Correndo pelas beiradas

Brasileiro Gianluca Petecof vê chance de chegar à F1 ameaçada após perder patrocínio e busca outros caminhos

Julianne Cerasoli UOL, em Londres, Inglaterra Arquivo Pessoal/Instagram @gpetecof

Tudo parecia bem encaminhado para quem via Gianluca Petecof com o uniforme da Ferrari ganhando uma corrida atrás da outra na Fórmula 3 Regional, batendo seu companheiro na equipe Prema e também membro da academia de pilotos do time italiano, Arthur Leclerc, irmão da estrela ferrarista Charles Leclerc. O brasileito entrou no programa ainda com 15 anos, vindo do kart, e seus bons resultados atraíram o patrocínio da Shell. Em uma carreira ascendente, o brasileiro foi vice-campeão na F4 em 2019.

Até que a pandemia por covid-19 varreu seu principal patrocinador ainda na primeira metade do campeonato. Mesmo liderando, ele não tinha como terminar a temporada pela melhor equipe do grid. Com a profissionalização das equipes das categorias de base nos últimos anos, os custos se elevaram significativamente, e aquela história antiga de piloto "se pagar" com resultados virou apenas uma ilusão: quem não levar patrocínio, está fora.

Duas empresas — Matrix Energia e Americanet — passaram a apoiar o piloto, que viu um esforço da própria Prema e da Ferrari em mantê-lo. Mas uma coisa estava clara: se Petecof não ganhasse o campeonato, suas chances de seguir na rota da Fórmula 1 praticamente se esgotariam.

O título veio no começo de dezembro. A premiação de 250 mil euros ajuda, mas não garante a continuidade de sua carreira. A Prema escolheu Leclerc para sua equipe de F3 — o passo seguinte rumo à F1 — numa vaga que custa cerca de 900 mil euros, e Petecof se desligou do time. Agora, o piloto de 18 anos aposta em fechar com uma equipe menor para tentar surpreender em 2021, e conta com uma mobilização dos fãs nas mídias sociais para conseguir patrocínio.

Arquivo pessoal/Instagram @gpetecof
Arquivo Pessoal/Instagram @gpetecof

Campeonato tirou peso das costas

Os primeiros sinais de que a Shell teria que cortar um patrocínio que já durava cinco anos vieram ainda no início do campeonato de 2020 da F3 Regional. Quando Petecof perdeu o apoio, liderava o campeonato. "Foi bem difícil, para ser sincero. Tentei manter minha cabeça no trabalho na pista, mas você conversa com a equipe, com a Ferrari, com meu pai também, que me ajuda nessa parte, e esse é o assunto do momento. Por mais que a situação do campeonato fosse muito boa, fora da pista o cenário era muito delicado", reconheceu o piloto.

Eu tinha total convicção de que, se eu não ganhasse o título, minhas chances de continuar a carreira —pelo menos no caminho que eu queria— seriam mínimas ou talvez, nenhuma. É duro carregar isso com você, mas ao mesmo tempo você tem de estar ciente de que aquela é a realidade."

Com o título, Petecof tirou um peso enorme das costas. "Eu me dei a oportunidade de continuar no que eu venho fazendo há mais de 10 anos. Isso, para mim, é tudo. Não só a carreira profissional, mas minha vida também. Eu abri mão de muita coisa para estar aqui, então conquistar o título me deu muita força para lutar para o ano que vem."

Surpresa com apoio de fãs

Essa luta também sensibilizou os fãs: a história gerou uma reação completamente inesperada para Petecof, que viu seu nome aparecer entre os assuntos mais comentados no Twitter depois que Leclerc foi confirmado na Prema em 2021.

Uma comunidade de fãs de F1 formada nos últimos anos, essencialmente jovem e muito ativa nas redes sociais, levantou a hashtag #PetecofnaF3, produziu projetos para pedir a empresas que apoiassem o piloto e até estudou a possibilidade de fazer uma vaquinha online para garantir um lugar na F3.

"Foi uma surpresa. Fiquei muito feliz por ver o carinho que as pessoas têm por alguém que elas não conhecem pessoalmente. Minha família não tem muito dinheiro, ao contrário de tantas outras no automobilismo, então eu dou um valor imenso para toda oportunidade que eu tenho. E poder ver esse apoio espelhado em tanto apoio é demais. Nunca tinha visto isso antes."

Arquivo Pessoal/Instagram @gpetecof Arquivo Pessoal/Instagram @gpetecof

Um novo caminho rumo à F1

Como não havia conseguido fechar um pacote de patrocínio antes dos testes coletivos da F3, Petecof já sabia que sua situação não era fácil dentro da Prema. Arthur Leclerc também fez um bom campeonato na F3 Regional, tinha o aporte que o time precisava para a temporada da F3 e apoio do empresário Nicolas Todt, um dos melhores do ramo, filho do presidente da FIA, Jean Todt, e que já conta com uma estrutura financeira para seus pilotos (ele trabalhou ou trabalha com Felipe Massa, Pastor Maldonado, Daniil Kvyat e Charles Leclerc).

Com as vagas se fechando rapidamente, o brasileiro aposta em mudar de estratégia: ao invés de buscar andar nas melhores equipes e lutar por vitórias e títulos, procura patrocinadores para o apoiarem a médio prazo em times um pouco menores.

"O exemplo do Tsunoda é muito bom", disse o piloto, referindo-se ao piloto japonês de apenas 20 anos que faz parte do programa da Red Bull e acaba de ser contratado para estrear na F1 pela AlphaTauri.

"A carreira dele na Europa foi muito curta. Fez a F3 em 2019 numa equipe considerada menor, terminou no top 10, e ganhou a oportunidade de correr na Carlin [uma equipe forte da F2] neste ano, ganhou corridas, fez um ótimo campeonato, e foi contratado para ir para a F1."

A ideia é de fazer um ano, digamos, como o azarão, é uma grande oportunidade de me provar com, talvez, outro objetivo -- não o título, mas de surpreender -- e então ter uma oportunidade numa equipe melhor na F3, ou mesmo na F2".

Gianluca Petecof, piloto

Arquivo Pessoal/Instragram @gpetecof

Fazer parte de programa da F1 não garante vida fácil

O caso de Petecof deixou claro que fazer parte de um programa de desenvolvimento de pilotos de uma equipe da Fórmula 1 não é garantia de que a carreira só vai depender dos resultados na pista. Além de Ferrari e Red Bull, Renault e, em menor escala, Mercedes, McLaren e Williams oferecem estrutura para o desenvolvimento dos pilotos e conexões para jovens que sonham em chegar à F1.

É importante ter o suporte para você se desenvolver. Mas o principal é o relacionamento no cenário F1. Hoje é muito difícil você entrar sem ninguém do seu lado, então para a gente tem sido muito importante contar com o apoio da Ferrari nesse sentido."

Essa associação, contudo, não tira a obrigação dos pilotos de buscarem a viabilidade financeira da empreitada, embora os times de F1 possam ajudar, especialmente quando se chega perto da categoria principal.

O valor total pode variar muito, dependendo de quantos anos forem feitos na base e por qual tipo de equipe o piloto corre. Mas calcula-se que o investimento em alguém que passa por toda a escada, do kart à F2, andando por equipes boas, ultrapasse os R$ 60 milhões. Na F1, a não ser que o piloto vá direto para uma equipe de médio a grande porte — o que é raríssimo — esse investimento terá, pelo menos, de dobrar para que ele faça uma temporada.

Arquivo pessoal/Instagram @gpetecof

Existe solução para a crise da base?

A história de Petecof está longe de ser um caso isolado. O automobilismo sempre foi um esporte caro, e, no passado, pilotos que não tinham bons patrocinadores já ficavam pelo caminho, vivendo a realidade de competir sabendo que a premiação pela vitória era fundamental para a continuidade da carreira. O problema é o crescimento exponencial dos orçamentos e a expectativa de que o dinheiro venha dos pilotos.

O próprio Lewis Hamilton, heptacampeão da F1, vem alertando há tempos para a situação. "No mundo de hoje, eu não teria nenhuma chance de chegar à F1 com o dinheiro que tínhamos, uma família de classe média. O esporte está indo na direção errada", disse o piloto em entrevista ao UOL Esporte em 2019. "Não há ninguém surgindo com uma trajetória parecida com a minha. Até porque, se estivéssemos começando agora, não teríamos conseguido. Hoje se gasta 300 mil libras [R$ 2 milhões] logo nos primeiros anos de kart, e a gente não tinha tanto dinheiro. Nossa casa não valia nem perto desse valor, e meu pai teve que refinanciar nosso apartamento umas duas ou três vezes, e ele valia 40, 50 mil libras [cerca de 310 mil reais]."

O britânico propõe que exista um teto de gastos por equipe em cada categoria, a exemplo do que será adotado na F1 a partir de 2021. Mas a aplicabilidade prática disso é questionada. Para Petecof, o ideal seria que o papel das academias de pilotos fosse ampliado.

"Se houvesse uma conexão mais direta, não só das academias de pilotos, mas também dos patrocinadores dos times F1 ou da própria F1 com a base, dando não só um suporte de desenvolvimento, mas também de patrocínio, seria muito interessante", defende o piloto. E como o assunto é corrida, o brasileiro corre contra o tempo para conseguir o suporte que precisa. Como os testes da pré-temporada da F3 começam no final de fevereiro, o ideal é que sua situação esteja definida pelo menos até o final de janeiro.

Arquivo pessoal/Instagram @gpetecof Arquivo pessoal/Instagram @gpetecof

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