Correção de rota

Mudanças de 2020 e as que começaram há sete anos devolveram o Palmeiras ao lugar em que sempre deveria estar

Danilo Lavieri e Thiago Ferri Do UOL, em São Paulo Silvia Izquierdo/Getty Images

É provável que o torcedor palmeirense não acreditasse, em outubro de 2020, que o Palmeiras seria campeão da Copa Libertadores. Mas a derrota para o Coritiba no dia 14 daquele mês, em pleno Allianz Parque, foi o sinal para que a diretoria mudasse o comando técnico. O resultado foi uma arrancada até a taça, levantada ontem (30), no Maracanã, diante do Santos, com a vitória por 1 a 0 com gol de Breno Lopes.

Com a saída de Vanderlei Luxemburgo e a chegada de Abel Ferreira, o Alviverde viu os garotos que já tinham chances se tornarem donos de suas posições. Viu atletas que estavam prestes a serem negociados crescerem de produção. Viu os que eram xingados escreverem seu nome na história do clube para sempre.

Voltando para aquele outubro, o torcedor já dava como perdida a chance de finalmente alcançar o bicampeonato continental que já havia batido na trave há 21 anos. A equipe jogava mal e parecia ser necessária (outra) reformulação no elenco. Mas com o técnico português, a reviravolta fez chegar ao ápice um projeto que buscou de forma incessante o sucesso na América do Sul.

O ano chave desse novo projeto é 2015, quando o Verdão voltou a disputar títulos — a retomada financeira começou em 2013, no ano do título da Série B e mostrou que o caminho estava certo com a Copa do Brasil de 2015 (em cima do mesmo Santos). A Libertadores, porém, seguia complicada. O Palmeiras caiu na fase de grupos de 2016, nas oitavas de 2017 e chegou à semifinal em 2018 para, no ano seguinte, cair nas quartas novamente.

A correção de rota passou até pela montagem de elenco. O planejamento recente para a Libertadores sempre passou por contratações de impacto e pela busca por jogadores "cascudos". Desta vez, a aposta foi menos em reforços e mais em garotos. E o resultado foi que "a taça Libertadores obsessão", como cantam as arquibancadas, deixou de ser apenas uma música para virar motivo de festa.

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Como Rony "tirou a zica" e virou decisivo

Rony é um dos melhores exemplos dessa volta por cima. Contratação mais cara da temporada (R$ 28 milhões na época), o atacante não conseguia deslanchar e já tinha virado alvo de perseguição da torcida e da imprensa. Após 21 partidas pelo clube, o primeiro gol veio contra o Bolívar. E mostrou que tem alguma relação especial com a Libertadores.

São 13 participações em gols na competição sul-americana, com cinco gols e oito assistências (a última contra o Santos), e quatro prêmios de melhor em campo até a decisão. Quem diria? O mesmo atacante que antes não conseguia concluir uma jogada de tanto nervosismo tornou-se um dos alicerces no principal torneio do continente.

Com o título de hoje, Rony já paga toda a sua contratação. Só com a premiação do título, o Alviverde conquistou US$ 15 milhões (R$ 82 milhões) — a Crefisa ainda pagará R$ 12 milhões como bônus.

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Só tenho que agradecer a Deus, a esse grupo, a esse time. Nunca senti medo na minha vida como senti hoje. Mas falei com Deus e o que ele deu não tem explicação. Título é nosso, mas a glória é de Deus. Sem ele, a gente não é nada. [Só tenho a] agradecer a Deus e a toda minha família"

Rony, após a conquista do título

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Ricardo Moraes/Getty Images Ricardo Moraes/Getty Images
Ricardo Moraes/Getty Images

Eu sabia. E não estou falando numa situação de soberba, não. Eu sabia porque eu sempre confiei em Deus. Aquele jogo contra o River, daquela maneira que nós sofremos e ninguém morreu, eu vi que meu coração estava bom porque eu quase infartei 50 vezes. Mas ali eu vi que Deus capacitou e que nós seríamos campeões"

Felipe Melo, que se recuperou em tempo recorde de uma lesão para jogar a final

Saem figurões, chegam os garotos

Não por acaso, o Palmeiras conquista a sua obsessão no ano em que fez menos investimentos. Em 2020, foram contratados apenas cinco jogadores (Rony, Viña, Breno Lopes, Alan Empereur e Kuscevic). Em 2019, tinham chegado dez atletas para o elenco (Zé Rafael, Arthur Cabral, Matheus Fernandes, Vitor Hugo, Carlos Eduardo, Felipe Pires, Ricardo Goulart, Ramires, Henrique Dourado e Luiz Adriano).

Depois de anos ganhando tudo em competições menores, a ordem do presidente Maurício Galiotte, já antes da pandemia, era apostar nas categorias de base. Chegava a vez de Danilo, Gabriel Menino, Patrick de Paula e Gabriel Veron.

Cesar Greco/SE Palmeiras
Patrick de Paula, Gabriel Veron, Danilo, Gabriel Silva, Wesley, Gabriel Menino, Renan e Luan Silva (E/D) e o diretor da base, João Paulo (abaixo)

Esses garotos, campeões antes do profissional, viraram os reforços que, anteriormente, vinham de contratações. A recompensa por essa aposta foram atuações como a do jogo de ida diante do River Plate, na Argentina, em que o Palmeiras venceu por 3 a 0 com performances estelares de Gabriel Menino e Patrick de Paula.

Essas revelações são frutos de um investimento de R$ 90 milhões na estrutura do CT de Guarulhos (SP) e na captação de jovens talentos feito nos últimos três anos. Além dos quatro que já fazem parte da rotação de Abel Ferreira, a temporada também mostrou que outros nomes já podem ser considerados peças fundamentais para o futuro, como Wesley, Esteves, Renan e Vinícius.

Jorge Rodrigues/AGIF

O herói improvável

Breno Lopes, o autor do gol do título, não é exatamente um dos garotos desse projeto. Mas, aos 25 anos, também faz parte de uma correção de curso. Primeiro, porque entrou no segundo tempo da decisão para mudar o jogo. Segundo, porque foi contratado no segundo semestre de 2020 para resolver um problema do elenco: a ausência de opções de velocidade para o ataque.

Wesley, que vinha sendo titular, se machucou. Gabriel Veron enfrentava problemas musculares constantes e até Rony, grande nome do time na Libertadores, não tinha engrenado. A diretoria, então, foi atrás de uma alternativa e encontrou no Juventude. Breno era destaque da Série B e tinha tudo o que o Palmeiras precisava: faro de gols e velocidade pelos lados.

Não que tenha sido rápido. O primeiro gol veio só no último jogo alviverde antes da decisão, na terça-feira, contra o Vasco. Ele foi o autor do gol no empate em 1 a 1 com os cariocas. E confirmou para o técnico Abel Ferreira que era uma alternativa viável para a partida desta tarde. O português acreditou nele mesmo tendo Willian, que vinha sendo especulado como titular, no banco. E foi recompensado.

É um dia inesquecível, fazer um gol no título da Libertadores. O torcedor merece esse título. Hoje, nós entramos para a história. Eu estou muito feliz, não consigo nem falar sobre essa emoção. Cheguei quando todos desconfiavam e estou provando que tenho condições de jogar aqui".

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Depois dos anos passados, em que a gente chegava e não conseguia o título, [o time] criou maturidade maior. Soubemos jogar a competição. Contra o River, ficou um aprendizado muito grande. Crescemos e hoje chegamos maduros para a final. Lógico que durante o campeonato mudamos as estratégias. Mas desde que começamos a treinar para esse jogo... Fizemos o que o mister pediu. Não mudamos ao longo do jogo o que ele havia pedido

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Raphael Veiga

Brilho de um gol a outro

Para que os garotos tivessem a tranquilidade diante do River como se fosse mais um jogo-treino, foi fundamental que o Palmeiras tivesse seus pontos de experiência dentro de campo. Como diz Abel Ferreira, são os técnicos de um lado a outro do campo: Weverton e Luiz Adriano.

Ricardo Moraes/Getty Images

O goleiro foi fundamental quando a equipe viveu seus piores momentos dentro de campo. O maior exemplo se deu provavelmente no jogo de volta da semifinal contra o River Plate, no Allianz Parque. Se não fosse por ele, o Alviverde estaria até hoje juntando os cacos daquela que seria a trágica eliminação diante dos argentinos depois de abrir 3 a 0 na Argentina. Hoje, é difícil ter alguém que não concorde que ele é o melhor da sua posição no país. Não é qualquer um que faz Marcos pensar em cancelar a aposentadoria do número 12.

Silvia Izquierdo/Getty Images

Mais à frente, o "professor dos miúdos", como define Abel, é Luiz Adriano. Com características cada vez mais raras no cenário nacional, o atacante consegue proteger a bola como pivô ou recuar para armar como um camisa 10. Insubstituível, foi decisivo na Libertadores, com cinco gols em seis partidas. Mereceu até tratamento especial: sofrendo problemas musculares durante toda a temporada, ele foi poupado em boa parte das partidas dos últimos três meses. Essa minutagem controlada foi decisiva para tê-lo em condições de resolver na reta final.

Os gringos "top pan pan pan"

Jorge Rodrigues/AGIF

Gustavo Gómez

Capitão na Libertadores, o paraguaio se firmou como titular absoluto do time de Abel Ferreira. Virou até candidato a melhor do país na posição depois de uma renovação bastante conturbada, enquanto o futebol estava parado, em julho. Ele e o clube tiveram um impasse salarial por conta da valorização do euro nos meses anteriores. Acabaram acertando um novo vínculo até junho de 2024 após semanas de negociação.

Juan I. Roncoroni ? Pool/Getty Images

Matías Viña

Na esquerda, Viña foi uma das poucas contratações para a temporada, mas honrou a frase de Abel Ferreira que virou meme desde a sua apresentação: ?ele é top, 17 jogos seguidos e pan, pan, pan. É top?. Revezando-se entre a seleção uruguaia e o Palmeiras, o camisa 17 se transformou em peça importantíssima: até a final, fez 43 partidas na temporada e deu oito assistências, vice-líder no quesito atrás apenas de Gabriel Menino (9).

Staff Images/Conmebol

Abel conquista seu primeiro título e já se coloca entre grandes no Palmeiras

Com apenas 26 jogos no comando do Palmeiras, Abel Ferreira colocou seu nome na história alviverde. Ao seu lado, apenas Luiz Felipe Scolari, técnico do primeiro título do clube no torneio.

O português de 41 anos é apenas o quarto comandante na história do Alviverde a chegar à final da Libertadores. Antes dele, atingiram o feito o argentino Armando Renganeschi, em 1961, o também argentino Alfredo Gonzalez, em 1968, além, é claro, de Felipão, em 1999 e 2000.

Substituto de Luxemburgo, um dos maiores técnicos da história do clube, ele também tem agora o título mais importante de sua carreira inteira. E pode ser só o começo de uma nova era. Contratado para transformar o Palmeiras e fazer a equipe jogar melhor, o português criou uma simbiose imediata com o clube.

Mesmo aqueles que participaram de sua contratação e gostaram do que ouviram na primeira conversa não imaginavam algo tão rápido —o português foi anunciado pelo clube em 30 de outubro. Com um discurso de união desde jogadores até funcionários, Abel Ferreira repete o seu conterrâneo Jorge Jesus, que na temporada passada ganhou a mesma Libertadores pelo Flamengo.

Tratado como um estrategista e cuidadoso nos detalhes, Abel fez o Verdão uma equipe que joga mais próxima e que tem repertório para vencer de diferentes formas. O resultado foi conseguir levar o Palmeiras a todas as finais que poderia.

Eu tenho que agradecer ao Brasil, tenho que agradecer de forma muito especial ao Palmeiras e à família Palmeiras. Para toda regra, há uma exceção. Eu vou permitir quebrar essa regra, mas muita coisa ainda está para trilhar. Subimos a montanha, estamos a saborear a paisagem. É bom sentir essa emoção, mas é perceber que logo depois vamos ter de descer porque há mais coisas para conquistar e não dá para estar lá em cima e nos distrair com a paisagem que é fantástica".

Divulgação/Conmebol

Quando vocês me pegaram em uma foto muito bonita ontem, eu estava vendo a luz do sol que estava brilhando. Eu fechei os olhos e só consegui imaginar receber a taça. Não houve outra coisa que me passasse pela cabeça que não fosse levantar a taça. A verdade é que é uma emoção muito grande e só o fato de ouvir a glória eterna é algo inacreditável. Eu disse isso aos jogadores, podem perguntar ao Breno, aconteça o que acontecer ficaremos na história ou seremos eternos. Hoje, conseguimos a glória eterna"

Abel Ferreira, após o título da Libertadores

Paulo Pinto/AE

A temporada mais vitoriosa desde a Parmalat

Foi justamente no ano em que o investimento com contratações caiu, a influência da Crefisa menos se fez presente desde 2015 e a dívida do clube com a empresa bateu os R$ 160 milhões que o Palmeiras conseguiu um feito que não atingia desde 2000: conquistar dois títulos na mesma temporada (lembrando que a temporada esportiva não acabou no dia 31 de dezembro de 2020 por causa da pandemia).

Além da Libertadores conquistada hoje, o Alviverde foi campeão do Paulista após uma inesquecível disputa de pênaltis na final contra o Corinthians —marcada pelo último pênalti cobrado pelo garoto Patrick de Paula, simbolizando a troca das contratações pela aposta na base.

Há 21 anos, o Alviverde também levantou duas taças no mesmo ano. Foi campeão da Copa dos Campeões e do Rio-São Paulo de 2000. Aquela foi a última temporada em que o clube contou com a parceria com a Parmalat —a empresa italiana que investiu no clube no início dos anos 90 e foi a responsável pela criação dos times que tiraram o Palmeiras da fila de 16 anos, em 1993, e ganharam dois brasileiros, uma Copa do Brasil e uma Libertadores.

E sabe qual é a melhor notícia para o Palmeiras? Não acabou por aqui.

Cesar Greco

E pode vir mais!

Com a confiança conquistada pelo título da Libertadores, o Palmeiras agora tem uma das missões mais importantes de toda a sua trajetória: ganhar o Mundial, que será disputado no Qatar e tem o Bayern de Munique como principal adversário.

Para os palmeirenses, é a chance do bi. O título da Copa Rio de 1951 foi tratado como Mundial naquela época —incluindo a manchete de "Palmeiras Campeão do Mundo" em "A Gazeta Esportiva", principal jornal esportivo de São Paulo na época, do dia 23 de julho de 1951 —e considerado assim pela torcida.

Quando voltar do Qatar, o Alviverde ainda tem a chance de conquistar o tetra da Copa do Brasil. Depois de vencer em 1998, 2012 e em 2015, agora é a vez de enfrentar o Grêmio para aumentar a sua vantagem como maior campeão nacional do país. A decisão, que já tinha sido adiada uma vez para o meio de fevereiro, agora terá de mudar de data novamente por conta do Mundial: vai acontecer entre 28 de fevereiro e 7 de março. Mais taças a caminho?

Ricardo Moraes/Getty Images

Esse era o nosso grande sonho. Estamos aqui. Infelizmente, não tem o torcedor para comemorar com a gente. Eu fico até com receio de comemorar [perto dos convidados], tem muita gente aqui e eu ainda não peguei covid-19. Tem Mundial na semana que vem. Mas eu só tenho que agradecer, queria ser reconhecido no Palmeiras, queria esse título e eu consegui"

Weverton, que na foto comemora com sua filha Valentina

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