O ressurgimento

Rafael Cabral estourou ao lado de Neymar, ficou 3 anos sem jogar na Itália e agora fecha o gol do Cruzeiro

Lohanna Lima Colaboração para o UOL, em Belo Horizonte Thomas Santos/Staff Images

A posição de goleiro é repleta de peculiaridades dentro do futebol. Geralmente, as equipes apostam na experiência dos atletas que vão defender suas metas e buscam nomes consagrados para vestirem a tão importante camisa 1. No Santos de 2010, a história foi diferente. O Peixe optou por um dos meninos da Vila para defender o gol santista: o então jovem de 20 anos, Rafael Cabral.

O jogador não sabia, mas começava ali um trabalho que transformaria essa geração de garotos em uma das mais vitoriosas do clube. Rafael ganhou exposição até internacional com o título da Libertadores em 2011, mas não chamava atenção só por fazer companhia às coqueluches Neymar e Ganso. Seguro, com personalidade, também virou atleta de seleção brasileira e se inseriu na pauta do mercado da bola e se transferiu para o Napoli em 2012.

A Itália há tempos já era território próspero para os arqueiros brasileiros. Acontece, em Nápoles, Rafael se viu numa situação ingrata. Depois de mostrar serviço nas primeiras temporadas, ficou depois três anos sem jogar direito, em meio a uma série de lesões e à concorrência com Pepe Reina, veterano consagrado na elite europeia. Após longa espera, se transferiu para a Sampdoria até mudar de país e defender o Reading na Segunda Divisão inglesa. Para o futebol brasileiro, a promessa ficou esquecida.

Agora, mais de uma década depois de seu lançamento na Vila Belmiro, Rafael Cabral ressurge, aos 32 anos, junto com o Cruzeiro, líder disparado da Série B. Se a missão de suceder o ídolo Fábio já seria difícil para qualquer jogador, adicione aí a responsabilidade também de, enfim, ajudar a defender a Raposa à elite nacional.

Pois, jogo após jogo, o camisa 32 celeste foi se firmando, quebrando marcas de nomes como Dida e o próprio Fábio. Hoje, já pode ser considerado um pilar da reconstrução celeste. Eles parecem prontos para reassumir o protagonismo do passado.

Thomas Santos/Staff Images

Quando saiu minha rescisão [no Reading], recebi ligação de um time da Champinship, tive a possibilidade de ir para um time da Premier League, mas era para ser segundo goleiro e eu não queria isso para mim. Houve também uma possibilidade de ir para os EUA e até para outro time do Brasil. Aceitei o Cruzeiro pelo projeto, pela grandeza do clube, pelo desafio."

Rafael Cabral, em exclusiva ao UOL Esporte

Para muitos, ganhar uma Libertadores é maior que ganhar uma Série B. Eu,graças a Deus, já ganhei uma Libertadores. Mas talvez ganhar a Série B vá ser o momento mais importante da minha carreira, considerando esse momento do clube. Então, quero mesmo é poder ajudar e construir a minha história, a história do goleiro que ajudou o time a conquistar o objetivo principal."

goleiro do Cruzeiro, em bate-papo na Toca da Raposa 2

Thomas Santos/Staff Images Thomas Santos/Staff Images
Dino Panato/Getty Images

Isolado do campo

Em julho de 2013, após tantas conquistas pelo Santos —Copa do Brasil (2010), a Libertadores (2011), a Recopa (2012) e o tricampeonato paulista (2010, 2011, 2012)—, Rafael Cabral foi vendido ao Napoli por R$ 11 milhões, referentes a 70% dos direitos econômicos.

Em janeiro daquele ano, a Roma já havia tentado a contratação do atleta, mas não houve acordo entre os clubes, segundo o próprio Cabral revelou ao UOL.

No Napoli, Rafael jogou 11 jogos na temporada 2013/14 após a lesão de Reina. No ano seguinte, o goleiro espanhol foi para o Bayern de Munique, e Cabral virou titular, defendendo o clube em 32 oportunidades, incluindo a Liga dos Campeões.

No entanto, o Napoli foi novamente atrás de Reina, e aí o veterano teve passagem duradoura. Rafael amargou o banco de reservas por três temporadas. O jogador não fiou exatamente satisfeito com a situação, e tentou sair diversas vezes, mas o clube italiano não permitia.

Foram três anos em que eu não era a primeira opção. E na nossa profissão de goleiro, quando você não é o titular, joga apenas usando alguém se machuca ou acontece alguma coisa. Foram três anos assim. Eu tinha proposta para sair, e o clube não me liberava. Eles dizem que confiavam em mim, que era o goleiro do clube e, se precisasse, ia jogar. Era mais uma questão de confiança mesmo. Eu me sentia honrado por isso, mas ao mesmo tempo eu queria sair."

Rafael Cabral, sobre uma longa espera no Napoli

Scott Heavey/Getty Images

A maior frustração

Antes de se transferir para a Europa e dessa, digamos, reclusão em Nápoles, Rafael Cabral viveu o que considera a maior frustração da sua carreira. O jogador foi cortado da seleção olímpica três dias antes da estreia após uma lesão no cotovelo em um treinamento já em Londres —até retrato oficial já havia tirado (foto ao lado). Não seria daquela vez que a equipe levaria o então inédito ouro, mas o goleiro também ficou sem a prata.

Curiosamente, Cabral havia passado por sensação parecida alguns anos antes. Em 2009, ele se preparava para estrear pelo Santos, quando quebrou a perna em um lance de treino.

"Com certeza foi a maior tristeza que eu tive na minha carreira. Em 2009, quando eu quebrei a perna no Santos, eu não entendia, me reocupei, mas o Santos era um time que estava brigando para não cair, não estava legal. No fim das contas, eu acabei jogando em um time que encantou o país, ganhou muitos títulos", lembrou.

"Já nas Olimpíadas foi a maior frustração profissional que eu tive porque querendo ou não, forma três anos de preparação. Mas ao mesmo tempo a gente tem que cair e levantar porque depois disso eu vivi muita coisa."

VI Images via Getty Images

'Eu sempre entendi'

"Tive proposta da Inglaterra, da Espanha, do Brasil. Tive algumas coisas interessantes para mim, mas que não foram para o clube. Eu vinha sem jogar, era interessante para mim, mas para eles não. Talvez se tivesse chegado algo melhor para eles, eles teriam me vendido na época. Eu entendo, sempre entendi, fui muito feliz lá, mesmo não jogando", relembra Rafael Cabral.

Apesar do longo período como reserva do Napoli e uma transferência para a Sampdoria que também não resultou em minutos no "Calcio", Rafael Cabral diz não ter arrependimentos. Mesmo com tantas propostas recusadas, ele não quis se indispor com a diretoria para forçar uma saída. Ao mesmo tempo, também tinha ciência de como oferecia mais qualidade de vida à família.

"Eu não arrependo de nada que vivi no Napoli, porque o goleiro que sou hoje, a pessoa que me tornei, tudo foi graças ao que eu vivi lá. Meu casamento, minha filha nasceu lá. Foi muito importante no geral. Poderia ter brigado para sair diante das propostas que eu tive para sair? Poderia, mas não é o meu perfil. Não é meu perfil não treinar, não ser profissional. Eles me compraram, fui valorizado, assinei um contrato. Por todos os lugares que passei, eu saí pela porta da frente", enfatizou.

Com o Reina, o clube me levou e disse que eu ia jogar menos porque era importante aprender o idioma e depois jogar mais. Levaram nós dois. Foi sempre uma ótima relação, nos falamos há pouco tempo, e ele me deu os parabéns pelo meu momento. Ele joga demais com os pés, aprendi muito com ele. E tenho uma amizade legal come ele."

Rafael Cabral

Clive Mason/Getty Images Rafael Cabral, envolto por fumaça de sinalizador, ainda pelo Reading em janeiro de 2022

Rafael Cabral, envolto por fumaça de sinalizador, ainda pelo Reading em janeiro de 2022

Nem tão Segundona assim

Para voltar a ser titular, Rafael Cabral aceitou uma proposta que gerava desconfiança em um primeiro momento. O jogador foi procurado pelo Reading, da Inglaterra, que disputava a Segunda Divisão (EFL Championship). Inicialmente, Cabral não queria, mas conversando com outros atletas foi convencido de que a organização e a estrutura oferecidas eram do mesmo nível da Premier League.

"Eles diziam que a organização era a mesma da Premier League. A proposta foi muito importante, melhor do que (uma) da Série A da Itália. Eu não fui por dinheiro, mas pensei: se eles chegam a esse nível, quer dizer que algo tem", afirmou.

Após duas temporadas e 97 jogos em sequência, Cabral foi sacado do time depois de ficar apenas um jogo fora devido a uma contusão na mão —fato que o jogador não consegue explicar até hoje.

"Fiquei fora de um jogo apenas, o time venceu, e quando eu voltei, o treinador disse que seguiria com o outro goleiro [o norte-irlandês Luke Southwood, de 24 anos]. Sendo bem sincero, eu não tenho como explicar, porque eu estava jogando, e bem. Mas acredito que tenha sido mais pelo fair play financeiro porque o clube estava passando por essa dificuldade. E foi o que eu precisava para trocar de clube, para dar continuidade", completou.

Rafael Cabral se estabeleceu por ali. Ainda que, em tempos sem pandemia, possa ter visto belíssimos campos e estádios com arquibancada cheia, com boa remuneração, o fato é que a competição não trazia muita visibilidade para o público brasileiro. Então é como se o seu exílio fosse prolongado. Já tinha dado: fez se último jogo pelo clube foi em 8 de janeiro deste ano, pela Copa da Inglaterra, e se despediu da torcida na semana seguinte, já a caminho da Toca da Raposa.

Gustavo Aleixo/Cruzeiro Gustavo Aleixo/Cruzeiro
Thomas Santos/Staff Images

Quatro pênaltis, chave virada

Se Rafael Cabral buscava, basicamente, um recomeço no Brasil, o Cruzeiro também estava repaginado. Em rodadas tensas de renegociações de contratos estabelecidos pelo clube e muitas dispensas, a SAF de Ronaldo buscava um novo goleiro após a saída conturbada de Fábio.

Foi natural que, num primeiro momento, ao ser anunciado, enfrentasse rejeição. Não exatamente por seu currículo ou pelo desempenho nas primeiras partidas, mas pelos laços afetivos abalados dos torcedores que não tenham aceitado bem o modo como Fábio foi tratado.

"Motivo de orgulho de ter sido escolhido pelo clube nesse momento de sucessão, de jogar após o Fábio que é o que conquistou mais títulos e tem o maior número de jogos pelo clube e eu ter sido escolhido foi uma honra", disse.

O jogo talvez definitivo para afirmação de Rafael Cabral como substituto do ídolo valeu a classificação às oitavas de final da Copa do Brasil. A equipe mineira sofreu, mas eliminou o Remo na disputa por pênaltis, com o arqueiro tendo defendido simplesmente quatro cobranças.

"Então não sou um cara que me abato quando erro e sou criticado, mas também não me empolgo quando os números são bons e elogios chegam. A repercussão dos pênaltis foi grande, foi em Copa do Brasil nas ruas as pessoas passaram a contar, a querer tirar foto. Pode ter sido uma mudança de chave para muitos torcedores, mas eu vim aqui para trabalhar", disse.

Thomas Santos/Staff Images

A missão cruzeirense

Recentemente, Rafael Cabral completou uma sequência de sete jogos em tomar gols, batendo marcas de Fábio (cinco jogos em 2012 e em 2019) e de Dida (seis jogos em 1997). A defesa cruzeirense está entre as melhores da Série B. Mas o mesmo pode ser dito sobre o ataque. O que mostra que, depois de dois anos de penúria na Segundona, a Raposa pode ter encontrado o equilíbrio necessário para buscar para valer o acesso.

Um time equilibrado, mas não estático, que vai alternando sistemas, à medida que o técnico uruguaio Paulo Pezzolano entende seus jogadores e a nova competição. Rafael Cabral é apenas um das mais de dez caras novas que compõe um grupo, em suas palavras, "humilde, trabalhador, mas que também sabe desfrutar" do bom momento.

Para quem ficou tanto tempo sem jogar, desfrutar do futebol pode passar até mesmo pelas derrotas, algo que não tem acontecido muito com a Raposa. Ainda assim, Rafael Cabral procura manter a mesma serenidade que teve para encarar os tempos de reserva em Nápoles.

Não tenho essa pretensão de ser melhor que ninguém, bater os recordes ou entre aspas responder alguma crítica. Eu quero é trabalhar e ajudar o meu time. No fim das contas, o que dá prazer é falar que ajudei meu time na hora certa. Só com isso que me preocupo. Tem gente que vai gostar de mim, tem gente que não."

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