Só no museu

Penta completa 20 anos; o que isso representa para a geração que nunca viu o Brasil ganhar a Copa do Mundo

Gabriel Carneiro e Igor Siqueira Do UOL, em São Paulo e Rio de Janeiro ALEX RAMOS/CBF

Quando Cafu subiu no púlpito em 2002, gritou que amava Regina e ergueu a taça de campeão do mundo, eles eram bebês, ou não tinham nem mesmo sido concebidos ainda. Estamos falando de toda uma geração que nunca experimentou o sentimento trazido por uma conquista do Brasil na Copa do Mundo. O título mais recente completa 20 anos hoje, 30 de junho de 2022.

Mais do que referências de uma conquista histórica — que se mostra mais valiosa a cada frustração nos mundiais desde então —, a turma com menos de 20 (ou pouco mais do que isso) cultiva o desejo de ter para si o seu momento de êxtase com a seleção brasileira.

Esse pessoal que poderá usar pela primeira em 2022 o título de eleitor pode também "estrear" em uma Copa do Mundo. Afinal, o bloco dos que jamais experimentaram o sentimento de ver o Brasil campeão mundial faz parte do DNA da atual seleção brasileira. Alguns nomes dessa geração, inclusive, ajudaram a mudar a cara do time de Tite recentemente, como Vini Jr e Antony - os dois chegarão ao Qatar, em novembro, com 22 anos.

Duas décadas depois, a Copa de 2002 virou artigo de museu. O que foi passado adiante desde a vitória na final sobre a Alemanha? Quais são as referências? Quais cenas se imortalizaram por meio de vídeos e dos relatos de quem entendia o que estava acontecendo na Coreia do Sul e no Japão? O UOL Esporte foi entender um pouco isso.

ALEX RAMOS/CBF

Na minha memória, ela fica contada pelo meu pai. Eu passei a infância toda acordando de madrugada porque eu associei que tinha jogo de futebol. Lembranças claras eu não tenho, só olhando no YouTube, imagens, para ter noção. Acho que o Ronaldo foi o que mais marcou.

Matheus Cunha, Atacante da seleção brasileira, que tinha 3 anos em 2002

Pressefoto Ulmer\ullstein bild via Getty Images

A figura mais marcante

Ronaldo foi artilheiro da Copa, com oito gols, sendo dois na final. O Fenômeno ainda adotou, a partir da semifinal contra a Turquia um corte de cabelo histórico, ao melhor estilo Cascão, da Turma da Mônica. Virou tendência na garotada da época e rendeu imagens icônicas para a posteridade.

Eduardo Knapp/Folhapress

O gol mais bonito

Ele queria cruzar ou bater direto? Não importa. A magia do 'bruxo' Ronaldinho Gaúcho resultou no gol mais bonito da campanha do Brasil na Copa de 2022. A cobrança de falta diante da Inglaterra encobriu o goleiro Seaman e resolveu um jogo que estava complicado nas quartas de final.

Lucas Figueiredo/CBF Lucas Figueiredo/CBF

Lembro que eu implorava para a minha mãe para cortar o cabelo igual ao do Ronaldo, mas ela não deixou. Tenho algumas memórias. Os jogos eram todos de madrugada, lembro do jogo em que o Ronaldinho fez o gol, foi cruzar e chutou. Lembro pouco, mas lembro desse gol e da final, a gente indo para a rua comemorar. São os reflexos que vêm na minha mente. Ronaldinho Gaúcho, para mim, é sensacional.

Bruno Guimarães, Volante da seleção brasileira, que tinha 4 anos no penta

Cássio Andreasi/NOTTHESAMO

"Saudades do que eu não vivi"

Todo mundo fala que foi mágico".

O influenciador Vitor Lo nasceu quase um ano depois do penta. Ele fez 19 anos no último dia 14 e é um exemplo de apaixonado por futebol que não tem ideia do que seja ver ou gritar "é campeão" ao término de uma Copa do Mundo. Ao lado do irmão Caio Lo, ele conduz o canal Banheiristas, com 3,6 milhões de inscritos no YouTube.

Palmeirense, ele tem no goleiro Marcos o principal ídolo daquela geração campeã mundial. Mas o que logo vem à mente quando se fala em 2002 é Ronaldo Fenômeno, por causa dos dois gols dele na final. Só que o gol preferido é o de Ronaldinho Gaúcho.

"A bola fez uma curva absurda e entrou no canto do goleiro. Claramente ele queria bater aberto. Os deuses estavam com a gente naquela Copa. Eu lembro bem?. Não lembro. Saudade do que eu não vivi", disse ele, ao UOL, prometendo fazer o corte do Cascão se o Brasil ganhar a Copa no Qatar.

Vitor entendeu há quatro anos o tamanho da dificuldade que é ser campeão do mundo. Ele estava na Rússia. Nas duas Copas anteriores, ele viu um 7 a 1 completamente fora da curva e o Brasil que teve em Felipe Melo, expulso contra a Holanda, o resumo de um time que perdeu a cabeça.

"Senti a energia e vi que dói quando a gente perde. Eu acho gostoso ver a seleção ganhar, jogar bem. Mas até hoje não revi os melhores momentos do jogo contra a Bélgica", comentou Vitor, que apontou também a "falta de sorte" do Brasil.

Para novembro, ele cultiva confiança. Sugere até que a música da seleção seja versos cantados pelo MC Marks: "Se Deus é por nós, quem será contra nós? A favela venceu. Deixa os menor voar".

"A seleção de agora não só tem condição de ganhar, como vai ganhar. O Brasil está bem demais. Chegou a hora. Vini Jr. tá voando. Neymar já está experiente. Neymar é o Rivaldo. A gente não tem o Ronaldo, né, mas vamos ganhar essa Copa".

Reprodução/Instagram

Trapper: "Muita mídia" fez a seleção não ganhar mais a Copa

De mídia, Welisson entende. Aos 19 anos, o cantor de trap nascido em Fortaleza já fez 1,4 milhão de visualizações no clipe da música "Amiga Talarica" lançado há menos de duas semanas com produção de Papatinho. E olha que ainda está longe do sucesso de "Cabra da Peste", que está perto de bater 10 milhões no YouTube.

Para o artista da cena que é muito popular no Brasil hoje em dia, o que impediu a seleção de ganhar uma Copa desde 2002 é o "mundo de fantasia" do esporte: "Acho que o futebol se tornou algo que você prioriza mais tipo fama e seguidores. Tem jogadores, até moleques da base, que se você perguntar qual seu sonho vai ser jogar Champions League, Premier League, jogar no time do Neymar e do Messi. Não é mais jogar pelo Brasil, defender seu país numa Copa do Mundo. Tem jogador que tem muita mídia, mas sem rendimento em campo."

Para Welisson, a principal imagem da Copa do Mundo de 2002 é a "família Scolari", a união de um elenco formado por jogadores de alto nível. Já o lance mais marcante foi o gol do empate marcado por Ronaldo na virada por 2 a 1 sobre a Turquia ainda na primeira fase: "Parecia um míssil teleguiado. Hoje em dia, tem jogador que teria deixado aquela bola passar e teria perdido a oportunidade do gol. Mas naquela época não, os jogadores tinham outra mentalidade."

Confiante no hexacampeonato da seleção no Qatar, o trapper referência da nova geração já sabe até a música que vai substituir "Deixa a Vida Me Levar" como hino da conquista: "País do Futebol", do MC Guimê com participação de Emicida.

Lucas Figueiredo/CBF

Jeito diferente de torcer

A passagem de 20 anos desde o título mais recente do Brasil em Copas deixa um buraco entre o jeito com o qual o torcedor acompanhava o Mundial em 2002 e o cenário atual, de 2022. A começar, nada de redes sociais, streaming ou o conceito de segunda tela — acompanhar o jogo ao vivo na TV, mas dividindo atenção com Twitter ou Instagram, por exemplo.

O contexto atual altera também a relação entre a torcida e os jogadores da seleção. O Brasil sempre teve astros globais. Em 2002, Ronaldo já tinha uma projeção estrondosa, por ter sido o melhor do mundo em 1996 e 1997. Rivaldo recebera o mesmo título individual em 1999. Ronaldinho Gaúcho era um astro em ascensão, enquanto Cafu e Roberto Carlos eram referências mundiais.

Hoje, os torcedores buscam proximidade com os jogadores via redes sociais. Os autógrafos não valem tanto quanto em 2002. O negócio é conseguir uma foto e postar nas redes.

Lucas Figueiredo/CBF

Seleção atual é mais jovem que a do penta

O atual elenco da seleção brasileira é jovem. Na convocação mais recente, para os amistosos contra Coreia do Sul e Japão, a média de idade da lista de Tite foi de 25,8 anos mesmo com as presenças de Weverton (34), Daniel Alves (39) e Thiago Silva (37).

Há vinte anos, a seleção do penta não tinha ninguém tão experiente. Os únicos acima de 30 anos eram Cafu, Rivaldo e Edilson. Só que o grupo não tinha meninos além de Kaká, Kleberson e Ronaldinho Gaúcho, então a média de idade deste elenco cheio de jogadores afirmados era de 26,2 anos.

Uma das explicações para essa diferença talvez seja o aproveitamento da base olímpica. Enquanto Felipão levou só Lúcio e Ronaldinho Gaúcho para a Copa depois das Olimpíadas de Sidney em 2000, Tite tem usado mais medalhistas de ouro de Tóquio-2020: nesta convocação mais recente foram seis nomes. Isso porque Antony estava em tratamento de lesão.

"É outra conquista que estamos tendo, além do ouro: ver nosso trabalho valorizado por Tite e comissão. O que sonhávamos lá atrás era preparar uma equipe para disputar o ouro e melhorar o nível da seleção principal, entregando um bom número de jogadores aptos a estarem na Copa do Mundo. Isso tudo está acontecendo", conta André Jardine, treinador da seleção brasileira no Japão.

Os mais jovens da última convocação têm 21 anos e são os atacantes Gabriel Martinelli, Vini Jr e Rodrygo, numa renovação do ataque que tem sido observada há meses. O que explica a empolgação do agora experiente Neymar: "Aproveitar que a molecada está voando agora, eu só vou empurrar a bola para dentro (risos)".

Rener Pinheiro / Mowa Press

"Se tivessem noção do que é, iriam querer ser campeões todo ano"

Cafu sabe o que é passar mais do que 20 anos de vida sem nunca ter experimentado um título do Brasil na Copa do Mundo. Ele nasceu em 1970 e tinha 14 dias de vida quando a seleção conquistou o tri no México. Em 1994, disputou a primeira das três finais de Copa da carreira e faturou o primeiro dos dois mundiais. O papel hoje em dia é de referência, mas também de torcedor para que o jejum de conquistas não chegue pela segunda vez a 24 anos.

"Espero que eles possam nos ver como ídolos, como pessoas que conquistaram, que chegaram humildemente, trabalhando, e conquistaram o espaço na seleção brasileira, e conquistaram a seleção brasileira. São três finais de Copa do Mundo consecutivas, são quatro Copas do Mundo. Então, uma experiência nós temos. Algo importante para passar para essa garotada", disse o ex-lateral-direito, que nesta semana colocou os pés na calçada da fama no Maracanã.

O recado, portanto, é tentar exprimir em palavras um sentimento que vai além de ver o seu país no topo do futebol. É o privilégio de estar lá como protagonista e ser um dos responsáveis pela festa de um povo, uma geração.

"O que eu poderia falar para essa seleção é que ser campeão é ótimo. Se tivessem noção do que é ser campeão do mundo, do que é a responsabilidade, a alegria, a satisfação de ser campeão do mundo, eles iriam querer ser campeões todo ano", afirmou.

Quem sabe o gosto, enfim, venha em dezembro, no Qatar.

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