Terra nostra

Palmeiras vence Flamengo, é tricampeão da Libertadores e consolida domínio na América do Sul

Diego Iwata Lima Do UOL, em Montevidéu Juan Mabromata / AFP

As histórias da América e da Itália caminham juntos desde antes dessas duas importantes partes do mundo terem os nomes pelos quais ficaram conhecidas. Foi sob o comando de um italiano que os europeus desembarcaram no que hoje são as Bahamas, em 1492, para tomar posse de um continente que viria a ser batizado em homenagem a outro explorador italiano, Américo Vespúcio.

O continente acabou dividido entre portugueses e espanhóis, e foi apenas quatro séculos depois que italianos começaram a aparecer em massa por aqui. Na década de 1870, quando começou o processo de imigração, eles se referiam ao processo de cruzar o Oceano Atlântico para tentar a vida do lado de cá como "fazer a América".

Quando fundaram o Palestra Itália, em 1914, ninguém imaginava que aquela pequena agremiação se tornaria gigante. E que conquistar a América, assim como para Colombo, se tornaria a obsessão de seus seguidores.

Hoje, pela terceira vez, assim como fez Colombo, o Palmeiras conquista o continente. Sob comando de um português, brasileiros, um chileno, um uruguaio e um paraguaio mantiveram na Academia de Futebol a posse do objeto que atesta a propriedade da América. E os palmeirenses, tricampeões da Libertadores (1999, 2020 e 2021) podem afirmar: "a América do Sul é terra nostra!"

Juan Mabromata / AFP
EITAN ABRAMOVICH / AFP

O mapa da Libertadores em alviverde

Terra nostra? Pois é. A vitória por 2 a 1 sobre o Flamengo em Montevidéu já está computada nos registros históricos impressionantes do Palmeiras na Libertadores. Com a conquista, o Palmeiras se iguala a Grêmio, Santos e São Paulo e entra para o panteão dos clubes tricampeões da Libertadores, os clubes brasileiros que mais vezes venceram o torneio. Essa foi a sexta final do Palmeiras, que agora tem um aproveitamento de 50% em termos de títulos. Mas há números ainda mais impressionantes.

O Palmeiras, clube brasileiro com mais participações na competição, com 21, ao lado de São Paulo e Grêmio, soma ainda mais jogos (210), mais vitórias (118), mais vitórias como visitante (44), mais gols (391), mais gols como mandante (233) e mais gols como visitante (156 tentos).

O gol do título foi feito por Deyverson, que entrou justamente no tempo extra. Anteriormente haviam marcado Raphael Veiga, para o Alviverde, e Gabigol, para o Rubro-Negro. O Palmeiras já havia conquistado a competição em 1999 e ano passado, quando venceu o rival Santos por 1 a 0, no Maracanã.

AFP AFP

O navegador: Abel já pode ser considerado o maior?

Abel Ferreira precisou deixar a Europa rumo à América do Sul para começar a se tornar um vencedor no futebol. Até chegar ao Brasil, em novembro de 2020, o técnico não sabia o que era comemorar uma conquista como treinador.

Mas antes mesmo de seu primeiro ano no clube, ele já começou a colher resultados. Com menos de três meses, conquistou a Libertadores. Com menos de cinco, a Copa do Brasil. E sob seu comando, o Palmeiras nunca deixou de ser protagonista.

O técnico tem hoje pouco mais de uma temporada de clube. E agora, uma segunda Libertadores no currículo. O feito de Abel é inédito no Palmeiras. Felipão, conquistou duas Copas do Brasil, um Brasileiro, uma Mercosul e uma Libertadores. Luxemburgo, dois Brasileiros e cinco Paulistas.

Tratada no passado recente como heresia, a indagação sobre o tamanho de Abel Ferreira na história do Palmeiras já não pode ser descartada. Há quem o considere, há quem não o avalie assim. Mas certamente, questionar se Abel é o maior técnico da história alviverde não é mais nenhum absurdo.

Agora a dúvida que fica, mesmo, é sobre o futuro do treinador português:

Estou tranquilo, calmo, em paz comigo. Sentimento de dever cumprido. Já disse isso várias vezes: a forma como se vive futebol no Brasil é muito intensa. Eu vou ter que refletir muito sobre o que eu quero para mim no futuro."

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Abel Ferreira, já sereno em campo, depois de chorar durante a comemoração do título

Sou grato ao futebol brasileiro, ao Palmeiras. Não digo que a mentalidade é melhor ou pior, mas há muita margem para melhorar. O calendário é insano, desumano. O clube já demonstrou sua vontade, mas tenho ver com a minha família."

Abel, horas depois na coletiva, mantendo sua posição

Ettore Chiereguini/AGIF

Weverton: forasteiro que tomou posse da terra

Numa tradicional escola que formou Oberdan Cattani, Valdir de Morais, Leão e Marcos, Weverton aproveitou a porta aberta por Prass e levou muito adiante a ídeia de que há também espaço para goleiros forasteiros no panteão de ídolos que defenderam as traves alviverdes.

Assim como na temporada 2020, o acreano de 33 anos foi peça fundamental no esquema de Abel Ferreira, com as mãos e os pés. O goleiro inicia jogadas lançando companheiros com a mesma destreza que defende bolas disparadas cara a cara. Na final, se não conseguiu evitar o empate flamenguista no segundo tempo numa finalização precisa de Gabigol, no contrapé, o goleiro fez ao menos duas grandes defesas diante de Arrascaeta e David Luiz.

A cada ano, sua liderança sobre o grupo se consolida e a admiração por parte de torcedores só cresce —assim como a da comissão técnica da seleção. Com a conquista de 2021, Weverton chega a seu quinto título no Alviverde: um Paulista, uma Copa do Brasil, um Brasileiro e, agora, duas Libertadores

Weverton se tornou tão importante que as antes impensáveis comparações no passado com o ídolo maior Marcos serem não só aventadas, mas muitas vezes vencidas por Weverton. Com a benção do próprio Santo.

A gente lutou, a gente batalhou. Nossa geração entrou de vez para a história desse gigante brasileiro. A América mais uma vez é nossa. Dedico [o título] à minha família, a todos os torcedores que vieram, que venderam muitas coisas importantes para estar aqui hoje para comprar ingresso, passagem. E também aos que ficaram em casa."

Weverton, durante a comemoração no gramado do Centenário

Staff Images/Conmebol

Raphael Veiga: o bom filho de que tornou para casa

Quando criança, morador do Tatuapé, bairro da zona leste de São Paulo que é reduto de corintianos, Raphael Veiga era o palmeirense isolado em meio a alvinegros. Com muita personalidade, vestia a camisa azul de seu ídolo e, como goleiro, gritava o nome de Marcos a cada defesa.

Mas Veiga não começou no Palmeiras. Já na linha, passou inclusive pelo Corinthians, antes de chegar às categorias de base do Coritiba e chamar a atenção da diretoria de futebol do Alviverde, no fim de 2016. Mas ele ainda seria emprestado ao Athletico-PR antes de, enfim, brilhar no "seu" clube.

Raphael Veiga tornou-se o jogador que hoje desfila de verde pelos gramados nas mãos de Abel Ferreira. Nenhum dos técnicos que trabalhou com ele antes conseguiu extrair do talentoso meia aquilo que ele entrega desde a temporada passada. E o gol que abriu o placar da final —com mais uma finalização do meia colocando o pé na área— deixou isso claro.

Veiga não é o meia magistral que o palmeirense teve em Alex. Tampouco o driblador espetacular e "chato" como Valdivia. Mas reúne a visão de jogo do primeiro e a eficiência para enfiar bolas em profundidade do segundo.

Para completar, Veiga é ainda um excelente cobrador de pênaltis, que jamais desperdiçou uma cobrança pelo Palmeiras. Algo que o aproxima do também ídolo Evair.

Ettore Chiereguini/AGIF

Deyverson, o herói que ficou no barco

O herói da conquista da terceira LIbertadores do Palmeiras só está no clube porque bateu o pé. A ideia inicial do Alviverde era negociar o atacante. Essa foi a sugestão de seu empresário. Mas o atacante não quis sair. "Ele ama o Palmeiras, cara. Não é da boca para fora, não", contou ao UOL Esporte Anderson Brum , irmão do atacante do Palmeiras.

Predestinado, o grandalhão havia anotado na última vitória do Palmeiras sobre o Flamengo, no longínquo ano de 2017, por 2 a 1, pelo Brasileirão. O gol da vitória sobre o Fla em Montevidéu foi o primeiro dele na Libertadores deste ano, seu quinto no ano e 30º com a camisa do clube. E certamente o mais importante de sua carreira —superando aquele que anotou contra o Vasco, em São Januário, em 2018, na partida que assegurou o título do Brasileirão 2018. Quer dizer: valeu título, mas era por pontos corridos.

Muitas pessoas não acreditavam que o Deyverson poderia entrar e fazer o gol. Eu não quero quantidade, quero qualidade. É o segundo gol de título, 2018 e agora. Muitos crucificaram quando cheguei, perguntaram quem é esse cara. Mas muitos também acreditaram. Breno Lopes me falou que hoje era meu dia."

EFE/ Sebastiao Moreira EFE/ Sebastiao Moreira

O futuro de um povo: o mundo, enfim?

A conquista da Copa Libertadores marca um momento de inflexão deste grupo alviverde. Classificado ao Mundial de Clubes, o Palmeiras que vai aos Emirados Árabes, em fevereiro, pode ser bem diferente do que levantou a taça em Montevidéu. O título consagra, além do treinador português, o trabalho do presidente Mauricio Galiotte, que encerra seu segundo mandado em dezembro, despede-se do cargo com cinco conquistas: duas Libertadores (2020 e 2021), um Campeonato Brasileiro (2018), uma Copa do Brasil (2020) e um Campeonato Paulista (2020).

Uma mudança já é certa: Mauricio Galiotte transmite o cargo a Leila Pereira em menos de um mês, e caberá à hoje presidente eleita guiar o time pelas terras árabes.

No comando do time, o desejo de todos no clube é que Abel permaneça como técnico. Mas embora tenha ainda contrato vigente, não é de hoje que o português flerta com um retorno à sua terra. Leila fez amizade com a esposa de Abel, pensando em trazê-la para o Brasil e ajudar na permanência do treinador.

No elenco, mudanças podem também acontecer. Aliados acreditam que a dirigente não medirá esforços para reforçar o elenco de olho na conquista do Mundial de Clubes, uma de suas obsessões de campanha. E, até o momento, não se sabe se Felipe Melo, cujo contrato se encerra no fim de 2021, estará no time.

Barros, que chegou ao clube para substituir o badalado Alexandre Mattos, faz administração de contenção de gastos e, mesmo assim, levou o departamento de futebol a quatro das cinco conquistas da gestão. Mas, que seja feita justiça, Mattos contratou a maioria dos jogadores do elenco bicampeão. Barros, agora, ainda não tem situação definida para a próxima temporada. Em coletiva, Abel Ferreira defendeu sua permanência.

O torcedor pode esperar um time cada vez mais forte. O torcedor gosta disso aqui [título]. Claro [que vem reforços]. O torcedor pode ter certeza que o que a presidenta puder fazer para o Palmeiras ser cada vez mais vitorioso, ela vai fazer

Leila Pereira, prestes a assumir a presidência do Palmeiras, em campo no Centenário

Staff Images / CONMEBOL Staff Images / CONMEBOL

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