'Pelé é imortal mesmo'

Na última entrevista que deu ao UOL, Pelé falou sobre a morte: 'quando Ele chamar, não importa quem você é'

Do UOL, em Santos UOL

"Acho que temos que encarar a morte como uma coisa natural, acreditar em Deus. Porque quando Ele chamar, não importa onde você esteja, quem você é", afirmou Pelé em 2017, na última entrevista que ele deu ao UOL.

O chamado que ele mencionou aconteceu hoje, dia 29 de dezembro de 2022. Aos 82 anos, Edson Arantes do Nascimento não resistiu à luta contra um câncer de cólon. Após 28 dias de internação, ele morreu no hospital Albert Einstein, em São Paulo.

Na última entrevista que fizemos com ele, o ídolo já andava com uma bengala, após várias cirurgias no quadril. A saúde, porém, seguia forte. Assim como a cabeça: na conversa, ele enfrentou questões polêmicas, como a distância dos netos reconhecidos judicialmente, o famoso comentário de Romário sobre "Pelé calado ser um poeta" e ainda ofereceu histórias divertidas sobre celebridades, de Xuxa a Sylvester Stallone.

Pelé é imortal mesmo. Mas o Edson vai morrer qualquer dia".

UOL

Morte não preocupa

Rubens Chiri/Site oficial do São Paulo

Netos distantes estiveram no hospital

A imagem pública quase beatificada de Pelé sofreu um arranhão quando Sandra Regina Machado expôs a luta pelo reconhecimento de paternidade. Nos anos 90, após se submeter a testes de DNA, a ex-vereadora de Santos conseguiu na Justiça o direito de usar o sobrenome Arantes do Nascimento. A herdeira morreu em 2006, vítima de câncer de mama, mas seus dois filhos, Octávio e Gabriel, conseguiram judicialmente em 2013 a prerrogativa de receber pensão do avô.

"Quando teve aquele episódio de uma filha minha, que faleceu, que falaram que eu nunca dei atenção. Depois de 30 anos que ela veio dizer. Eu não conhecia, não sabia quem era. Que Deus a tenha em bom lugar. Agora eu tenho os netinhos, filhos da Sandra, os netinhos dela estão aí. Me perguntaram se eu tenho contato, eu falo que não tenho tido. Porque os meus netos todos, dos meus filhos legítimos, eu tenho contato", declarou Pelé.

Nos últimos dias, já internado, toda a família se reuniu no hospital Albert Einstein, em São Paulo. Incluindo os filhos de Sandra Regina. "Agradeço a Deus por ter proporcionado esse momento, pois era o que minha mãe mais sonhava. Têm coisas que uns plantam e outros colhem, e nós estamos colhendo. Agradeço a quem ficou feliz por nós. Estamos extremamente felizes e, de antemão, agradecer a todos da minha família, que foram extremamente receptivas e amorosas com a gente", escreveram Octávio e Gabriel ontem.

Broncas da mãe

De vez em quando ela acha ruim que eu não telefono muito para ela. Mas eu falo: 'Mãe, muitas vezes eu ligo e não tem ninguém, a senhora não usa o telefone'. Ela fala: 'Se eu não atender a primeira vez, você tem que tentar até eu atender'. 'Mãe, mas eu tô ligando de Nova York, às vezes estou ligando de fora'. 'Mas eu que coloquei você no mundo', ela diz

Pelé, sobre a relação atual com a mãe, Dona Celeste, ainda viva

'Na época, falei que brasileiro não vota certo. Até hoje, vivemos isso'

Folhapress

Fifa fez "besteira" com Mundiais

O time de Pelé atropelou Eusébio e companhia em 1962. No ano seguinte, uma lesão fez o craque ver os companheiros derrotarem o Milan numa batalha de três jogos. O decantado Santos dos anos 60 foi o primeiro clube brasileiro a celebrar o status de campeão mundial - duas vezes seguidas. No entanto, a nova administração da Fifa manifestou em janeiro passado que não reconhece os troféus. Para a entidade, valem como títulos mundiais apenas os torneios após 2000, realizados com a chancela da organização.

"Essa é uma decisão, da minha maneira de entender, totalmente errada da Fifa", criticou.

Como eles podem querer anular um título que foi o único dos Mundiais que foi até o final e disputaram os campeões de cada região. Quer dizer, é um absurdo, né? Até difícil de entender como eles querem fazer uma besteira dessa, porque não têm razão para não considerar válidos esses títulos"

Reprodução

Perdão para Romário

"Calado é um poeta" é uma ofensa que se tornou comum na boca de Romário, em referência a Pelé. A primeira cutucada do gênero veio em janeiro de 2005, quando o "Rei" sugeriu que o "Baixinho" se aposentasse. Na época, o vascaíno estava a toda na busca para repetir a façanha dos mil gols.

Sobre a polêmica, Pelé disse que já teve a oportunidade de conversar com Romário e relatou ter ouvido que tudo não passou de exagero.

"Eu soube disso. Ele falou que Pelé com a boca fechada é um poeta, né? Aliás, a gente falou a respeito disso e ele disse que não foi bem assim. Eu cruzei com ele na véspera de um jogo da seleção, e ele falou: 'Não, fofoca, bicho, fofoca'. Mas dizem que ele falou mesmo, né?", disse.

Mas ele está perdoado, coitado. Coitado não, fica até chato, mas está perdoado

Pelé, sobre o comentário de Romário que "Pelé calado é um poeta"

Adriano Vizoni/Folhapress

"Minha cor é negra"

O status de personalidade internacional impôs a Pelé posicionamentos mais sérios em debates sociais. Um deles é a questão da raça. Algumas pessoas engajadas na questão negra no Brasil entendiam que o ídolo jamais ergueu efetivamente esta bandeira. O ex-jogador da seleção discordava dessa interpretação.

"Não me aborrece. Porque eu nunca entendi isso. Minha cor é negra, não amarela, não sou japonês. Não sou branco, não sou loiro. Então, tudo o que eu procurei fazer, dentro das coisas honestas, é defendendo a minha classe, a minha cor, defendendo a minha família. Então eu nunca me preocupei com isso", argumentou.

"E tudo o que eu faço, não faço vestido com um capuz branco ou com a cor branca. Eu faço com a minha cor, entende? Então eu já ouvi falar um monte de coisa, que eu acho que é normal. Já ouvi falar um monte de coisas de artistas também. Pessoa comenta, mas essa coisa nunca me preocupou, porque eu sei o que estou fazendo", acrescentou.

Romance com Xuxa virou amizade

Reprodução

A cobrança de Galvão Bueno

Em campo, Pelé ajudou a seleção brasileira a conquistar suas três primeiras Copas. No entanto, quando a quarta taça veio, o "Rei" também deu o ar da graça. A cena do ex-jogador pulando abraçado com Galvão Bueno após Roberto Baggio errar sua cobrança de pênalti é uma das imagens icônicas do tetra de 1994. Os ex-colegas de TV Globo continuaram amigos até o final.

De vez em quando, a gente conversa, bate papo. Aliás, eu estou devendo, porque era para ter ido no 'Bem Amigos', mas não deu para ir por causa da cirurgia. Aí eu viajei, não deu para ir. Faz umas duas semanas e ele estava cobrando: "Pô, vai continuar com essa frescura de não querer vir no meu programa?". Mas foi falta de tempo".

Ajudando o amigo Stallone

Juca Varella/Folha Imagem

Quando fez FHC esperar no palácio

O principal ídolo do futebol brasileiro arriscou sua reputação ao aceitar a chefia do Ministério dos Esportes, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. O ex-jogador respondeu pela pasta de 1995 a 1998, em gestão que teve como destaque a implementação da polêmica Lei Pelé.

Mas antes de tudo isso, quando foi a Brasília assumir oficialmente o ministério, Pelé ousou fazer o presidente da República esperar por mais de uma hora. Tudo porque, na saída do hotel, o "Rei" foi interpelado por uma pequena multidão de fãs, sequiosos por autógrafos. O goleador da seleção fez questão de atender um a um.

"Aí o povo começou a chegar e aí vieram: 'Pô, o presidente está esperando'. Eu falei: 'Mas vem cá, eu vim ver o presidente, vocês estão vendo, não estou aqui porque estou atrasado, estou aqui atendendo o pessoal. Então fala para parar, porque eu não vou falar para parar'. Falaram: 'Você é louco, é o presidente'", relatou Pelé.

AFP PHOTO /FABRICE COFFRINI
Pelé e Messi em 2016, em premiação da Fifa

Não jogaria a Champions League

Num tempo em que o campeonato estadual tinha mais peso que a Libertadores para os grandes brasileiros, Pelé descartou insistentes assédios do futebol da Europa. Para o ídolo, na época compensou mais rodar o mundo lucrando com excursões do Santos. Mas e se fosse hoje, o "Rei" disputaria a Champions League por Barcelona, Real Madrid ou outro grande europeu? O ex-jogador dizia que não.

"Acho que não mudava nada [sobre jogar na Europa atualmente]. Porque eu também tive propostas quando eu jogava. Tive várias propostas. Eu fui para o Cosmos porque eu quis. Quando parei de jogar no Santos, eu tinha duas, três propostas para jogar no Real Madrid, no Milan. Eu falei não porque estava parando no Santos, queria descansar e nos Estados Unidos o futebol é mais tranquilo, menos competitivo, menos cobrança", afirmou.

"Quando me ofereciam fortunas para jogar no Real Madrid, me ofereciam e eu não fui. Hoje não acontece isso. Jogador tem uma propostazinha? mas graças a Deus eu fiz certo", concluiu.

Reprodução

Era corintiano?

Se tem algo que cortaria o coração dos santistas seria a confirmação do rumor de que Pelé foi torcedor do Corinthians na infância. Mas o "Rei" sempre manteve a versão de que seu apreço ao time mais popular de São Paulo não passava de uma lenda.

"Não, não? inclusive disseram que eu saí de Bauru, vim treinar no Corinthians e não fui aprovado. Isso aí não é verdade, não", afirmou.

"O que é verdade, que o pessoal parou de falar, na época que meu pai jogava lá em Bauru, eu e meu irmão tínhamos um jogo de botão. Meu jogo de botão era Corinthians, o do meu irmão era Palmeiras. Muita gente falava que eu era corintiano por causa disso. Porque, naquela época, quando começaram a chegar os botões de times, com as equipes, o Corinthians era o time que chegou lá. Eu ganhei, na época não tinham outros times, eram só os times grandes", explicou.

Susumu Takahashi REUTERS

Uma vida inteira como celebridade

Edson Arantes do Nascimento foi uma personalidade reconhecida mundialmente desde os 17 anos, quando encantou o planeta com a seleção na Copa da Suécia, em 1958. "Quando eu saio para viajar com a família, quando eu estou em qualquer lugar, graças a Deus que o pessoal ainda está procurando, e não estão fugindo. Pior era se eu chegasse e falassem: 'Chegou esse cara chato, vamos embora'. Acho que Deus está sendo bom comigo, porque graças a Deus eu ainda tenho boa aceitação", comentou.

"Depois de mais um pouco velho, eu já conheço os lugares que têm mais tranquilidade. Então eu fiquei esses 15 anos, mais 20 anos, que estou indo e voltando para os Estados Unidos, por causa do meu contrato com o Cosmos. Então eu já sei os restaurantes que eu posso ir, que são mais tranquilos, eu sei a igreja que eu posso ir e me confessar, comungar, que não tem muito tumulto, porque o pessoal já está mais ou menos acostumado. Então vou ajustando assim", descreve.

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