Tchau, Fadinha. Oi, Rayssa

Três anos depois da prata em Tóquio, brasileira volta ao pódio em Paris e consolida rito de passagem

Thiago Arantes do UOL, em Paris e São Paulo Kirill KUDRYAVTSEV / AFP

Crescer é inevitável, dói e Rayssa Leal conviveu com as dores do crescimento nos últimos três anos. Da prata em Tóquio ao bronze, hoje, em Paris, ela sofreu as transformações pelas quais todo adolescente passa. A diferença é que todo um país acompanhou...

Conquistar sua segunda medalha olímpica, em Paris, foi um rito de passagem. No Japão, ela era a "Fadinha do skate", uma figura infantil, amparada pelas colegas — e campeãs mundiais — Letícia Bufoni e Pâmela Rosa. Aquele pódio foi uma surpresa agradável, a imagem da leveza. A medalhista mais jovem da história do Brasil que ganhava o país com seu sorriso.

Hoje, Rayssa viveu a competição de outra forma. Aos 16 anos, carregava o peso do favoritismo e a expressão era tensa. Ficou ainda mais fechada após um início complicado nas eliminatórias. Na final, suspense até o fim e o bronze só veio na última manobra. Uma medalha de cor diferente para uma pessoa que já não é a mesma de três anos atrás.

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Gaspar Nóbrega/COB

Na real, mudou tudo. Só no primeiro ano eu cresci 10 centímetros. Eu entendi qual é o peso da Olimpíada. A gente veio aqui com outro foco, outra mentalidade, outro objetivo. Todo mundo queria se divertir, mas também queria a medalha de ouro, e eu não era diferente. Por isso a gente acaba se cobrando um pouco mais, por entender o que a Olimpíada é.

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Arte e guerra

O local da competição que a consagrou ilustra de forma perfeita os dois mundos de Rayssa Leal. A Place de la Concorde fica no início da Champs Elysées, entre o Museu do Louvre e o Arco do Triunfo. Para fazer sua arte em Paris, Rayssa teve que ir pra guerra.

O sorriso da Fadinha deu lugar a uma postura mais agressiva, de uma adolescente que — como tantas outras de sua idade — quer ser ouvida. O exemplo mais recente aconteceu na semana anterior à abertura dos Jogos Olímpicos. Rayssa queria dormir acompanhada na Vila Olímpica e pediu que a mãe fosse credenciada pelo COB para estar com ela.

O pedido de colocar a mãe como acompanhante foi negado, mas uma funcionária do Comitê Olímpico Brasileiro esteve com a atleta durante os dias anteriores à competição. A negociação pública levou o público a discutir: uma adolescente de 16 anos é mais criança ou adulto? A resposta é que, quando está competindo, Rayssa é gigante.

Gaspar Nóbrega/COB Gaspar Nóbrega/COB

Palavra de medalhista

O que Rayssa disse logo depois de conquistar sua segunda medalha olímpica, com o bronze em Paris:

A manobra final
"O pessoal tinha me falado que eu precisava de pouca nota e que somente com o flip rock daria para passar. Se eu desse um flip smith, daria pra tentar o segundo lugar, mas era um pouco mais arriscado. A gente optou pelo flip rock porque era o pódio certo. Eu ajoelhei, chorei, e daí voltei com mais força".

Inspiração para jovens
"Acho que independente se você quer seguir uma carreira de esportista ou outra profissão, sei lá, médico, qualquer outro tipo de coisa, tem que realmente sonhar e dar o seu melhor".

Fama desde cedo
"Acho que acostumei, sabe? Desde aquele vídeo da Fadinha, aos 7 anos. Em Imperatriz já era meio bagunçado, o pessoal pedia pra tirar foto, e eu cresci com isso, Me adaptei muito fácil".

Apoio da torcida
"Eu me senti em casa. Foi como se competisse no Rio de Janeiro. Na semifinal eu fiquei um pouco pressionada, mas não de um jeito ruim. Eu realmente queria acertar tudo, pra todo mundo comemorar. É legal, né? Me cobrei mais um pouco e eu acho que isso foi o que me atrapalhou um pouquinho. Mas, cara, ter essa torcida aqui na França foi brincadeira".

Mathilde Missioneiro/Folhapress Mathilde Missioneiro/Folhapress

Queda e sofrimento

Diante de uma arena cheia de brasileiros que gritavam seu nome, Rayssa entrou em cena nervosa. Sofreu tanto para passar pela fase eliminatória que precisou fazer algo que ela mesma já aconselhou a torcida brasileira a não fazer: "secar" as adversárias.

Na primeira volta de 45s, ela errou e caiu; ficou com uma nota baixa, 59,88. Era preciso melhorar na segunda tentativa para não correr riscos.

Mas Rayssa voltou a cair, não melhorou a nota e foi para a fase de cinco manobras precisando fazer mágica. Aí, foi a hora de buscar conforto na família. "Eles são o principal. Tá todo mundo aqui. Então, acho que ter o abraço de todo mundo, saber que tá todo mundo me apoiando. Eu precisava do abraço de cada um deles".

Os abraços transformaram Rayssa e, na fase de manobras, ela brilhou: acertou as três primeiras tentativas, incluindo uma nota 92,68 —a maior da história do skate street em Jogos Olímpicos até aquele momento (a própria Rayssa melhorou essa nota na final, marcando 92,88, mas a campeã olímpica Coco Yoshizawa marcou a nota mais alta do skate olímpico, com 96,49).

Mas ainda havia drama pela frente: com 241,43 e o quinto lugar na pontuação total, Rayssa não podia ser superada por quatro das cinco rivais da última bateria. A torcida contra dos brasileiros na Arena de La Concorde deu certo: apenas duas adversárias foram melhores que a brasileira, que foi para a final com o sétimo posto entre as oito participantes.

Divulgação/COB Divulgação/COB

Foi na última manobra

Na final, mais emoção. Rayssa voltou a cometer erros nas duas voltas de 45s, em que um simples flip deu trabalho desde o início da competição. Mesmo assim, conseguiu uma nota alta o suficiente para continuar lutando por medalhas. As japonesas Coco Yoshizawa e Liz Akama aumentaram o nível da competição, mas brasileiros não desistem nunca.

Na hora das manobras, ela ainda errou a primeira. Na segunda, conseguiu sua maior nota: 92,88 e a esperança voltou. A medalha estava próxima? Se dependesse das manobras três e quatros, não. Quanto mais as japonesas acertavam, mais improvável era o outro. O ouro e a prata ficavam nas mãos japonesas, mas o bronze ainda era realidade.

Medalha é medalha e a luta continuava. Mas Rayssa tinha que acertar e, japonesas, a chinesa e a americana, errarem. Antes da última manobra, Rayssa era a quinta no ranking. Tinha chances, ia ser sofrido e não tinha espaço para erro.

Era necessário um acerto e uma nota alta. E ela conseguiu. Com uma manobra Flip Rockslide de Front, Rayssa recebeu a nota 88,83 e garantiu sua medalha de bronze. Sua segunda olímpica com apenas 16 anos —nenhum atleta na história, homem ou mulher, de qualquer modalidade, foi ao pódio em duas Olimpíadas seguidas antes dos 18 anos.

Gaspar Nóbrega/COB Gaspar Nóbrega/COB

Talento precoce

Ninguém imaginaria que essa maranhense, que apareceu andando de skate vestida de fada, se tornaria a medalhista olímpica brasileira mais jovem da história. - com 13 anos e 203 dias em Tóquio, quando levou a prata, e hoje (28) com a de bronze em Paris.

Com 11 anos, ela já estava participando de competições internacionais. Em 2019, na edição do Street League Skateboarding de Londres, na Inglaterra, deu pódio. No mesmo ano, foi vice-campeã mundial e a skatista de street mais jovem a vencer a final feminina do Street League Skateboarding World Tour em Los Angeles — ganhando de Pâmela Rosa, brasileira colega de profissão que é referência no esporte. .

Ela começou cedo e acumula prêmios. Já foi campeã de X-Games à SLS e mais uma vez traz uma medalha olímpica para o Brasil.

Lars Baron/Getty Images Lars Baron/Getty Images

Vida além das rodinhas

A maranhense ganhou o apelido de Fadinha depois de um vídeo dela ainda criança, aos 7 anos, fantasiada e andando de skate, viralizar na internet. Até mesmo Tony Hawk, uma lenda do esporte, comentou seu feito na gravação.

O sucesso do esporte atravessou barreiras e fez da atleta uma inspiração — o que chamou a atenção das marcas. As meninas queriam ser a Rayssa, queriam andar de skate.

Rayssa se tornou embaixadora global da marca francesa Louis Vuitton, compareceu a desfiles nas semanas de moda, tem um tênis da Nike batizado em sua homenagem, representa bancos, virou capa de revistas.,,

Queridinha do Brasil, ela também tem troféus que não estão relacionados à sua performance nas pistas em casa. Entre eles, o "Inspiração do Ano" do Meus Prêmios Nick e "Atleta Inspirador" nos Prêmios IBest.

Os medalhistas brasileiros

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