Sobre culpas e meiões

Roberto Carlos revive mágoa da eliminação para França e protesta contra críticas

Eder Traskini Do UOL, em Santos (SP) Mark Leech/Offside/Getty Images

"Culpado: Quem provocou, por ação ou omissão, algo desastroso."

Essa é uma das definições da palavra "culpado" encontrada em dicionários. No futebol, não são raras as vezes em que um atleta falha e é apontado como culpado pela "desastrosa" derrota. No entanto, em um esporte tão coletivo - e cada vez mais - quanto o futebol, deveria existir tal conceito?

Primeiro de julho de 2006. Brasil e França mediam forças nas quartas de final da Copa do Mundo. Falta pela esquerda do ataque francês, Zidane colocou no segundo pau e Henry, sozinho, marcou o gol da eliminação brasileira.

Rapidamente a questão veio à tona: por que Henry estava livre? De quem foi a culpa? Jogador mais próximo do lance, Roberto Carlos, que arrumava o meião durante a batida, foi o escolhido. Até hoje o ex-lateral carrega o peso, mas discorda e questiona quem procura culpados no esporte.

"Nós temos o costume de sempre colocar a culpa em alguém. O brasileiro tem esse costume, mas no futebol não existem culpados. Eu sempre discuti muito com a imprensa, defendi o meu grupo e isso causou certa antipatia", disparou Roberto Carlos em entrevista ao UOL Esporte após ser uma das estrelas do lançamento do novo celular Nokia XR20, que precisou resistir a um chute do ex-jogador.

Na recente final da Copa América, foi a vez de Renan Lodi ser apontado como culpado pelo gol da Argentina que deu o título aos "hermanos". Com experiência tanto como lateral quanto como "culpado", Roberto Carlos vê a história se repetir, conta o que passou e sai em defesa do atual herdeiro.

Mark Leech/Offside/Getty Images

O que viveu Roberto Carlos na época da eliminação

"Minha mãe chorava todo dia. Eu ligava a TV, ela desligava. Não queria ouvir falar de Copa do Mundo"

A frase é do próprio Roberto Carlos em entrevista ao Esporte Espetacular oito anos após a eliminação, em 2014. O lateral também chegou a dizer à Fox Sports no ano passado que a história do meião fora "inventada por Galvão Bueno", que narrou a partida na Globo.

O episódio marcou a última vez em que o lateral vestiu a amarelinha. Em respeito à mãe, ele aposentou da seleção, mesmo tendo o desejo de disputar a Copa do Mundo de 2010. E, de fato, tinha chance de disputar aquele mundial que teve Michel Bastos, na época no Lyon (FRA), e Gilberto, que jogava no Cruzeiro, convocados.

O caso "meião" foi o estopim para Roberto Carlos na seleção, mas o lateral já era veterano na matéria críticas: fora assim também na Copa de 1998. Para ele, ambos os episódios foram injustos.

"Eu fui crucificado em 98 porque eles não podiam colocar a culpa em outros — e eu também não ia aceitar — e em 2006 em uma bola parada onde eu não tinha que estar", definiu.

As pessoas não entendem como é o posicionamento de uma preleção, como se deve posicionar a defesa, onde cada um tem que estar, e muitas vezes soltam coisas num tom de crítica e para magoar. Você sabe quem me fez a crítica, quem começou, que é um grande amigo meu. Depois, eu tive que explicar para o espertão como foi a preleção

Roberto Carlos, ex-lateral da seleção brasileira

"Quando é mentira, não me assombra"

A mágoa, ou talvez o incômodo, de Roberto Carlos com o episódio "meião" é evidente. Mesmo assim, no entanto, o lateral é categórico ao responder se isso ainda o assombra.

"Quando é mentira, não me assombra. Quando se busca um culpado apenas para falar 'ah, eu falei do Roberto', não me assombra. Me surpreende muito a maneira que se falou sobre isso, mas é normal. Quando o jornalista quer ser mais importante que o jogador, aí tem alguma coisa errada", disparou.

É nessa mesma linha de pensamento que o ex-lateral aconselha um dos atuais herdeiros da posição, Renan Lodi, do Atlético de Madrid. Na Copa América, Lodi cometeu um erro ao cortar a bola que resultou no gol do título da Argentina.

"O Renan Lodi não tem culpa de nada, é uma jogada normal, uma bola muito difícil. Aconteceu comigo no jogo contra a Holanda: nós estávamos saindo da defesa, a bola é jogada por cima de mim, eu tento tirar e não consigo, e o Bergkamp faz o gol. Mas no futebol não existe culpado. Tem que saber entender o esporte e estar lá dentro para saber o que significa jogar futebol, e o Renan não tem que ficar preocupado com isso, apenas continuar no caminho dele."

O jogador do Atleti deve disputar a posição até a data da Copa do Mundo do próximo ano com Alex Sandro, da Juventus (ITA).

Neal Simpson/EMPICS via Getty Images

Linha de sucessão difícil

De Roberto Carlos para Marcelo. De Cafu para Daniel Alves. Não é fácil ser lateral da seleção brasileira depois de nomes como esses. Juntos, o quarteto soma 11 conquistas da Liga dos Campeões, isso sem citar os troféus com a amarelinha.

Enquanto Dani Alves ainda briga com Danilo e Emerson por vaga na direita, a missão na esquerda pertence a Renan Lodi e Alex Sandro - principalmente. O lendário ex-lateral brasileiro, no entanto, não acredita os laterais atuais terão o mesmo destaque por um motivo bem definido: o futebol "moderno".

"É um sistema diferente de jogo. Hoje em dia jogamos no 4-4-2, 4-3-3. Na nossa época era 3-5-2, era diferente. Eu e Cafu éramos muito ofensivos. O Marcelo no Real Madrid se adaptou bem, mas na seleção já não conseguia jogar com a mesma facilidade. Depende muito do sistema. Agora, tem que ter paciência (com os sucessores) porque é uma maneira diferente, o futebol mudou muito. Hoje em dia a marcação é muito próxima. Na nossa época a gente tinha tempo de dominar e ter uma claridade na sua frente, hoje não tem", afirmou.

O esquema do técnico Tite, porém, costuma dar liberdade para os laterais atacarem, recuando Casemiro para ajudar na saída de bola. Ainda assim, a atual função de um lateral, mesmo que com liberdade, é diferente. Seja dando amplitude ou sendo construtores por dentro, o atleta precisa dar opção para o passe e auxiliar na criação, uma função menos ofensiva do que um antigo ala de um 3-5-2.

Vai ser muito difícil conseguir uma seleção como a nossa de 94 até 2006. Deixamos um legado muito bonito na seleção brasileira. Muitas vezes as pessoas jogam em cima do futebol a responsabilidade pela dificuldade que a gente vive no país. E essa pressão alguns jogadores sentem e outros não. É difícil assumir certas responsabilidades. Jogar na seleção não é para qualquer um

Roberto Carlos, ex-lateral da seleção

Buda Mendes/LatinContent via Getty Images Buda Mendes/LatinContent via Getty Images

Sonho santista frustrado

O Palmeiras foi o clube pelo qual Roberto Carlos despontou para o mundo, enquanto o Real Madrid foi a equipe em que o lateral conquistou o mundo. Quando foi voltar ao Brasil, o lendário lateral tinha um desejo claro: jogar pelo Santos, o clube do coração.

"Eu sou santista. Desde a época de Pelé, meu pai sempre gostou muito do Santos. Ele mudou na época que fui para o Palmeiras, virou palmeirense porque foi onde ganhei tudo na minha vida. Mas eu tinha vontade de jogar no Santos. Quando voltei, em 2011, eu fui falar com o presidente do Santos, mas o clube não estava bem financeiramente e não podia pagar", revelou.

Sem poder realizar o sonho, Roberto Carlos assinou com o Corinthians para uma passagem que durou pouco mais de um ano e teve fim trágico: a eliminação na Pré-Libertadores para o Tolima (COL).

O lateral acertou a rescisão de contrato após com o Timão após a eliminação e voltou à Europa, onde atuou no Anzhi (RUS). No clube russo chegou a iniciar a carreira como auxiliar técnico e foi técnico interino por um período - ao mesmo tempo em que ainda jogava na equipe. Um ano depois anunciou aposentadoria.

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Artilheiro no PS1

Assim como toda lenda do esporte, Roberto Carlos ganhou representação à altura no mundo dos games. É um dos "ícones" do futebol disponíveis até hoje no modo Ultimate Team do Fifa, por exemplo. No entanto, o Roberto Carlos do videogame é muito mais do que um lateral: é um dos maiores artilheiros da história.

No antigo "Winning Eleven" do console Play Station 1, na época do auge dos galácticos do Real Madrid, Roberto Carlos via de regra desbancava um dos atacantes para atuar dentro da área do adversário e marcar muitos gols se aproveitando do potente chute de esquerda.

A tática "Roberto Carlos no ataque" - que tinha até comunidade na antiga rede social Orkut — era usada pelo próprio jogador quando jogava videogame.

"Já joguei algumas vezes, sim (com ele próprio como atacante). Dependia do sistema que eu colocava. Muitas vezes eu me colocava de atacante, junto com o Ronaldo, e muitas vezes do lado esquerdo porque eu era rapidinho. Eu corria e ele só fazia o gol. É gostoso, todo mundo fala isso pra mim. Legal saber que o pessoal usa esse joguinho para ter um certo benefício em relação a vitórias importantes", disse.

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