O que fica

Renato no Grêmio: R$ 500 milhões em jovens revelados, sete títulos e maior trabalho da era moderna

Do UOL Em São Paulo (SP) e Porto Alegre (RS) Leo Caobelli/UOL

Anunciada às vésperas da final da Copa do Brasil como se fosse um aviso de que o resultado final não importava tanto assim, a renovação contratual de Renato Gaúcho com o Grêmio até o fim de 2021 não foi uma empreitada de sucesso. Além do vice-campeonato do torneio nacional para o Palmeiras, o Grêmio ainda foi eliminado na terceira fase preliminar da Copa Libertadores. O treinador acertou sua saída ontem (15) do clube, dando fim a um dos trabalhos mais longevos do futebol brasileiro.

Foram quatro anos e sete meses de duração, iniciados em setembro de 2016. No período, comandou o Grêmio em 308 jogos, com 161 vitórias, 82 empates e 65 derrotas que geraram 60% de aproveitamento e a posição de treinador que mais dirigiu o tricolor gaúcho na história.

Mas há algo para além dos números: o que acabou nesta semana foi o maior trabalho de um técnico na era moderna do futebol brasileiro - iniciada na virada do século -, com sete títulos conquistados, a troca do modelo de futebol-força pelo de jogo ofensivo e técnico, os mais de R$ 500 milhões gerados para os cofres do clube a partir de apostas do treinador em campo e também o crescimento de seu nome como grande ídolo do clube e ícone do futebol brasileiro também no banco de reservas.

A estátua na esplanada da Arena do Grêmio, as faixas em meio à torcida e as tatuagens em torcedores já davam o tom do tamanho do personagem, que só fez crescer durante este período. Mas ninguém é imune a críticas e resultados negativos, a história acabou mais cedo do que o papel previa.

Leo Caobelli/UOL
Reprodução

Ainda atrás de Telê

Se tivesse ficado até o fim do contrato (o que era tendência, dada a identificação e a relação próxima com a diretoria), Renato Gaúcho poderia igualar no Grêmio, em tempo de permanência, o histórico Telê Santana, que comandou o São Paulo entre outubro de 1990 e janeiro de 1996.

Em títulos a situação era diferente: aquele São Paulo ganhou dez torneios. Foram duas Libertadores (1992 e 1993), dois Mundiais de Clubes (1992 e 1993), uma Supercopa da Libertadores (1993), duas Recopas Sul-Americanas (1993 e 1994), um Campeonato Brasileiro (1991) e duas edições do Campeonato Paulista (1991 e 1992).

Renato Portaluppi encerrou sua passagem com sete taças à frente do Grêmio: Copa do Brasil, Libertadores, Recopa Sul-Americana, Recopa Gaúcha e três vezes o Gauchão. Só Luiz Felipe Scolari tem mais troféus do que ele. O maior ídolo, porém, tem outro dado que conta: mais de dois anos sem perder para o Inter.

O Grêmio ficou 11 clássicos nesta condição. E esse período deu fôlego ao trabalho de Renato quando surgiram críticas. A sequência entre 2018 e 2020 só fica atrás da obtida entre 1999 e 2003, quando foram 13 duelos contra o Internacional sem derrota. Quando o olhar é só para Portaluppi, a estatística é ainda mais impactante. Somando a segunda e a terceira passagens como treinador, foram 13 encontros Gre-Nal sem derrota. O ídolo gremista soube a importância da rivalidade como ninguém.

Isso é uma hora muito grande. O Telê foi um p... treinador, aprendi muito com ele. Eu não agiria com um jogador meu como ele agiu comigo, mas uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Ele é um enorme de um treinador, dispensa comentários."

Lembrando que, na seleção brasileira de 1986, ele foi cortado por pular muro da concentração e sair do regime de véspera de um jogo, ao UOL, em março

Fernando Alves/AGIF

Adeus à distância

Renato Gaúcho não esteve no banco de reservas do Grêmio durante os últimos jogos de sua comissão técnica no comando do time. Após testar positivo para covid-19, ficou afastado das atividades e foi "do sofá" que acompanhou a eliminação na Libertadores, sempre pela televisão e em contato com seus auxiliares. E se irritou bastante.

Segundo apurou o UOL Esporte, os dois jogos contra o Independiente del Valle tiraram Renato do sério. Cada um por um motivo. No primeiro, no início do afastamento, a ira do técnico foi motivada pela arbitragem. O gol de Ferreira, anulado, custou caro ao time gaúcho. Na outra partida, as chances desperdiçadas, principalmente no primeiro tempo, irritaram o comandante, que manteve contato frequente com os demais membros da comissão técnica. Alexandre Mendes e Victor Hugo Signorelli deixam o Tricolor junto com ele.

Das 12 partidas do Tricolor na temporada, Renato esteve no reservado em apenas cinco. Isso porque o elenco principal recebeu férias após o início do Estadual, e semanas depois do retorno ele testou positivo. Quando acompanhou o time de perto, os resultados sempre foram bons. Nos cinco jogos em que esteve à beira do gramado, Portaluppi viu o Grêmio vencer quatro vezes, entre elas o clássico Gre-Nal, e empatar apenas uma.

Fernando Alves/AGIF
Renato cumprimenta Jean Pyerre: meia pode ser a próxima venda do Grêmio turbinada pelo trabalho do agora ex-treinador

R$ 500 milhões com jovens

O ritmo de Renato Portaluppi à frente do Grêmio foi sempre intenso, principalmente quando o assunto foi dar espaço para atletas das categorias de base. Ao longo dos últimos anos, sempre houve alguém formado no Grêmio entre os titulares.

De 2016 até 2021, o Grêmio arrecadou R$ 522,3 milhões com negociações de jogadores formados no clube. Everton Cebolinha e Arthur, atualmente em Benfica e Juventus, lideram a lista. Jailson, Pedro Rocha e Pepê também estão na relação. Assim como Diego Rosa e Tetê —mas estes sequer estrearem entre os profissionais. O volante foi negociado com o Grupo City, do Manchester City, e o meia-atacante fechou com o Shakhtar Donetsk, da Ucrânia. Em 2021, o treinador havia se comprometido a dar mais espaço para os guris.

Ainda assim, há crítica: paira sobre Portaluppi a reclamação de que o número poderia ser ainda maior. Ele sempre garantiu que não e usou números das negociações para se defender. A maioria dos talentos promovidos foi negociada. E, para ele, entraram em campo aqueles que confirmaram o talento no dia a dia. A combinação desse grupo de jovens com veteranos dispensados em outros clubes que em Porto Alegre conseguiram recuperar o rendimento ou até subir de nível, em geral com baixo custo de mercado, contribuiu para uma inédita gestão sustentável do clube ao longo dos últimos anos.

Quem são eles?

  • Arthur

    O volante estava no grupo de transição foi promovido em fevereiro de 2017. A entrada no time titular foi meteórica. Não demorou também para chegar ao Barcelona e à seleção. Hoje defende a Juventus, da Itália.

    Imagem: Pedro Vale/AGIF
  • Everton

    Promovido por Roger Machado, Cebolinha virou titular e artilheiro com Renato. Outro que chegou à seleção brasileira de Tite durante o trabalho com Portaluppi e acabou negociado com o Benfica.

    Imagem: Divulgação/Site oficial do Grêmio
  • Matheus Henrique

    Outro volante com estilo ofensivo, promovido por Renato e trabalhado como sucessor de Arthur. Ganhou vaga entre os titulares, assim como o antecessor e já foi convocado por Tite.

    Imagem: Divulgação/Site oficial do Grêmio
  • Jean Pyerre

    É outro que também estava no Grêmio nos tempos de Roger, mas longe do time principal. Deu um salto expressivo, renovou contrato, passou a custar milhões e hoje tenta sair de uma má fase.

    Imagem: Besoccer
  • Luan

    Chegou ao Grêmio ainda na base, em 2013, e virou melhor jogador da América do Sul sob o comando de Renato em 2017. Viveu um momento de baixa e acabou vendido ao Corinthians no ano passado.

    Imagem: Jeferson Guareze/AGIF
  • Pepê

    Estreou no time profissional do Grêmio em 2017 e assumiu protagonismo em 2020, após a venda de Cebolinha. Foi vendido ao Porto, mas só sairá no segundo semestre do atual clube.

    Imagem: Pedro H. Tesch/AGIF
  • Ferreira?

    É apontado como o próximo nome deste grupo seleto de revelações. Estreou profissionalmente com Renato, em 2019, e fez gol logo no terceiro jogo. Ano passado embalou e foi titular até a despedida do treinador.

    Imagem: Fernando Alves/AGIF

Nove finais e sete títulos

Essa foi a terceira passagem de Renato Portaluppi como treinador do Grêmio. E a mais vitoriosa, repleta de conquistas e marcas históricas. Se entre 2010 e 2011 aconteceu a perda de Gauchão em casa, para o Inter, nas últimas temporadas veio tricampeonato estadual —algo que o Grêmio não conseguia há 30 anos.

Em 2013, na segunda "Era Renato", o melhor desempenho foi segundo lugar no Brasileirão. Em 2016, com poucas semanas à frente do time após saída de Roger Machado, o jejum de grandes conquistas do clube acabou. A Copa do Brasil abriu caminho para uma era dourada no bairro Humaitá, na zona norte de Porto Alegre. Quem estava no elenco resume: Portaluppi injetou confiança, tirou a pressão da fila sem taças e fez ajustes decisivos.

Ao longo das temporadas seguintes, o dedo do treinador apareceu cada vez mais. E a estrela também. O Grêmio de Renato chegou a nove finais, somando a Copa do Brasil de 2020 decidida em março de 2021, e ganhou sete títulos. A outra derrota em jogos decisivos foi para o Real Madrid, no Mundial de Clubes da Fifa.

Para quem conviveu no dia a dia, a visão é de que não é um número ao acaso. O técnico sempre preferiu mata-mata aos pontos corridos porque é viciado no ambiente de decisão. Nos dias prévios a um confronto direto, tinha até ritual: concentração antecipada, show particular de humorista gaúcho e premiação turbinada —inclusive para destaques individuais. Na decisão por pênaltis do Gauchão de 2019, por exemplo, Paulo Victor pegou três pênaltis e ganhou R$ 50 mil.

Lucas Uebel/Grêmio FBPA Lucas Uebel/Grêmio FBPA

Brasileiro foi o ponto fraco

Se os mata-matas renderam sete títulos ao Grêmio de Renato, o Campeonato Brasileiro é um ponto fraco. Desde 2017, o treinador deixou os pontos corridos de lado e sempre recebeu apoio dos dirigentes para fazer isso. Além da conta simples, de caminho mais curto para taças, a cúpula apoiou a escolha do ídolo por causa das premiações.

A decisão gerou críticas fortes da opinião pública e fez Portaluppi proferir a mesma frase por quatro anos: "O Grêmio não abriu mão do Brasileirão" —que nunca encontrou significado na classificação dos campeonatos. Em várias rodadas, na maioria das vezes longe de Porto Alegre, o time titular foi preservado. Reservas e jovens do time de transição jogaram no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte, em Salvador, no Recife...

Por mais que o Grêmio tenha terminado (na maioria das vezes) em quarto lugar, a sensação em todas as temporadas foi de que era possível ver o Grêmio mais perto do topo da tabela. Em 2020, por exemplo, os comandados de Renato chegaram a bater recorde de empates —no fim, as poucas vitórias viraram um sexto lugar na classificação final do Brasileira, que mandou o time para as fases preliminares da Libertadores.

Nem mesmo o longo jejum tricolor no Brasileirão mudou essa visão. O primeiro título do torneio do Grêmio foi em 1981, meses antes de Renato ser promovido ao time principal. O segundo, em 1996, quando o ídolo brilhava pelo Fluminense. Mesmo sabendo que a taça dos pontos corridos possa completar a lista de títulos do próprio técnico, a ambição para isso nunca se mostrou forte —seja nos bastidores ou nos microfones.

Os "refugos" que Renato salvou

  • Bruno Cortez

    Estava acertado com o Náutico até que, de última hora, foi procurado pelo Grêmio. Rescindiu com o São Paulo e caminhou para ser titular absoluto na lateral esquerda. Talvez a maior reversão da '"Era Renato".

    Imagem: Lucas Uebel/Grêmio
  • Léo Moura

    Também chegou no início de 2017 vindo do Santa Cruz, como homem de confiança de Renato. Foi voz importante do vestiário e elo do clube com alguns dos reforços contratados até sair do clube, no fim de 2019, aos 41 anos.

    Imagem: Divulgação/Site oficial do Grêmio
  • Maicon

    O meio-campista foi mais um a sair do Morumbi pela porta dos fundos, vaiado, em 2015, emprestado ao Grêmio. No sistema de Renato, se firmou como um dos mais criativos e eficientes articuladores do país. Segue titular.

    Imagem: LUCAS UEBEL/GREMIO FBPA
  • Alisson

    Um refugo precoce. O meia-atacante subiu aos profissionais do Cruzeiro com muito prestígio, mas não se firmou e virou moeda de troca pelo veterano lateral Edilson para a temporada 2018. Ainda hoje é titular da equipe.

    Imagem: Pedro H. Tesch/AGIF
  • Ramiro

    Estava encostado no elenco antes da chegada de Renato Gaúcho, que o transformou em peça-chave nas conquistas da Copa do Brasil de 2016 e da Libertadores de 2017. Rendeu lucro ao ser negociado com o Corinthians em 2019.

    Imagem: Lucas Uebel/Grêmio
  • Diego Souza

    Fica marcado como o último "case" de Renato no Grêmio. Desempregado, foi contratado em janeiro de 2020 e viveu a melhor temporada da carreira em gols, 13 no Brasileirão. Neste ano ele mantém a pegada artilheira.

    Imagem: Fernando Alves/AGIF
Leo Caobelli/UOL

Atlético-MG, Flamengo, seleção?

Os quatro anos e sete meses de trabalho tiveram um ingrediente a mais do que a simples confiança da diretoria: Renato Gaúcho abraçou o projeto e recusou ofertas mais vantajosas financeiramente ao longo do tempo. A última foi do Atlético-MG, revelada ao UOL Esporte após o anúncio de Cuca, em março de 2021. O nome para o cargo era o dele.

"Eles [dirigentes do Atlético-MG] ficaram me procurando durante um bom tempo. Eu falei da final da Copa do Brasil. A primeira procura tem umas três semanas, quase um mês [na época]... Falei que ficava feliz, pelo investimento, por ser um grande clube, mas dei minha palavra aqui [no Grêmio]. 'Se quiserem esperar, esperem. Mas eu não garanto nada'. E eles ficaram me esperando até pouco tempo atrás", disse.

Se fosse por dinheiro, eu teria ido para o Atlético-MG. Eu tive uma oferta milionária de Dubai também. Eu fiquei por ser gremista e para dar sequência no projeto."

Ao longo dos anos, boatos deram conta de flertes com o Flamengo que jamais se confirmaram e também do apontamento de seu nome como alternativa da seleção brasileira em caso de demissão de Tite. Ídolo do futebol nacional, Zico chegou a dizer que torcia pela chegada de Renato Gaúcho à seleção e que ele tem "muita capacidade para isso". Como Tite nunca balançou efetivamente no cargo, nunca passou disso.

Em 2019, ele falou assim ao UOL: "A minha parte estou fazendo. É meu sonho treinar a seleção? É. Vai chegar? Não sei. O Brasil está bem servido com o Tite, mas ele sonhava com isso, né? Eu sonho também. Tenho que continuar meu trabalho."

Agora, Renato Gaúcho está disponível no mercado da bola. Sombra?

Lucas Uebel/Grêmio FBPA

Derrocada e ponto final

As críticas ao trabalho de Renato cresceram nos últimos meses. A derrota por 4 a 1 para o Santos nas quartas de final da Copa Libertadores de 2020 foi estopim para o aumento do tom. Dentro da diretoria, uma ala se levantou questionando decisões e métodos, mas não teve força para colocar realmente em xeque o novo contrato, renovado em março deste ano.

Nas redes sociais, houve até campanha com hashtag pela saída de Portaluppi. O #ForaRenato apareceu até nas transmissões oficiais do Grêmio no YouTube, mas nunca foi visto pelo próprio (que se mantém sem redes sociais e WhatsApp). E é preciso dizer: em vários momentos, ao longo dos últimos quatro anos, Renato conseguiu resultados na hora exata em que o clima poderia ter esquentado.

Desta vez a regra não se repetiu e a grandeza do personagem não bastou para blindar o time em turbulência com a perda do título da Copa do Brasil e a eliminação antes da fase de grupos da Libertadores. Nos bastidores, Renato cobrava mais investimentos, enquanto a diretoria queria mais jovens no time. Até que o elo se rompeu definitivamente. Tiago Nunes é o favorito para o cargo.

Aí eu pergunto: tá, eu vou embora. Saio do Grêmio. Quantos dias o próximo treinador vai durar? Nem falo em meses, mas em dias. DIAS. Se a cobrança for assim, é difícil. Difícil mesmo."

Renato Gaúcho, Em entrevista ao UOL, em março

Lucas Uebel/Grêmio Lucas Uebel/Grêmio

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