Japonês (quase) brasileiro

O meia do Honda se esforça para aprender português, se arrisca no samba e se preocupa com questões sociais

Bernardo Gentile Do Uol, no Rio de Janeiro Divulgação/Botafogo

Keisuke Honda é o mais novo xodó da torcida do Botafogo. O japonês não precisou de muito tempo para conquistar seu espaço no coração dos torcedores após a chegada dele em fevereiro ano. Foi recebido com uma grande festa no aeroporto e, depois, no estádio Nilton Santos. E nem mesmo as diferenças culturais e a barreira do idioma fazem com ele se sinta menos em casa no clube brasileiro.

O jogador, ídolo em seu país, chegou ao Brasil com a intenção de fazer história. Logo na estreia, em março, contra o Bangu, pelo Campeonato Carioca, marcou de pênalti, mostrando que quer ser protagonista.

O idioma ainda é uma barreira na tentativa de se estabelecer no Rio de Janeiro e criar raízes no Botafogo, mas ele se esforça . Além do japonês, Honda fala inglês, tem familiaridade com idiomas latinos por ter jogado no Milan, da Itália, e no Pachuca, do México, e está aprendendo português.

No vestiário, a famosa resenha dos brasileiros passa quase batida por Honda, que não entende a maioria das brincadeiras. Para não ficar de fora dos assuntos mais sérios, o japonês contratou um professor de protuguês que também tem atuado como interprete e o acompanha sempre que possível. Apesar das barreiras, há um sentimento coletivo de que Honda é, de verdade, um cara do bem e que está ali para ajudar no que for preciso. Dentro de campo, os jogadores se entendem no olhar. Fora dele, o japonês está à vontade e até arrisca uns passos de samba com companheiros de clube.

Divulgação/Botafogo
Vitor_Silva/Botafogo

Tímido, caiu nos braços da torcida

A chegada de Honda ao Brasil foi espetacular. Antes da pandemia, quando eram permitidas aglomerações, a torcida do Botafogo fez festa para receber o jogador no aeroporto e, depois, na apresentação no estádio Nilton Santos. Foi o suficiente para o japonês perceber o calor do povo brasileiro e revelar que nunca havia sentido tanta "paixão" em toda a sua carreira. Mesmo parecendo um pouco tímido, o japonês não conseguia esconder a felicidade e a empolgação por estar vivenciando emocionante capítulo da sua carreira.

Na primeira entrevista coletiva no clube, Honda, que tem 34 anos, revelou que o calor humano dos botafoguenses foi fiel da balança na escolha do destino. "Para ser honesto, tive algumas ofertas da Europa e da Ásia, além do Botafogo. Não foi fácil, porque muitos outros clubes também fizeram boas ofertas. Pensei o que era o melhor para mim e para a minha família. Decidi vir para cá porque estavam esperando por mim. Senti essa emoção deles, essa animação. Acho que essa paixão dos torcedores me fez decidir vir para cá".

Após a euforia, Honda passou a ser alvo de uma curiosidade geral: como era ele no dia a dia? O japanês é muito educado, curte uma resenha?

A verdade é que o senso de profissionalismo de Honda logo chamou atenção. Muito metódico com suas obrigações, confirmou as expectativas do clube e da torcida e mostrou-se um atleta de alto rendimento logo nos primeiros dias de Rio de Janeiro.

Honda é um cara muito educado, simples e está super adaptado. Ele é muito tranquilo, caseiro, focado no trabalho. Gosta muito de todos do elenco e está feliz no Botafogo

Marcos Leite, empresário responsável pela negociação que trouxe o japonês para o Alvinegro

Vitor_Silva/Botafogo

Ensinando inglês a jovens da base

Quando chegou ao clube, Honda revelou que só sabia falar três frases em português: "obrigado", "muito prazer" e "Botafogo". Mas a dificuldade na comunicação não parece ter sido empecilho para a aproximação com os novos companheiros e participar inclusive das brincadeiras.

Evidentemente, Honda acaba tendo mais proximidade com jogadores que já tiveram experiência internacional, entre eles Guilherme Santos, que jogou uma temporada no Júbilo Iwata, do Japão, além do atacante Pedro Raúl e do meia Cícero. Com a chegada de Salomon Kalou, da Costa do Marfim, o grupo aumentou.

Ele também se aproximou dos jovens formados nas categorias de base. A relação com os mais novos é especial, sobretudo, com o zagueiro Marcelo Benevenuto, que já foi flagrado em diversas tentativas de resenhas com Honda nos bastidores. Ele, inclusive, passou a fazer aula particular de inglês por incentivo do japonês. "Vai servir não só para comunicar com ele. Ele me mandou eu estudar pelo menos 30 minutos por dia e eu fiquei com isso na cabeça. No dia seguinte, comecei a estudar inglês e mandei para ele no WhatsApp. Ele falou: "Muito bom". Mandou para mim: 'What is your name?', e eu respondi: 'My name is Marcelo'", contou Benevenuto aos risos.

Caio Alexandre também não fica atrás. Os dois dividem o meio de campo, e o entrosamento aumentou não só no gramado, mas também no vestiário. Honda já se sente à vontade até para fazer brincadeiras com o garoto. Após uma vitória botafoguense no Nilton Santos, o jovem volante concedia entrevista, e o japonês passou perto gritando o nome do companheiro: "Caaaaaaaiiioooooo". Não precisa nem dizer que a brincadeira virou meme na torcida do Botafogo, ne?

Eu não sei falar português, mas os jogadores foram muito acolhedores comigo, foram muito amáveis quando eu cheguei aqui. Estamos nos comunicando bem e estou muito confortável no Botafogo. Sou muito grato a eles.

Keisuke Honda, à TV Botafogo

Vitor_Silva/Botafogo Vitor_Silva/Botafogo

Samba no pé? Mais ou menos

O bom relacionamento de Honda com os companheiros fica evidente quando o clube divulga imagens dos bastidores após as partidas. Depois do jogo em que o Botafogo eliminou o Vasco na Copa do Brasil, no mês passado, Honda participou ativamente da comemoração com os companheiros de clube ainda no gramado de São Januário.

Primeiro acompanhou a festa com palmas, repetindo "very good" (muito bom em português) até ser convidado por Matheus Babi para dançar. O japonês não desprezou o convite e caiu no samba.

Pode até ser que tenha faltado uma pitada do gingado brasileiro ao japonês (como se pode ver no vídeo abaixo), mas o carisma e o bom relacionamento com os companheiros chamam a atenção.

Vitor_Silva/Botafogo

Filantropia e doação de dinheiro a brasileiros

O futebol não é a única atividade a qual Keisuke Honda se dedica. O japonês é dono de dois clubes — um em Uganda e outro no Camboja— e de diversas escolinhas de futebol espalhadas pelo mundo. Fora do esporte, tem empresas e atua na bolsa de valores com fundo de investimentos. Mas as atividades filantrópicas são as que mais dão prazer ao japonês. Muito preocupado com a desigualdade social e falta de acesso de jovens à educação, ele criou uma escola no Japão para jovens entre 12 e 18 anos com custo de US$ 1 por mês.

"Tenho atividades como educador, investidor e também empreendedor. Em 2008, comecei a jogar em outros países e vi as crianças e pessoas em situações lamentáveis. Portanto, quis ajudá-los", disse Honda em sua primeira coletiva após ser contratado pelo Botafogo. A ideia é fazer algo semelhante também no Brasil, já que as desigualdades sociais no país impressionaram o japonês.

"Ele vê os meninos na rua e fala o tempo inteiro que isso não está certo. Que era para estarem estudando. Que deviam ter o mínimo de educação e condições básicas. No primeiro dia de treino do Matheus Nascimento [de 16 anos], eles foram apresentados, e o Honda perguntou logo ao Matheus foi como estava na escola, se ele estava estudando. Ele é muito preocupado com isso", afirmou Jean Abreu, professor de português e intérprete do japonês.

Durante a paralisação pelo coronavírus, o japonês abriu mão do próprio salário e ofereceu ajuda financeira ao clube, que recusou. Em 9 de agosto, anunciou pelo Instagram que doaria R$ 500 por dia para brasileiros até o fim do ano para ajudar durante a pandemia.

A partir de hoje, estarei doando R$ 500 diariamente para um de meus seguidores brasileiros, até o fim desse ano, cada dia um vencedor diferente. Não importa a cor da sua pele, sexo, nacionalidade, time que torce. Somos todos iguais e estou aqui para criar oportunidades a todos, dar esperança e abrir portas.

Keisuke Honda , pelo Instagram

Honda se vira no inglês e arrisca no portunhol

Com tantas atividades dentro e fora do campo, falta tempo para Honda se dedicar a aprender português. Ele até contratou um professor após anúncio no Twitter, mas Jean Abreu acaba fazendo mais a função de tradutor do que dá aulas ao japonês.

"Não foram muitas aulas, não. Ele tem uma vida muito corrida. Hoje eu ajudo mais traduzindo quando há a necessidade. Ele tem muitos projetos, mas sempre que dá fazemos uma aulinha", disse Jean ao UOL Esporte.

Para facilitar ainda mais a adaptação, o professor mora na casa de Honda e está sempre disponível. O tradutor também acompanha o japonês em todos os treinamentos e jogos —até mesmo em alguns fora do Rio de Janeiro. "Tenho meu cantinho lá na casa dele e sempre que ele precisa, me chama. Mas não é que ficamos convivendo o dia inteiro", explicou Jean Abreu.

A verdade é que, embora o idioma ainda seja uma barreira, Honda até consegue se virar. Ele já havia jogado no Pachuca, no México, e, portanto, já tinha tido contado com o espanhol. As poucas aulas particulares também já ajudaram com o básico. Fora isso, alguns jogadores e membros da comissão técnica conseguem se comunicar em inglês.

Arquivo Pessoal/Instagram@keisukehonda

O time de Honda fora de campo

Historicamente, os jogadores de futebol preferem morar na zona sul do Rio de Janeiro, mas o japonês escolheu a Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, por causa da proximidade com o estádio Nilton Santos, onde treina diariamente.

A ideia era trazer a família toda para o Rio, mas pandemia do novo coronavírus atrapalhou os planos. Apesar disso, ele não está sozinho e montou uma equipe para ajuda-lo na adaptação, além do professor Jean Abreu.

Honda também trouxe um preparador físico, que segue com ele até hoje. Havia também um profissional de mídia, mas que já voltou ao Japão.

A equipe de Honda ainda conta com um motorista, que o leva diariamente para os treinos em Engenho de Dentro e para conhecer a Cidade Maravilhosa, além dos funcionários que tocam o andamento de sua casa.

Carl Court/Getty Images

Botafogo achava que era sonho impossível

Ídolo do futebol japonês, Honda jogou quatro Copas do Mundo e marcou quatro gols em três delas, o que o coloca em uma seleta lista de grandes craques que balançaram as redes em diferentes edições de mundiais. O recordista é o português Cristiano Ronaldo, que balançou as redes adversárias sete vezes em quatro Copas do Mundo. Com os quatro gols no maior torneio de futebol do mundo, Honda supera estrelas brasileiras como Ronaldinho Gaúcho e Kaká.

Honda foi revelado pelo Nagoya Grampus, em 2005. Três anos depois, foi vendido ao VVV-Venlo, da Holanda, e jogou ainda no CSKA de Moscou antes de se transferir para o Milan, da Itália, em 2014. Após sucesso no time italiano, Honda se aventurou em times que normalmente não estariam na mira de um jogador asiático, como Pachuca, do México, e Melbourne Victory, da Austrália.

Mesmo com esse histórico de destinos inusitados, a diretoria do Botafogo achou que se tratava de um sonho impossível a contratação do japonês. As conversas foram intermediadas pelo empresário Marcos Leite, que também foi o responsável pela vinda de Salomon Kalou.

Apesar de ter atuado com um 10 na maioria dos clubes por onde passou, exercendo a função de meia, no Botafogo de Paulo Autuori, Honda recebeu a camisa e 4 e vem desempenhando o papel de volante. Isso explica os poucos gols marcados até aqui: apenas dois.

Mas Honda não precisa de gols para ter sua importância reconhecida. Titular absoluto, ele tem ajudado de outras maneiras, como o time precisa

Vitor_Silva/Botafogo Vitor_Silva/Botafogo

Alongar permanência? É possível

Um dos grandes objetivos de Honda é disputar a Olímpiada de Tóquio, que foi adiada por contra da covid-19. O sonho permanece vivo, mesmo que sem data. E esse é um dos motivos que podem fazer com que o japonês renove contrato com o Botafogo.

Pelo lado da diretoria, a chegada de Honda fez o número de sócio-torcedores aumentar de 21 mil para mais de 32 mil. O objetivo é conseguir 40 mil associados.

O contrato do japonês com o Alvinegro termina no fim de dezembro, mas o consenso até aqui é que a permanência de Honda no Brasil é benéfica para os dois lados e não veem não haverá dificuldade para ampliar o vínculo pelo menos até o fim da temporada atual, em fevereiro.

O que já se imagina, embora as conversas ainda não tenham se iniciado, é uma renovação mais longa, já visando a temporada 2021. Algumas sinalizações já foram dadas nesse sentido, mas ainda não há nada de oficial.

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