Questão de perspectiva

Robert Scheidt se prepara para a sétima Olimpíada aos 48 anos. Pela 1ª vez, não será favorito ao pódio

Demétrio Vecchioli Colaboração para o UOL, em São Paulo Divulgação

Já são quase 30 anos em alto nível, brigando por medalhas e títulos mundiais, mas Robert Scheidt é velejador. E velejador não enjoa do balançar das ondas, da água gelada, do vento na cara. Quando a pandemia, que chegou tão perto dele no norte da Itália, for controlada, no ano que vem o brasileiro vai à sua sétima Olimpíada para estabelecer um novo recorde entre seus compatriotas.

Ainda que seja motivo de orgulho, o número histórico de participações nos Jogos é só um detalhe no currículo vitorioso do paulistano de recém-completados 47 anos - terá 48 na próxima edição. "Eu gostaria de chegar em mais uma medalha. Significaria mais para mim do que esse número de sete participações. Nunca foi meu objetivo ser o que participou mais. Queria me colocar com chance de ganhar mais uma medalha. Esse para mim é meu objetivo", contou ao UOL Esporte.

Para atingir a meta, Robert teve que se reinventar. Sem poder treinar mais que os adversários, porque o corpo de um quase cinquentão já não aguenta a carga, adaptou as atividades na água e fora dela. Trancado com a família na casa onde mora no Lago di Garda, na Itália, viu a Covid-19 assolar os estados vizinhos enquanto usava o descanso forçado para ver e rever regatas antigas, em busca de detalhes que podem valer a medalha que, por detalhes, escapou da sua mão no Rio.

Nessa entrevista por vídeo, o velejador dono de cinco medalhas olímpicas e 13 títulos mundiais falou sobre a carreira, os planos para a próxima Olimpíada, as expectativas para o futuro, a família e as soluções para uma modalidade que sofre para se renovar.

Divulgação

Clique para assistir à entrevista de Scheidt

"Top 10 no Mundial é um bom resultado para mim hoje"

Scheidt ganhou praticamente tudo na classe Laser durante uma década, entre 1995 e 2005. Foram oito títulos mundiais, outros dois vice-campeonatos, além de três medalhas olímpicas, duas de ouro. Mas esse tempo passou. A vela é outra e Scheidt é outro.

"Não posso pensar no que eu fiz no passado, o passado passou. Era outra classe, outros atletas. Tenho que me colocar objetivos palpáveis. Não posso entrar numa competição e pensar: 'se eu não ganhar medalha vou ficar triste". Por exemplo, o top 10 no Mundial é um bom resultado para mim hoje. Hoje é um bom resultado. Não quer dizer que eu não queira mais, não quer dizer que não quero chegar na Olimpíada e ganhar uma medalha, mas eu preciso ser um pouco mais realista com as minhas chances hoje e o que passou, passou", reconhece.

As chances podem até ser menores, mas Scheidt não se coloca como azarão. Pelo contrário, diz que o torcedor brasileiro pode acreditar que em Tóquio a sexta medalha virá. "Uma cosia muito importante é continuar acreditando. Em qualquer jogo, qualquer coisa. Quando você para de acreditar, suas chances desaparecem. Você tem que ter aquela chama, aquela esperança, mas precisa ter uma substância."

O título mundial de 2013, quando já tinha 40 anos, "uma quebra de paradigmas" na classe Laser, dá um pouco do oxigênio que mantém acesa a chama. O quarto lugar na Olimpíada do Rio, quando terminou em quarto e por pouco não beliscou a medalha, também. O adiamento dos Jogos de Tóquio é um sopro extra de esperança.

"De repente, chego na primavera do ano que vem e faço bons resultados em Palma (de Mallorca, Espanha) e em Hyères (França). Minha expectativa é que minhas chances melhorem. É um tempo que posso aproveitar. Tem gente que estava no auge e quer a Olimpíada o mais rápido possível. E tem gente que ainda tinha algum espacinho para melhorar e a Olimpíada mais para frente seja melhor", avalia, falando de si mesmo.

Pedro Martinez/Sailing Energy/World Sailing Pedro Martinez/Sailing Energy/World Sailing

Idade é uma questão de perspectiva

Aos 47 anos, Robert Scheidt é velho na comparação com a média da classe Laser, formada por velejadores de 27 a 35 anos, em média. Mas é jovem quando a equiparação é com o argentino Santiago Lange, campeão olímpico da Nacra17 aos 54 anos em 2016 e que chegará a Tóquio, aos 59, como candidato a mais uma medalha.

"Se eu me acho velho, tem um cara mais velho ainda. Sempre vão ter exceções. É muito da pessoa. Tem gente que com 30 já está se sentindo velho. Depende muito do que o cara fez da vida, como ele cuidou, da qualidade de vida que ele teve, do amor ao esporte que ele teve. A vela é um xadrez com físico e com pouco tempo de tomar decisões. É decisão rápida sob esforço físico e com pouco tempo para mexer suas peças. Tudo isso influi", opina.

Quando mais jovem, a soma desses atributos técnicos, táticos e físicos fizeram do brasileiro um ídolo. Ao voltar para a Laser, Schedit mostrou mais uma qualidade para ser tão admirado: a coragem. "Normalmente, quem sai dela não volta mais, porque o sofrimento é grande. Então existe um respeito grande. Sempre foi uma classe de moleque. Depois que eu ganhei com 40, houve uma quebra de paradigma."

Desde que decidiu tentar a sétima Olimpíada na Laser, o brasileiro fez resultados entre o 10º e 12º lugares em um Mundial, em Palma, Hyères e no evento-teste. No Mundial deste ano, em fevereiro, foi só 42º. Dá para melhorar. "Eu estou tentando ganhar massa e peso para chegar no peso ideal ainda. Esses são meus desafios agora."

Lalo de Almeida/ Folhapress

Scheidt diz que a exclusão da classe Star do programa é coisa do passado, que já aconteceu faz tempo (em 2012, para 2016), que não adianta ficar rediscutindo, mas ainda não engoliu aquela polêmica decisão, que até hoje afeta sua carreira. Classe com barcos mais lentos que os demais, a Star proporcionou três títulos mundiais e duas medalhas olímpicas a Scheidt, que, por ele, continuaria nela por muito tempo.

"A retirada da classe Star retirou uma peça muito importante da vela, aquela vela clássica, dos grandes campeões, em que você poderia ter um Ben Ainslie (britânico com quatro ouros olímpicos), um Torben Grael, um Paul Cayard (americano). Era a chance do velejador que acabou a carreira em alguma classe velejar um contra o outro nessa categoria, que permite vários tamanhos de pessoas", reclama.

Todos os argumentos possíveis foram apresentados para que a decisão fosse revista antes da Rio-2016, o que não aconteceu. O brasileiro disputou a Olimpíada em casa na Laser e, encerrado o ciclo, resolveu se aventurar de 49er, um barco mais rápido. "Me atraia porque é uma coisa muito diferente de velejar, o 49er. É um barco extremamente rápido, muito dinâmica a regata, decisões rápidas. Quando eu tive a chance de entrar com bom proeiro, falei 'Por que não?'. Fiz um ano, foi bom, em termos do que aprendi foi ótimo, acrescentou muito para mim, mas eu vi que para chegar num nível de brigar por medalha olímpica seria muito difícil."

Naquele momento, a carreira olímpica do duas vezes medalhista de ouro havia chegado ao fim. Era hora de enfim se dedicar a outros projetos, à vela oceânica, ao ainda forte circuito da Star, e à primeira oportunidade de ser treinador. Foi em 2018, com Jorge Zarif, brasileiro classificado para Tóquio na classe Finn. Foi legal, mas estar dentro do barco é mais.

"Se eu não decidisse voltar à campanha, teria continuado a ajudá-lo. Eu não descarto fazer isso no futuro. Hoje, não daria para conciliar as duas coisas. Nada se compara a ser o atleta. Você ser o atleta, o protagonista, para quem viveu isso, já passou por tanta coisa, aquela adrenalina, aquela sensação de ir para uma prova, competição, não tem nada igual."

Falta de revelações: de quem é a culpa?

Jorge Zarif é o mais novo entre os atletas de elite da vela brasileira que brigam por resultados expressivos em nível Olímpico. Jorginho, como é conhecido, tem 27 anos e veleja em alto nível desde, pelo menos, 2013, quando foi campeão mundial. Ou seja: são sete anos em que a modalidade não revela ninguém de peso no cenário olímpico.

"O Brasil sempre formou talentos excepcionais. O número de medalhas olímpicas que a gente tem, para o número de atletas que a gente formou, é excepcionalmente alto. Talento a gente tem muito, falta realmente uma estrutura mais organizada para a gente poder dar essa chance para essa nova geração", analisa o veterano.

As condições não são nada propícias para uma mudança de ventos. A Confederação Brasileira de Vela (CBVela) está proibida de receber recursos públicos e quem banca o alto rendimento hoje é o Comitê Olímpico do Brasil (COB), que naturalmente tem maior preocupação com o resultado no curto prazo.

"A vela é um esporte em que você evolui até certo ponto treinando no Brasil. A partir daí, tem que ter o contato com velejadores estrangeiros e competições, para fazer o próximo passo, que é velejar rápido numa flotilha de alto nível. Mas não pode jogar isso tudo em cima de uma confederação. Não é só responsabilidade deles, é da vela como um todo. É um desafio que não é de hoje, ele está aí há muito tempo", lembra Scheidt.

Na avaliação dele, os clubes seguem revelando bons velejadores, mas esses atletas não têm conseguido dar os passos seguintes: "Ir para Europa, ganhar experiência internacional, ter um bom treinador, e aí sim entrar nesse sonho olímpico. Se não, o passo é muito longo entre treinar no Brasil e querer ir para a Olimpíada".

O problema é achar dinheiro para oferecer essa experiência internacional. O pouco dinheiro privado disponível só chega, segundo Scheidt, via Lei de Incentivo. E conseguir acessar esses recursos não é para qualquer um. "Não que eu ache que a Lei de Incentivo seja ruim. Ela é boa, mas é burocrática. Você precisa de um time para montar um projeto. Um atleta vai gastar muito tempo, muita energia para conseguir aprovar e captar. É extremamente difícil".

Ezra Shaw/Getty Images Ezra Shaw/Getty Images

Não foi apenas o adiamento de regatas das mais importantes do calendário internacional, incluindo uma Olimpíada, que afetou a família Scheidt nesta quarentena. Entre os campeonatos que devem ser adiados está o Mundial de Optimist, que seria em julho, no quintal da casa deles, e deveria marcar a estreia de Erik Scheidt, 10 anos, num evento deste porte na classe de iniciação da vela.

O garoto, filho do medalhista olímpico brasileiro e da medalhista olímpica lituana Gintar? Volungeviciute, já decidiu que vai competir pelo Brasil. Este ano, em janeiro, foi campeão nacional mirim, mas os pais não pretendem colocar nenhuma pressão sobre o garoto por resultados.

"O que eu quero é ver ele feliz, ele com sorriso no rosto. Ele tá fazendo a mala no sábado de manhã, indo lá velejar, voltando com sorriso no rosto, isso é o mais importante. Se ele tiver isso, eu estou contente. É difícil pensar hoje que ele vá ser um campeão. Se acontecer, a gente vai gostar, mas não é o objetivo para colocar ele no esporte. Ele tem que achar o caminho dele", diz o pai coruja.

O caçula Lukas, de sete anos, não pegou gosto pela vela, e isso não é um problema. "Vamos ver se mais para frente ele quer. É importante escolher um esporte para praticar, porque é uma coisa saudável pra criança ir crescendo, melhorar a coordenação motora, se relacionar com outras pessoas", justifica.

Opções não faltam. No Lago di Garda, é possível tanto treinar tanto vela quanto esqui, no inverno, sem contar ciclismo de estrada, mountain bike e tantos outros esportes mais tradicionais. Morando ali há mais de uma década, Scheidt ainda não sabe se voltará ao Brasil depois do fim da carreira "olímpica". "Depende de muitas coisas, mas por enquanto a gente tá feliz aqui. Lógico que tem coisas que a gente sente falta do nosso país, mas a gente tá bem contente com nossa rotina, nossa vida aqui", conta.

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