Santos à beira do abismo

Novo presidente, Orlando Rollo relata problemas da gestão afastada e admite que situação encontrada é caótica

Gabriela Brino Colaboração para o UOL, em Santos (SP) Pedro Ernesto Guerra Azevedo/Santos FC

Aos 45 minutos do segundo tempo, Orlando Rollo assumiu a presidência do Santos. Após novo processo de impeachment nas últimas semanas, José Carlos Peres foi afastado junto com seu Comitê de Gestão devido às irregularidades nas contas de 2019.

Rollo não esperava tamanha reviravolta, mas de uma coisa ele tem certeza: o Santos está à beira do abismo.

O clube não podia registrar jogadores até poucos dias atrás e corria sérios riscos de perder pontos no Campeonato Brasileiro, tudo isso porque não havia desembolsado nenhum valor ao Hamburgo, de quem comprou Cleber Reis lá em 2017. A situação foi resolvida na última sexta-feira após um acordo e a punição foi retirada. Mas ainda existem as pendências com o Huachipato, do Chile, por Soteldo, e com o Atletico Nacional, da Colômbia, por Felipe Aguilar, hoje no Athletico Paranaense. A Fifa já sancionou uma proibição de contratar atletas pelas próximas três janelas pela dívida com os chilenos e a punição começa no próximo dia 13.

Para dar conta de todos os problemas que encontrou, o dirigente pediu licença da Polícia Civil, em que é investigador, para atuar no cargo 24h. "Meu compromisso principal é com o Santos. Hoje, está à frente da minha família e trabalho. O Santos está à beira do abismo. Estou tirando licença do meu trabalho para poder atuar 24h por dia no Santos Futebol Clube", disse ao UOL Esporte.

Pedro Ernesto Guerra Azevedo/Santos FC
Ivan Storti/Santos FC

Candidato à presidência acabou com punição da Fifa

Assim que assumiu a presidência, Rollo compareceu ao CT Rei Pelé para uma reunião com o elenco e comissão. Durante o encontro, o maior questionamento dos jogadores foi a possível perda de pontos no Campeonato Brasileiro por causa da dívida com os alemães, que beira os 4,3 milhões de euros (R$ 28 milhões).

Por causa do calote, os diretores do Hamburgo acionaram a Fifa, que puniu o Peixe proibindo o registro de novos atletas. Caso não entrassem em acordo até o dia 13 de outubro, dia em que abre a janela de transferências, o clube poderia ser prejudicado no Brasileirão. Poderia...

Na última sexta-feira, o Santos anunciou o cancelamento da punição após um acordo em que obteve desconto de mais de 1 milhão de euros. O clube contou com a ajuda de Andres Rueda, candidato a presidente do Peixe, que fez um empréstimo no valor de 1,5 milhão de euros sem juros ao clube. O Boavista, de Portugal, irá depositar 500 mil euros diretamente ao Hamburgo pela contratação do zagueiro Jackson Porozo, enquanto o Peixe arcou com outros 500 mil euros. Outros 600 mil euros foram parcelados em três vezes bimestrais.

"Eu saí, literalmente, pedindo humildemente ajuda a todos os santistas que têm condições. Andres Rueda se ofereceu, acatou meu pedido. Nesse momento, Rueda ajudou a salvar o Santos. Humildemente, vou continuar pedindo ajuda. Rueda ajudou financeiramente, mas os outros candidatos também estão ajudando com trabalho dentro do Comitê de Transição. Isso mostra que estamos todos unidos pelo Santos Futebol Clube. Louvável a atitude do Andres Rueda que emprestou o dinheiro a juros zero", explica o presidente.

Ivan Storti/Santos FC

A paz de Rollo

Esqueça a imagem de um dirigente truculento que Orlando Rollo (na foto acima, ao lado do técnico Cuca) carrega. Ele vem surpreendendo nas primeiras semanas na presidência, com um perfil conciliador para conseguir, enfim, trazer paz aos bastidores do Santos.

Não foi apenas o pagamento da dívida com o Hamburgo. O mandatário reuniu todos os pré-candidatos à presidência e formou uma Comissão de Transição com um indicado de cada chapa. O intuito foi claro: mostrar a real situação financeira do clube para que quem quer que vença a eleição tenha ciência da situação.

Um levantamento feito apontou dívida de curto prazo de R$ 52 milhões, além de quase R$ 200 milhões em dívidas de longo prazo.

Em entrevistas, Rollo repetiu várias vezes a frase "não posso enganar o torcedor" para falar sobre os problemas financeiros vividos pelo clube. As conversas com os jogadores são francas e diretas. Na reunião com o elenco assim que assumiu, pediu foco no campo e prometeu fazer o possível fora dele. Desde então pagou um mês de imagem atrasada e acertou parte da dívida que o Peixe tinha com Sánchez, por exemplo.

Reprodução

Marcelo Teixeira, Pelé e a Arena

Como você imagina o papel do ex-presidente Marcelo Teixeira neste momento de reconstrução do clube?

Marcelo Teixeira tem sido muito importante nesse momento. A liderança dele, à frente do Conselho Deliberativo, tem sido muito importante para aprovar algumas questões administrativas que o Comitê de Gestão precisa implementar. Além de trazer harmonia, que ele consegue com a liderança dele, para que o CG possa executar as ações com mais tranquilidade. O Marcelo Teixeira tem nos ajudado muito nesse momento

Peres deixou como última herança o projeto de nova arena. Burocraticamente, é viável que esse projeto siga o trâmite de aprovação dentro do clube?

Conseguimos aprovar esse projeto. Um projeto muito importante, o Santos não pode ficar para trás. Eu sou um dos principais defensores da revitalização da Vila Belmiro. Mas eu gostaria de ressaltar que hoje tivemos uma reunião com o prefeito Paulo Barbosa, conseguimos viabilizar estudos para a rua Tiradentes, rua da parte de trás da Vila Belmiro, paralela à Princesa Isabel, vire um Boulevard, com lojas, área de lazer, para que se realize alguns matchdays e tenha muito entretenimento para o torcedor e sua família.

Independentemente de sair a Arena ou não, esse Boulervard será parte da obra revitalização do entorno da Vila vai começar a sair do papel. Sou favorável a esse projeto da W Torre, mas não considero Peres responsável por nada. Até porque quem trouxe essa ideia foi a W Torre juntamente com a prefeitura, pelo contrário, o Peres fez a torcida passar um vexame quando apresentou o papo furado de Bolton Arena, que era uma obra faraônica que nunca existiu.

O senhor colocou o Pelé pra falar com o presidente da CBF há alguns dias. O Rei pode reeditar algum papel de embaixador, mesmo informalmente, neste momento de crise?

Estamos integrados com o Rei Pelé. O Edinho, por exemplo, terá uma situação mais privilegiada dentro do Santos de acordo com seu grau de conhecimento. É uma pessoa muito preparada para atuar no futebol. Estou desenvolvendo um projeto internacional com outro filho do Pelé, o Joshua, que consiste em uma parceria entre Santos e Pelé Academy. E no dia do aniversário do Pelé iremos apresentar o projeto Rei 80. Uma série de comemorações em homenagens ao Pelé pelos seus 80 anos. Pelé hoje está totalmente integrado com nossa filosofia e o atual Comitê de Gestão.

Ivan Storti/Santos FC

Peres e o Comitê de Gestão foram afastados. Rollo, vice, não

José Carlos Peres já havia sofrido um processo de impeachment no final de 2018, quando o Comissão de Inquérito e Sindicância encontrou irregularidades na gestão. Na época, Orlando Rollo poderia assumir o cargo, mas a assembleia de sócios optou pela permanência de Peres.

Hoje, a situação é outra.

Em 2019, após superar o afastamento, o clube atualizou seu estatuto de acordo com as normas do PROFUT (Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade). O programa indica, em caso de gestão temerária, que o presidente seja afastado imediatamente após a abertura do processo de impeachment no Conselho Deliberativo e que apresente a defesa fora do comando do clube. Os demais membros do Comitê de Gestão também foram envolvidos no processo por terem, supostamente, participado diretamente das decisões.

Rollo, por ter tido conflitos com Peres, já tinha parado de frequentar as reuniões do Comitê de Gestão. Como não há sua assinatura nas atas das decisões administrativas, o vice foi isentado e teve o direito de assumir interinamente a presidência.

"Eu sempre tive esperança que fosse assim desde o início. Me preparei para estar aqui, não estou caindo de paraquedas. Estou no Santos desde que nasci. Com 21 anos, eu era conselheiro, tenho vasta experiência. Fui vice da Federação Paulista, estava preparado pelo momento. Infelizmente, o presidente afastado quis gerir o clube sozinho e não tinha experiência e nem conhecimento para isso. Acabou se atrapalhando e prejudicando muito o Santos", afirma o dirigente.

Pedro Ernesto Guerra Azevedo/Santos FC

Os atritos entre Rollo e Peres

Os conflitos entre José Carlos Peres e Orlando Rollo são uma das maiores marcas da gestão que deixou o Santos "à beira do abismo". Meses depois que a dupla venceu a eleição, o vice começou a questionar atitudes do presidente, como decisões isoladas, reuniões chamadas sem aviso prévio, demissões que não consultavam o vice e o CG, afastamento de um dos principais membros da campanha...

A relação era como a de óleo a água e os dois não se misturavam. Em contato com o UOL Esporte, Rollo explicou alguns motivos que fizeram ele se afastar do cargo de vice-presidente. "A campanha era moldada com o Peres presidente, eu como vice e ampla participação do Odir Cunha (na foto acima). Ele teria o mesmo poder decisório que eu e Peres. Tudo seria decidido democraticamente entre os três e o comitê de gestão".

"Ganhamos a eleição e o Peres acatava tudo, de maneira colegiada e democrática. Até porque o Peres não tem capacidade intelectual para ganhar uma eleição no Santos. Então, ele acatava tudo que era determinado. Mas o Odir Cunha foi excluído por completo do processo. Ele era parte da proposta de sermos um trio, caiu bem, todos gostaram. Ele foi excluído logo de cara", explicou Rollo, antes de assumir a presidência.

No processo de transição, nós já sentimos alguns problemas. Por exemplo, ele marcou uma reunião com o Modesto Roma e não avisou ninguém. Estava ele com alguns convidados. Pessoas que não seriam as combinadas para fazer a transição. Eram amigos do Peres. Começou de cara convidando o Modesto Roma para o Comitê de Gestão. E não tinha acordado com ninguém".

Outro caso foi o da contratação e posterior demissão de Luiz Eduardo Silveira como CEO do Santos. "Todos concordaram por conta do currículo. Com poucos dias, após a transição, esse profissional veio com a família para a Baixada Santista, e o Peres, do nada, demitiu. Ninguém entendeu nada. Ele colocou no lugar o Ricardo Feijó, que era Conselheiro eleito pela chapa e que não teria o mesmo conhecimento técnico do Luiz. O Luiz foi trazido pelo Peres, eu não o conhecia, só para reforçar", acrescenta.

Assim que assumiu o cargo, Orlando Rollo contratou Luiz Eduardo Silveira novamente. Hoje, ele é Superintendente de Administração e Finanças.

Ivan Storti/SantosFC

"Demissões da cabeça dele"

Ao assumir o clube, Peres acordou com Rollo e Odir Cunha, demitido recentemente do clube, que organizariam o clube, debateriam nomes a serem demitidos, afastados e contratados. De acordo com o atual presidente, não foi o que ocorreu. Segundo Rollo, Peres dava aval para conversar com determinadas pessoas e contratá-las, mas horas mais tarde contratava um profissional para o cargo que não tinha sido discutido.

"Ainda na transição, dei a ideia de ter alguém forte nos bastidores no departamento de futebol. Com livre trânsito na CBF, na FIFA, na Conmebol, em qualquer instância. Se você vai com alguém com livre trânsito, é recebido em um tapete vermelho. Ele concordou com a ideia e eu sugeri conversamos com o Careca, que jogou com Maradona na Copa de 86 e 90, santista fanático, encerrou a carreira pelo Santos. Estou conversando com ele e vejo pela imprensa que Peres havia contratado Gustavo Vieira e, na sequência Jair Ventura. Fez as contratações sem consultar ninguém, da cabeça dele. Depois de ter me falado pra conversar com o Careca" — na foto acima, Rollo aparece ao lado de Peres na apresentação de Jair Ventura como técnico.

"Ele queria demitir todo mundo pra colocar os amigos apadrinhados dele. Na época, ele tinha colocado para demitir o Maneco, Serginho Chulapa e Arzul, e não tinha critério técnico nenhum para embasar a demissão. Foi o primeiro atrito que tivemos por conta dessas três demissões específicas. Ali eu ainda tive força pra manter os três", disse.

Reprodução/Twitter/Santos Reprodução/Twitter/Santos

Pelé no Comitê de Gestão

Para tentar reaproximar Pelé do Santos, Orlando Rollo sugeriu convidar o Rei para completar os membros do Comitê de Gestão. A ideia foi vista com bons olhos, mas a empresa detentora de direitos do ídolo explicou que ele não pode fazer parte de nenhuma entidade como gestor.

Em reunião com a dupla, Pelé pediu para manterem Aarão e André, filhos de Manoel Maria, ex-jogador do Santos, como funcionários no clube. Ambos concordaram prontamente com a ideia, mas alguns dias depois, Peres os demitiu.

"A reunião foi sensacional, conversamos por horas. O Pelé fez somente um pedido para nós: 'Pô, fiquei sabendo que o Aarão e o André seriam mandados embora. Mantém os dois, por favor. Acompanho o trabalho deles, é muito bom'. Concordei. Peres falou para ele ficar tranquilo, que manteria os dois. Deu uns quatro ou cinco dias, Peres mandou os dois embora. Demos a palavra ao Pelé. Depois disso, acho que ele não quis saber de mais nada com relação ao Santos", desabafa. Após a publicação desta reportagem, Rollo entrou em contato e disse que os dois seriam recontratados.

Marcello De Vico/UOL

"Eu não estava gerenciando nada"

A relação se desgastou e Rollo sentiu que Peres fazia movimentações que limitavam suas funções. Em determinado momento, a Rollo foi oferecida a responsabilidade de ficar à frente da segurança do clube, do futebol feminino e dos esportes olímpicos. Para quem acompanhava a política santista, ele não teria participação direta do futebol.

"Foi quando ele me perguntou se eu queria cuidar do futebol feminino. E eu respondi que fui eleito vice-presidente de tudo. Não é vice-presidente do futebol feminino. O que acontece: o estatuto não é gerido pelo presidente, é gestão colegiada. Mas para não criar muita confusão, cuidei do futebol feminino. Eu gosto de todas as modalidades. Ele concordou, mas disse que o genro, o Alessandro, seria o gerente do futebol feminino e a técnica já havia sido escolhida, a Emilly Lima. Então, em tese, me deu o futebol feminino para cuidar, mas já tinha escolhido o gerente e a técnica, então eu não estava gerenciando nada", conta.

"O vice-presidente é vice-presidente de tudo. Não existe ser vice só disso, não é estatutário. Ele não poderia ficar no profissional sozinho, na base sozinho. Todos, o presidente, o vice, os membros do CG, são responsáveis pelo clube como um todo. Nesses setores específicos que diziam que eu cuidava, foram contadas mentiras tantas vezes que se tornaram verdade. O que eu geri no futebol feminino? Nada. Eu não decidia nada, colocava no Comitê de Gestão, como manda o estatuto social. A mesma coisa na segurança, indiquei um gestor. Esportes Olímpicos, indiquei outro gestor. Quando tinham requisições, traziam para o CG decidir".

Thiago Duran/AgNews

A conversa com Neymar pai

Outro motivo de desgaste foi uma reunião que Orlando Rollo teve com o pai de Neymar. A ideia era a mesma que a com Pelé: reaproximar um ídolo do clube, além de resolver pendências. De acordo com o presidente, assim que Peres soube do positivo encontro, ligou ao pai de Neymar para debater os mesmos temas.

"Fui me reunir com o pai do Neymar porque ele não quis ir. Fomos falar sobre os problemas do Neymar com o Santos, resolver pendências e fazer essa reaproximação. Durou horas, foi produtiva. Foi no escritório do pai do Neymar, na Ana Costa, em Santos. Quando falei pro Peres que a reunião foi produtiva, ele entrou em contato com o pai do Neymar, dias depois para conversar de novo. As mesmas coisas que eu tinha conversado. O pai do Neymar deve ter pensando 'esses caras aí são uns moleques'. E se afastou, coisa de louco", revela.

Pior experiência da vida

Não serei candidato, é apenas uma gestão de transição. Foi criado, dentro dos parâmetros estatutários, um Comitê de Transição, que tem um integrante de cada possível chapa, para mostrar lisura e transparência total e para que todas as chapas tenham acesso desde já a todas as informações administrativas, contábeis, financeiras e jurídicas do clube. Para que, desde já, comecem sua transição. Não serei candidato nunca mais. Não esperava ter sofrido essa traição que sofri do presidente afastado. Foi a pior experiência da minha vida

Orlando Rollo

Rodrigo Corsi/FPF

A versão de Peres

A reportagem entrou em contato com o presidente afastado, José Carlos Peres, para ele dar sua versão das situações acima. O dirigente, porém, preferiu não entrar em muitos detalhes.

"Não vou ficar batendo boca com este indivíduo, estamos sub júdice. Você vem em um ritmo de 16 horas por dia e de repente desacelera de uma vez por um golpe insano", disse.

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