maior venda da história do Corinthians.

"O dinheiro do Shakhtar mudou totalmente a nossa vida. Eles vieram e pagaram a multa para o Corinthians. A maioria dos jogadores vem de uma região pobre, de uma vida de sacrifício. Naturalmente, mudou muita coisa para nós."

A primeira experiência como jogador profissional do Corinthians durou 41 jogos e rendeu dois gols. Com menos de 20 anos, Willian estava na Ucrânia e em um clube que investia na busca pelo protagonismo na Europa. A projeção era apenas de melhora, e os 13 anos do filho no Velho Mundo foram mais do que suficientes para Seu Severino colher os frutos do passado, conhecer boa parte do continente e até se arriscar na comunicação em língua inglesa.

"A Inglaterra foi o melhor país em que estivemos. A Turquia é linda também, a Bósnia, a Espanha, a Ucrânia, a Rússia, a Itália também foram lugares maravilhosos em que tive a oportunidade de conhecer. Gostei muito de Londres até porque foi o lugar onde passamos mais tempo juntos."

Marcus Steinmeyer/UOL Marcus Steinmeyer/UOL

Personalidade no clube e um aliado de Andrés

Enquanto o filho brilhava vestindo a camisa do Chelsea e da seleção, Seu Severino passou a ser figura cada vez mais conhecida no Parque São Jorge. No dia em que a reportagem o acompanhou em uma sessão de fotos nas dependências do clube, o tempo precisou ser estendido além do combinado.

Ao passear pelas ruas da sede-social do Corinthians, a conversa foi várias vezes interrompida. Seja funcionário, sócio ou atleta de alguma outra modalidade, todos ganhavam um minuto de atenção de Seu Severino. Ao se aproximar do estádio da Fazendinha, o pai de Willian encontrou um grupo de meninos, todos aparentando entre 10 e 12 anos, com as chuteiras debaixo do braço. Ele foi ao encontro dos garotos e desejou sorte a todos.

"Eles estão em semana de avaliação, e sei bem como é isso. Os pais não podem acompanhá-los no campo, o clube proíbe. Os meninos estão nervosos e precisam de uma palavra de apoio, de carinho", comentou.

Seu Severino não tem cargo no Corinthians. Na eleição do ano passado, chegou a integrar uma das chapinhas que tentava se eleger ao Conselho Deliberativo. A pretensão de fazer parte da política alvinegra não foi longe e acabou interrompida após uma postagem no Facebook informando sua intenção de candidatura. 'Aqueles que por qualquer motivo estiverem inadimplentes podem nos procurar para fazermos um acordo e colocarmos em dia', escreveu em sua conta na rede social.

Depois do post, a comissão eleitoral do Corinthians tornou Severino inelegível, alegando conduta inapropriada. O entendimento foi de que houve tentativa de compra de votos.

"A eleição era em novembro e você tinha que estar em dia até o mês setembro. Muitas pessoas pensariam que a regra era até um mês antes da eleição. Então, eu mandei no Facebook: 'Olha, você que está em atraso venha ao clube e regularize. Se você estiver com dificuldades, vá na Secretaria que eles estão parcelando'. Eu nunca coloquei que eu iria pagar, que se votasse em mim eu ajudaria. Nada disso. Eles interpretaram isso e resolveram me retirar da eleição. Eu aceitei numa boa, meu ego não se satisfaz sendo conselheiro do Corinthians."

Sempre apoiei a chapa Renovação & Transparência pelo fato de ter o presidente Andrés Sanchez. Daquela vez, o candidato era o Duilio. Às vezes, você é perseguido por conta disso.

Severino da Silva, sobre a participação na política corintiana

Marcus Steinmeyer/UOL Marcus Steinmeyer/UOL

Profissão agente

Os dias de Severino como representante comercial ficaram para trás. A experiência acompanhando o filho na base, a relação com outros pais de garotos aspirantes e o relacionamento com pessoas do mercado credenciaram o pai de Willian a se arriscar em uma nova ocupação: agente de atletas.

Atualmente, o foco é na captação de jovens talentos. Por uma questão ética, Seu Severino prefere não revelar nomes, mas assegura que trabalha com pelo menos um jogador na base do Corinthians. Também lida com um atleta na Ponte Preta e alguns outros no Colorado Caieiras - clube que disputa a Série B do Campeonato Paulista, o equivalente à Quarta Divisão do estadual.

"No momento, trabalho só com a molecada. Não dou dinheiro e nem compro a procuração de ninguém, eu faço um trabalho de longo prazo com os garotos. Tem família que se vende, e isso não me interessa. Você trabalha com o jogador e ganha uma porcentagem em uma negociação, caso ele consiga se destacar, é assim que funciona. O sucesso do jogador depende do trabalho dele em campo."

Apesar dos contatos acumulados no telefone celular, da abertura com figuras importantes dos bastidores e do acesso facilitado em diversos clubes paulistas, Seu Severino reclama da cultura do mercado da bola.

"O mercado do futebol é bastante sujo. Em todo comércio, todo negócio sempre tem um cara que quer passar o outro para trás. No geral, a negociação do futebol é suja em todos os lados. Não é bacana. Envolve dinheiro, prestígio, ego e isso faz uma pessoa atropelar as outras", relata, sem detalhes de episódios do gênero.

Marcus Steinmeyer/UOL Marcus Steinmeyer/UOL

Lançando podcast e sonho de entrevistar Obama

Além dos contatos com empresários e dirigentes, Seu Severino desfruta de ligação próxima com diversos jornalistas. Enquanto o meia Willian negociava o retorno ao Corinthians, o noticiário de alguns veículos de comunicação contavam com participações do pai do jogador, ora passando alguma informação sobre os rumos das conversas com o Arsenal, ora palpitando sobre a transferência.

A habilidade de comunicação foi desenvolvida ao longo dos anos e, atualmente, Severino se prepara para lançar no mercado o 'SeveraCast' - podcast que trará convidados de diversas áreas e terá seu lançamento na segunda quinzena de outubro. Nomes como Andrés Sanchez, Milton Neves, Benjamin Back e Felipe Prior estão confirmados, além de personalidades e lideranças de outras áreas e do próprio filho Willian.

Se engana, porém, quem pensa que o podcast focará apenas em futebol. Na conversa com a reportagem, Severino externou a intenção de ter lideranças do movimento negro no projeto. A proposta é falar sobre empoderamento, levando ao programa pessoas negras de destaques em suas respectivas áreas de atuação.

A princípio, esta vertente do programa se chamaria Papo de Preto e seria divulgada nas plataformas de vídeo. Há detalhes a serem resolvidos, mas o foco está traçado: conseguir uma entrevista com Barack Obama.

Vou fazer de tudo para conseguir o meu objetivo. Tenho a incumbência de mostrar para as pessoas negras que elas podem. Eu não sei, estou te falando isso agora e pode ser que não aconteça, sei que é muito difícil, mas ainda vou entrevistar o Obama. Pode anotar aí.

Severino da Silva, pai de Willian, meia do Corinthians

+ Especiais

Helio Suenaga/LatinContent via Getty Images

Chicão exalta era Ronaldo no Corinthians e diz que jogaria até na Série C pelo time do coração.

Ler mais
UOL

Ficou no "quase": goleador Dodô lamenta não ter jogado no Corinthians, seu time de infância.

Ler mais
Reprodução/Instagram/Craque Neto

Jogando pelo Palmeiras, Neto fez gol, deu passe, beijou camisa e até provocou corintianos.

Ler mais
Zanone Fraissat/Folhapress

Folclórico, Gilmar Fubá colecionou amigos e resenhas, desafiou media training e morreu lutando.

Ler mais
Topo