Ninguém acima dela

Rebeca Andrade ganha sua quinta medalha olímpica, a prata no salto, e já é recordista em pódios pelo Brasil

Demétrio Vecchioli Do UOL, em Paris Stephen McCarthy/Sportsfile via Getty Images

A primeira medalha olímpica do Brasil foi conquistada por um homem. A segunda também, e a terceira, e todas as vencidas ao longo de mais de 75 anos. São os homens os líderes em participações, em medalhas, em ouros e pratas.

Mas a única explicação para isso é que, desde Pierre de Coubertain, os homens fecham (por puro machismo) as portas a elas, que precisaram ocupar espaço na persistência, na força, no talento, e contra uma forte resistência.

Em Paris, elas mostram o que acontece quando recebem espaço, incentivo e investimento: vencem. E Rebeca Andrade é a maior prova disso. Neste sábado (3), ela chegou à sua quinta medalha olímpica ao ganhar a prata no salto. Por enquanto, está empatada, em número de conquistas, com Robert Scheidt e Torben Grael.

É muito provável que ela os ultrapasse na terça, quando faz mais duas finais. Por enquanto, o que importa é que elas chegaram lá.

Stephen McCarthy/Sportsfile via Getty Images

Multimedalhista, uma exceção

Além de chegar ao recorde de cinco medalhas olímpicas pelo Brasil, igualando os velejadores, Rebeca se tornou a primeira mulher do país a ganhar três medalhas em uma mesma edição dos Jogos Olímpicos. O único brasileiro que fez o mesmo foi Isaquias Queiroz, da canoagem, no Rio-2016.

Não é coincidência que, na história olímpica brasileira, os grandes atletas tenham sido de modalidades em que se pode ganhar só uma medalha por edição. As potências esportivas, as que disputam o topo do quadro de medalhas, fomentam especialmente quem pode ir ao pódio várias vezes. Vide o sucesso dos EUA em atletismo, natação e ginástica artística.

E, por isso, são poucos os atletas de países em desenvolvimento que conseguem competir nesses espaços. O Brasil só começou a fazer o mesmo recentemente. Pelo Brasil, só Afrânio da Costa e Guilherme Paraense (duas medalhas em 1920), Gustavo Borges (duas em 1996), Cesar Cielo (duas em 2008) e Isaquias Queiroz haviam conseguido isso —Bia Souza e Larissa Pimenta, duas medlahas no judô em Paris fizeram o mesmo já que a modalidade tem, também, disputa por equipes.

Agora, Rebeca alcança o feito pela segunda vez. Já havia conquistado duas em Tóquio, e chegou à terceira em Paris.

Os outros

Rio 2016/André Luiz Mello

Torben Grael

Torben foi o 1º brasileiro a subir ao pódio cinco vezes na vela. Ele foi ouro em 1996 e 2004 (na classe Star, ao lado de Marcelo Ferreira), prata em 1984 (na soling, com Daniel Adler e Reinaldo Senfft) e bronze em 1988 (na Star, com Nelson Falcão) e 2000 (também na Star, com Marcelo Ferreira). Ele é pai e foi técnico de Martine Grael, bicampeã olímpica da classe 49erFX.

Paul Gilham/Getty Images

Robert Scheidt

Também velejador, Robert Scheidt subiu ao pódio cinco vezes, com uma prata a mais do que Torben: ele foi ouro em 1996 e 2004 e prata em 2000, na classe Laser. depois, migrou para a Star, em que duelou com Torben e Marcelo. Ao lado de Bruno Prada, foi a duas Olimpíadas, 2008 e 2012, conquistando uma medalha de prata e outra de bronze.

REUTERS/Athit Perawongmetha REUTERS/Athit Perawongmetha

A coleção

  • A primeira

    Teve um gostinho de "quero mais". Ela havia avançado à final do individual geral em Tóquio na segunda colocação, só atrás de Simone Biles, que abriu mão da final -- e, depois, daquela Olimpíada. Caminho aberto para um ouro, que não veio por 0,135. Ainda assim, a prata foi a primeira medalha da ginástica artística do Brasil em Olimpíadas.

    Imagem: Ricardo Bufolin/CBG
  • A segunda

    Veio três dias depois, também em um ginásio vazio por causa da pandemia, em Tóquio. Conservadora nas eliminatórias, Rebeca apresentou seu arsenal para ganhar o ouro no salto: um Amanar e um Cheng. Mesmo repertório da norte-americana MyKayla Skinner, exibições evidentemente melhores, e o primeiro ouro das mulheres brasileiras da ginástica, o segundo no geral.

    Imagem: Ricardo Bufolin/CBG
  • A terceira

    É a mais importante, historicamente, para a ginástica brasileira, porque não dependeu só do talento extraordinário de Rebeca. O bronze por equipes conquistado já em Paris, na terça, só veio, claro, porque o Brasil tem Rebeca. Mas também porque ela se juntou a outras quatro ginastas fundamentais, que fizeram diferença pela medalha: Flávia Saraiva, Jade Barbosa, Lorrane Oliveira e Julia Soares.

    Imagem: Ricardo Bufolin/CBG
  • A quarta

    Nela, exigiu como nunca da maior de todos os tempos. Simone Biles deixou a final do individual geral em Paris dizendo que nunca se sentiu tão estressada competindo como contra Rebeca, que chegou perto do seu melhor, na melhor apresentação da vida nos quatro aparelhos. Ganhou uma prata que teve gosto de ouro.

    Imagem: Ricardo Bufolin/CBG

Só abaixo de Biles

A competição, como não poderia ser diferente, foi um duelo direto entre Biles e Rebeca. As duas apresentaram os saltos com maior nota de dificuldade e, para as demais chegarem a notas próximas às delas com saltos mais simples, só com execuções perfeitas.

Biles foi a quarta a se apresentar e pulou para a ponta com enorme folga. A norte-americana havia errado o Biles II no aquecimento, caindo de costas, mas quando valia chegou inteira no salto que leva seu nome (e que vale 6,4 de nota de partida). Valeu uma justa nota 15,700. Na sequência, ainda acertou também o Cheng, que parte de 5,6. Nota 14,900.

Com a média de 15,300, era praticamente impossível ser superada, tanto que Rebeca nem tentou. A brasileira tinha na manga o Yurchenko triplo twist (YTT), que tem nota de partida 6,0, mas precisava de uma nota de execução praticamente inalcançável, ainda mais sem testá-lo antes no ginásio. Preferiu garantir a prata.

Fez primeiro um bom Cheng, cravadíssimo, de nota 15,100 — a mesma da final do individual geral. Depois, acertou mais uma vez seu Amanar, desta vez com um passinho para o lado. Tirou 14,833, chegou à média de 14,966, e ganhou a prata. A norte-americana Jade Carey fechou a competição com 14,466, meio ponto atrás de Rebeca, mas o suficiente para o bronze.

Ricardo Bufolim/CBG Ricardo Bufolim/CBG

Uma puxa a outra

Antes da final deste domingo, Biles e Rebeca haviam se enfrentado uma vez só em uma prova de salto. Foi no Mundial do ano passado, quando a norte-americana arriscou para vencer a brasileira.

Ainda voltando à ginástica depois do afastamento para tratar da saúde mental, Biles sabia que, com saltos iguais, perderia de Rebeca na execução. Naquele dia, apostou no Biles II, mesmo precisando que seu técnico a esperasse no colchão para o caso de uma queda, perdendo 0,5 por isso. Como errou a tentativa, Rebeca nem precisou do seu melhor para chegar ao ouro.

Em Paris, a história foi diferente. A norte-americana, sabendo do risco de perder o ouro olímpico no aparelho onde sempre foi hegemônica, aperfeiçoou o Biles II, mas foi perdendo em execução ao longo da competição. Foi quase perfeita no treino de pódio, nem tanto nas eliminatórias e, nas duas finais, deu um passo enorme.

Depois, admitiu que estava pressionada. "Nunca tive uma atleta tão próxima, então isso definitivamente me deixou alerta e trouxe à tona a melhor atleta que há em mim. Então, estou animada e orgulhosa de competir com ela... mas estou ficando desconfortável, pessoal", disse em entrevista coletiva.

David Fitzgerald/Sportsfile via Getty Images David Fitzgerald/Sportsfile via Getty Images

Quando falei que não vou mais fazer individual geral, as pessoas acharam que vou sair da ginástica e não é isso. Para mim é muito pesado fazer os quatro aparelhos. Talvez eu faça um salto, uma paralela, uma trave se precisarem. Mas o solo em específico não vou fazer porque exige muito. Mas vai que dá um tchan na minha cabeça, meu corpo melhora. A gente faz muita fisioterapia, os tratamentos estão melhorando muito. Vai depender do futuro, não vejo futuro. Nos meus planos não prevejo fazer mais individual geral, mas está tudo certo.

Rebeca Andrade, à TV Globo, sobre sua sequência na ginástica

Assim como foi aqui, vai depender muito. Queria muito ter feito, óbvio, porque treinei muito para isso, mas ao mesmo tempo não estava 100% confiante como me sinto normalmente fazendo as outras coisas, talvez precisasse de mais treino. Não é que estivesse ruim, estava lindo, muito bom. Mas gente, estou com a minha prata, fiz um salto muito bom, estou muito orgulhosa do que fiz. E se um dia tiver que fazer espero que seja lindo também, vou ter treinado bastante e ter confiança.

Rebeca Andrade, sobre não executar o salto Triplo Twist Yurshenko

Estou muito feliz. Vivo um dia de cada vez. Estou muito orgulhosa de colocar mais uma medalha e ser tão grande para o meu país e meu esporte. Não sei nem o que dizer, estou muito feliz.

Rebeca Andrade

E ainda tem mais

Rebeca e Biles ainda se enfrentam em outras duas finais em Paris, ambas na segunda-feira. A primeira, na trave, a partir das 7h38. A segunda, no solo, começando às 9h23 de Brasília.

Na trave, a favorita é a Yaqin Zhou, que tirou a maior nota das Olimpíadas por enquanto. Mas Biles tem tudo para chegar ao pódio graças à sua regularidade. Considerando a competição como um todo, ela tem a segunda, a quinta e a oitava melhores notas da trave.

Rebeca teve desequilíbrios nas finais por equipes e no individual geral, e mesmo assim tirou sempre acima de 14, o que pode ser suficiente para o bronze. Nas eliminatórias teve 14,500. Se Biles e Zhou acertarem, a disputa pelo último lugar no pódio deve ser com Sunisa Lee, também dos EUA.

Já no solo a briga é mais aberta por prata e bronze. Biles sobra. O pior dela nesse Mundial (ou menos excelente) foi 0,4 pontos acima do que o melhor de todo o resto. Rebeca fez 13,900 nas eliminatórias, 14,200 na final por equipes e 14,033 no individual geral, quando um giro ginástico dela não foi considerado e reduziu sua nota de partida em 0,2. Para a decisão, a série deve ganhar também um flip, que aumentaria a nota em outros 0,2.

Jordan Chiles (13,966 na final por equipes), Sabrina Maneca-Voinea (13,900 na final por equipes), Alice D'Amato (13,700 nas eliminatórias) e Manila Esposito (13,633 nas eliminatórias) podem ameaçar a brasileira.

Peter Byrne/PA Images via Getty Images Peter Byrne/PA Images via Getty Images

Os medalhistas brasileiros

  • Larissa Pimenta (bronze)

    A chave é acreditar: Larissa é bronze no judô depois de muita gente (até uma rival) insistir que ela era capaz.

    Imagem: Wander Roberto/COB
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  • Willian Lima (prata)

    Dom e a medalha de prata: Willian sonhava em ganhar a medalha olímpica, e com seu filho na arquibancada. Ele conseguiu.

    Imagem: Wander Roberto/COB
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  • Rayssa Leal (bronze)

    Tchau, Fadinha. Oi, Rayssa: Três anos depois da prata em Tóquio, brasileira volta ao pódio em Paris e consolida rito de passagem.

    Imagem: Kirill KUDRYAVTSEV / AFP
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  • Equipe de ginástica (bronze)

    Sangue, suor e olho roxo: Pela primeira vez na história, o Brasil ganha medalha por equipes na ginástica artística. E foi difícil...

    Imagem: Ricardo Bufolin/CBG
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  • Caio Bonfim (prata)

    Buzina para o medalhista: Caio conquista prata inédita na marcha atlética, construída com legado familiar e impulso de motoristas.

    Imagem: Alexandre Loureiro/COB
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  • Rebeca Andrade (prata)

    'Paro no auge': Rebeca leva 2ª prata, entra no Olimpo ao lado de Biles, Comaneci e Latynina, e se aposenta do individual geral.

    Imagem: Rodolfo Buhrer/Rodolfo Buhrer/AGIF
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  • Beatriz Souza (ouro)

    Netflix e Ouro: Bia conquista primeiro ouro do Brasil em Paris após destruir favoritas e ver TV.

    Imagem: Alexandre Loureiro/COB
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  • Rebeca Andrade (prata)

    Ninguém acima dela: Rebeca ganha sua quinta medalha olímpica, a prata no solo, e já é recordista em pódios pelo Brasil.

    Imagem: Stephen McCarthy/Sportsfile via Getty Images
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  • Equipe de judô (bronze)

    O peso da redenção: Brasil é bronze por equipes no judô graças aos 57kg de Rafaela Silva.

    Imagem: Miriam Jeske/COB
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  • Bia Ferreira (bronze)

    A décima: Bia Ferreira cai para a mesma algoz de Tóquio, mas fica com o bronze e soma a décima medalha para o Brasil.

    Imagem: Richard Pelham/Getty Images
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  • Rebeca Andrade (ouro)

    O mundo aos seus pés: Rebeca Andrade bate Simone Biles no solo, é ouro e se torna maior atleta olímpica brasileira da história.

    Imagem: Elsa/Getty Images
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  • Gabriel Medina (bronze)

    Bronze para um novo Medina: Renovado após problemas pessoais e travado por mar sem onda, Medina se recupera para conquistar pódio olímpico.

    Imagem: Ben Thouard / POOL / AFP
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  • Tatiana Weston-Webb (prata)

    Ela poderia defender os Estados Unidos, mas fez questão de ser brasileira e ganhou a prata de verde e amarelo

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  • Augusto Akio (bronze)

    Com jeito calmo, dedicação e acupuntura, Augusto Akio chegou ao bronze. Mas não se engane: ele é brasileiro

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  • Edival Pontes (bronze)

    Bronze sub-zero: Edival Pontes, o Netinho, conheceu o taekwondo quando ia jogar videogame; hoje, é bronze na 'categoria ninja'

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  • Isaquias Queiroz (prata)

    Esporte de um homem só - Isaquias Queiroz segue soberano na canoagem e se torna 2º maior medalhista brasileiro da história olímpica.

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  • Alison dos Santos (bronze)

    Piu supera tropeços em Paris, mostra que estava, sim, em forma e conquista seu segundo bronze olímpico.

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  • Duda e Ana Patrícia (ouro)

    Dez anos depois do título nos Jogos Olímpicos da Juventude, Duda e Ana Patrícia são coroadas em Paris

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  • Futebol feminino (prata)

    Prata da esperança - Vice-campeã olímpica, seleção feminina descobre como voltar a ganhar e mostra que o futuro pode ser brilhante.

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  • Vôlei feminino (bronze)

    Evidências - Programada para o ouro, seleção de vôlei conquista um bronze que ficou pequeno para o que o time fez em Paris.

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