De repente, 14

Mais jovem medalhista olímpica do Brasil, Rayssa Leal faz aniversário: "Saudade dos meus 10 anos"

Paulo Anshowinhas Do UOL, em São Paulo Tauana Sofia/Jóias HStern

Capricorniana, corintiana, maranhense e estrela: nesta terça-feira (4), Rayssa Leal completa 14 anos. O número parece ser a conclusão de um período que fez a skatista entender o peso do fim da infância. No ano passado, ela se tornou a mais jovem medalhista olímpica do Brasil e a sétima mais jovem da história dos Jogos no mundo; conquistou, ainda, uma legião de fãs —não apenas pelo talento inquestionável, mas pela irreverência e diversão de que o esporte tanto precisa.

Rayssa ficou conhecida como "Fadinha do skate" depois que um vídeo em que aparece fantasiada de Sininho [personagem de Peter Pan] realizando um heel flip viralizou. O apelido, entretanto, já não faz mais parte de quem Rayssa é: aos 14, a adolescente que adora videogame e Homem Aranha não quer mais ser a "Fadinha". Ela quer ser Rayssa. Apenas.

Sua medalha de prata nas Olimpíadas valeu ouro, e vai continuar valendo por muito tempo, uma vez que a menina está vivendo um processo de plena evolução como skatista, garota propaganda e adolescente.

Do interior do Maranhão para outdoors na Time Square, em Nova York, capas de revista de produtos de luxo e tapete da fama na Alemanha, Rayssa é um sinônimo de sucesso com muita resiliência, determinação e evolução, e prova a cada dia que pode ir muito além.

Tauana Sofia/Jóias HStern

Agenda apertada

Rayssa divide a agenda entre treinos, ações publicitárias e gravações de comerciais para seus —pasmem!— 12 patrocinadores. Participa de premiações nacionais e internacionais, campeonatos no Brasil e lá fora; a skatista, ainda, cursa o primeiro ano do ensino médio e faz aulas de inglês.

Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, a atleta revela as novas manobras que anda treinando e a quantidade de testes de covid-19 a que é submetida —foram 200 só no ano passado. "Não, espera. Acho que uns 100", ri. Diz, ainda, o que pretende fazer para conciliar a rotina do esporte com a escola, descreve seus sonhos e a ligação com os também skatistas Tony Hawk e Letícia Bufoni.

Antes de iniciar a conversa, no entanto, a adolescente pediu um minutinho "porque o irmão estava dando um show ao lado dela". Durante a entrevista, precisou desligar o celular, uma vez que não parava de tocar. Estrela é assim. Só que a jovem skatista normaliza a própria vida e se descreve: "Rayssa é uma menina de 14 anos que anda de skate, gosta de jogar futebol, videogame, ama sua família e adora inspirar outras meninas".

Gabriel Bianchini/Nike

Futura veterinária

O esporte ocupa a maior parte do tempo de Rayssa, e a forma apaixonada como ela lida com ele é a consagração de um talento. Só que não é só do skate que a maranhense quer viver. Além de concluir o ensino médio, que vai começar a cursar neste 2022, a atleta sonha em fazer faculdade. "Quero ser veterinária, e espero muito que eu consiga continuar a estudar. Quero me formar e trabalhar com isso", diz.

Rayssa gosta de estudar. O curso de inglês precisou ser adaptado à realidade da atleta, assim como a escola, por causa das viagens. "Estudo entre as competições e quando estou em casa. A escola se adaptou à minha rotina, então, mesmo quando estou fora, faço chamadas com os professores, a gente faz bate-papo. Acabo aprendendo do mesmo jeito", conta.

Morar fora do país é um plano, a jovem conta, que deve ser concretizado assim que ela terminar o segundo grau. Ela também não quer se mudar sem a família —por quem o amor fica claro em suas palavras. Rayssa considera estar com os pais, o irmão e os amigos, o melhor presente de aniversário que poderia ter.

"Meu aniversário é um dia muito especial para mim. Só que não vou ter festa, como tive aos 12 anos, porque ainda estamos em uma pandemia e não podemos aglomerar. Quero estar com as pessoas que amo e, se possível, trazer a Letícia [Bufoni] para conhecer Imperatriz."

Julio Detefon/Divulgação Julio Detefon/Divulgação

Filha de guerreiros

Os pais de Rayssa foram imprescindíveis para que a filha chegasse às Olimpíadas aos 13 anos —e já medalhasse no primeiro ano em que o skate se tornou esporte olímpico. Parafraseando Charlie Brown Jr., "filho de guerreiro, a família vem primeiro".

As condições financeiras da família eram complicadas, mas a mãe de Rayssa se esforçava para ajudar a filha a praticar o esporte que tanto gostava. "Minha esposa assistia a vídeos na internet, de skate, e mostrava para ela. Ela assistia e tentava copiar. Tentava, treinava, treinava, treinava. Daí a mãe dela ajudava a aperfeiçoar —depois de aprender pela internet como ensinar a filha a fazer as manobras. E assim seguiam as duas até ficar tudo bem redondinho", diz Haroldo Leal, o pai, em entrevista ao UOL Esporte.

Não é à toa que, com a medalha no peito, o carinho de Rayssa foi direcionado aos pais. "Não consigo explicar essa sensação. Depois de todo o esforço que minha mãe fez, essa medalha é muito especial para mim. Ela e meu pai me apoiaram desde o início", disse, ao ganhar a prata.

"Meu pai e minha mãe estiveram nos melhores e nos piores momentos [da trajetória]. Saíram com a cara e a coragem para estar aqui, no meu primeiro campeonato olímpico, estreia do skate no evento. Estou com uma medalha na mão. É muito especial", afirmou, em Tóquio.

Gabriel Bianchini/Nike

Currículo meteórico

Em seis anos de atividades ininterruptas, Rayssa saiu de Imperatriz, no Maranhão, [cidade com 260 mil habitantes, segunda maior população do estado], para conquistar o mundo com sua simpatia, energia e alegria de viver, além de um bom número de manobras perfeitas realizadas em momentos de grande pressão.

Foi apadrinhada pelos melhores skatistas do Brasil como Letícia Bufoni, Kelvin Hoefler, Pâmela Rosa e, em 2016, se tornava bicampeã brasileira de skate —quando postou novamente foto fantasiada de Sininho com a frase: "I believe I can fly" [eu acredito que eu posso voar, em tradução literal]

Em 2018, se tornou tricampeã brasileira de skate, e fez sua primeira viagem internacional, dizendo que estava vivendo um sonho. No mesmo ano, posta uma foto fantasiada e diz que "agora cansei de ser Fadinha, agora sou Mulher Maravilha".

No final de 2018, se veste de Mamãe Noel de skate e anuncia sua entrada na Street League e no Centro de Treinamento do Time Brasil, como integrante da seleção brasileira de skate.

Em 2019, começa sua carreira internacional fantasiada novamente de Sininho com a frase: "The little fairy is back" [a Fadinha está de volta, em tradução livre]; fica em terceiro na SLS de Londres, é campeã em Los Angeles, fica classificada para o X Games, e se torna campeã brasileira em São Paulo, além de posar para uma campanha da Nike na qual diz: "Estou crescendo".

Mesmo com a pandemia em 2020, Rayssa vai para a Alemanha como indicada ao Prêmio Laureus Awards, como esportista de ação do ano, e é paparicada pelo "tio" Toninho — apelido carinhoso que deu para Tony Hawk, que gravou um heel flip dela no tapete da fama. Termina o ano como campeã brasileira no OI Stu.

Gabriel Bianchini/Nike

O ano de Rayssa

O marcante 2021 foi o ano de Rayssa. Além de os Jogos Olímpicos terem virado a vida dela de cabeça para cima, "aconteceu mais um monte de coisas legais". No STU, campeonato realizado em dezembro, no Rio de Janeiro, a menina foi ovacionada pela torcida brasileira —o que, devido à pandemia de coronavírus, não aconteceu em Tóquio. Foi uma novidade para ela.

"Eu estava em semana de provas, fiquei um pouco doente na semifinal e na final. Mas essa força me levantou. Estar lá e poder me divertir foi muito legal."

A atleta já se acostumou com a fama, apesar do pouco tempo a que foi submetida a ela. O reconhecimento, os autógrafos e as entrevistas são consequências que, de forma alguma, a incomodam. "Já me acostumei, mas no começo foi bem louco. O que a gente faz pelo skate é muito louco, então muita gente quis me conhecer, tirar foto, pedir autógrafos. É uma forma de marcar esse momento e, não, não me incomoda, pelo contrário. Fico feliz".

Para 2022, as expectativas são as melhores. Se tornar profissional é a primeira delas, segundo a skatista. Entre os sonhos que ainda não se tornaram realidade, ela destaca vencer o Mundial da Street League. "Ainda não chegou a hora, mas sei uma manobra muito boa, que ainda está na trave. Não preciso esconder, é um Cab Lip [Caballerial Lipslide] de backside", diz, alegre.

"Também cogito treinar no park para Paris-2024 também. Aqui em Imperatriz não tem park, então não treino esse estilo por aqui. Mas sempre que vou a São Paulo, faço isso. Vou treinar bastante para competir nas duas modalidades."

Minha vida depois das Olimpíadas mudou bastante. Antes de entrar na pista aquele dia, eu tinha 500 mil seguidores no Instagram. Quando saí, estava com 3 milhões. É muito louca essa mudança, mas eu fico muito feliz, principalmente porque comecei a inspirar mais meninas e incentivá-las a começar no skate.

Rayssa Leal

Reprodução Instagram

Amiga dos craques

Foi em Tóquio, ainda, que a menina surpreendeu o público ao papear de forma amistosa com o ídolo do skate Tony Hawk. A relação entre os dois mostra que a dancinha na final olímpica não é marra: Rayssa chama o maior skatista da história de "Toninho" —e ele tuíta sobre a menina desde 2015, quando ela tinha sete anos.

"Falar com o Tio Toninho, que é uma das maiores lendas do skate, é muito gratificante. Sempre assisti aos vídeos dele e, em 2015, ele compartilhou um vídeo meu. Foi incrível. Hoje, a gente conversa", diz.

Tony Hawk sempre foi uma inspiração para a atleta, assim como Nyjah Huston, Luan Oliveira e o Shane O'Neill, "que é meu patrão", brinca. O'Neill é dono da marca April. "Entre as meninas, me inspiro na Letícia [Bufoni], na Pâmela Rosa, na Gaby Mazzeto e na Karen Feitosa —o rolê dela é muito style. São muitas mulheres inspiradoras. Se eu for citar todas, vou ficar o dia todo falando".

A vida entre os famosos não é novidade para Rayssa. No entanto, foi depois das Olimpíadas que ela percebeu que muita, mas muita gente, não apenas a conhecia, como torcia por ela. "Muitos famosos que eu já acompanhava me mandaram mensagem, fiquei em choque. Conheci vários deles, é muita novidade", conta.

Ao fim da conversa, a skatista dá aula de maturidade ao sacar o que tantos adultos demoram um monte para perceber.

UOL Esporte: "Tem alguma coisa que você gostaria de falar e ainda não teve a oportunidade?"
Rayssa Leal: "Que eu tô crescendo gente e estou com saudade dos meus 10 anos."

Wander Roberto/COB/Wander Roberto/COB Wander Roberto/COB/Wander Roberto/COB

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