Prata da esperança

Vice-campeã olímpica, seleção feminina descobre como voltar a ganhar e mostra que o futuro pode ser brilhante

Rodrigo Mattos e Thiago Arantes Do UOL, em Paris Robert Cianflone/Getty Images

Quem quiser ver o copo meio vazio dirá que foi a quarta derrota em quatro finais. Mas a seleção brasileira feminina de futebol dá muito mais motivos para olhar o copo meio cheio. A medalha de prata em Paris não carrega o peso de um fracasso. Pelo contrário, ela reluz com o brilho de um time que aprendeu a ganhar.

O pódio consagra um time em reconstrução, que, em seu primeiro grande torneio, derrubou gigantes pelo caminho, superou a ausência de sua principal jogadora, deu esperanças a uma torcida que esperou anos para voltar a sorrir.

No futuro, esta seleção será lembrada como um time que aprendeu a vencer: superou França pela primeira vez; ganhou com autoridade da Espanha, a campeã mundial; bateu de frente com os Estados Unidos na decisão e só não venceu porque a goleira adversária fez dois milagres.

Para além dos resultados, a seleção mostrou que existe um caminho. A prata de Paris marca o fim da carreira de Marta em Olimpíadas, mas faz olhar mais para o futuro que para o passado.

Ela é o início de um caminho. É a prata da esperança.

"É muito importante. Essa medalha representa muita coisa. Tem muitas coisas por vir. Foi pouco tempo de trabalho para chegarmos onde chegamos. Meninas jovens, primeira Olimpíada de muitas. Tenho certeza de que isso daqui é o início de um grande respeito que o Brasil agora vai ter."
Gabi Portilho

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A final

O Brasil ampliou o jejum contra os Estados Unidos em finais olímpicas, perdeu por 1 a 0 no Parque dos Príncipes e levou a prata. De volta a uma final após 16 anos, a seleção brasileira sofreu com um segundo tempo ruim e ficou com a terceira prata de sua história. Do outro lado, as norte-americanas chegaram ao pentacampeonato olímpico —três deles sobre a seleção verde-amarela— com gol de Swanson no início do segundo tempo.

  • O Brasil iniciou o jogo melhor, teve um gol anulado, mas viu as norte-americanas encurralarem no segundo tempo. A seleção de Arthur Elias desperdiçou chances no primeiro tempo e voltou desorganizada para a etapa final. Os EUA, por outro lado, passaram a controlar o jogo, aproveitaram e chegaram ao gol.
  • Marta iniciou o jogo no banco de reservas e entrou após o gol dos EUA. De volta à seleção brasileira após dois jogos de suspensão, a camisa 10 acompanhou de longe o início da "revanche", sendo chamada por Arthur Elias aos 19 minutos do segundo tempo.
  • O Brasil foi para o tudo ou nada, mas não balançou a rede e amagou o terceiro vice. A seleção brasileira foi prata nos Jogos de Atenas 2004 e Pequim 2008.
  • A camisa 10, mais uma vez, termina sem o topo do pódio. Marta era a única remanescente dos elencos de 2004 e 2008 e anunciou no início do ano que esta deve ser a sua última temporada pela seleção brasileira.
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Marta: 3 medalhas olímpicas

"Acaba logo, p****!"

O desespero de Marta assistindo das arquibancadas aos acréscimos do segundo tempo contra a França, nas quartas de final, era justificado. O Brasil vencia por 1 a 0, mas uma virada francesa encerraria ali a carreira olímpica da maior jogadora do país.

Ela estava fora por ter sido expulsa contra a Espanha, na fase de grupos. Uma suspensão que a CBF tentou, sem sucesso, reduzir de dois jogos para um. Ela só voltaria a campo para uma decisão de medalha —de bronze ou ouro.

A vitória brasileira no reencontro com a Espanha, na semifinal, traçou o roteiro perfeito: Marta encerraria sua sexta Olimpíada em uma final, onde já havia estado em 2004 e em 2008.

Ela começou a partida no banco, e foi de lá que viu a seleção jogar bem no primeiro tempo, baixar o ritmo no segundo e levar o gol. Marta entrou em campo aos 16min do segundo tempo.

Tentou, de todas as formas, ajudar o time a empatar. Cruzou bolas na área, bateu uma falta para fora, criou espaços, buscou maneiras de organizar o time. Mostrou, ainda que de forma breve, porque é tão grande.

A dúvida, agora, é sobre o futuro. Marta, no entanto, deu uma breve indicação após o jogo. Questionada sobre onde ela estará na disputa da próxima Copa do Mundo, que será realizada no Brasil, em 2027, ela deixou no ar. "No estádio, aplaudindo as meninas."

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É futebol, sim

O estilo de jogo que levou a seleção brasileira a ser a grande surpresa do torneio olímpico não é exatamente o "futebol arte" que o mundo espera do time verde e amarelo. A ideia nunca foi essa.

O time de Arthur Elias tem como base uma defesa sólida, a marcação pressão sobre as adversárias e a saída rápida nos contra-ataques. No duelo contra a Espanha, pela semifinal, o estilo brigador incomodou a atacante Jenni Hermoso. "Levamos quatro gols de uma equipe que não joga futebol", disse a espanhola, que depois se desculpou.

"A gente jogou com inteligência, com sabedoria. Se alguém reclamou do outro lado, cada um fala o que quer, mas a gente respeita todas as adversárias", disse a meio-campista Angelina.

Respeitar, sim. Aliviar, jamais.

O time que derrubou gigantes no caminho até o pódio inaugurou uma nova era no futebol feminino do Brasil. Com menos dribles e mais marcação; com menos posse de bola, mas com a ideia exata do que fazer.

Pode até não ser o futebol que se espera de uma seleção brasileira. Mas é futebol, sim. E deu certo.

Jack GUEZ / AFP Jack GUEZ / AFP

Como foram as outras finais

  • Dor na prorrogação

    A derrota na final em Atenas foi na prorrogação. O jogo contra os Estados Unidos já tinha acontecido na primeira fase, com vitória por 2 a 0 das americanas. O Brasil tentava dar o troco, mas não conseguiu. Tarpley abriu o placar. Pretinha levou o jogo para o tempo extra, mas Abby Wambach fez o gol que deixou o Brasil com a prata.

  • (Não) Vale a pena ver de novo

    Novamente a prorrogação no caminho da seleção. No tempo normal, desta vez, 0 a 0. As americanas, na época, eram treinadas por Pia Sundhage - que comandaria o Brasil, sem sucesso, anos depois. O Brasil tinha eliminado os EUA com um 4 a 0, na Copa do Mundo de 2007. O desfecho olímpico seria o mesmo? Mas Carli Lloyd deu o ouro às americanas.

Stephen McCarthy/Sportsfile via Getty Images Stephen McCarthy/Sportsfile via Getty Images

A campanha até a medalha

A campanha da seleção feminina até a final olímpica foi uma superação coletiva, mesmo com Marta fora de campo.

O início até foi dentro dos planos, com a camisa 10 dando assistência na vitória magra sobre a Nigéria. Nervosismo da estreia à parte, imaginava-se àquela altura uma progressão no jogo seguinte, contra o Japão.

O time até respondeu bem, abriu o placar diante das japonesas. Mas aí a instabilidade de velhos tempos reapareceu. Um pênalti e um gol nos acréscimos. Derrota. Inexplicável?

O histórico de anos voltou à tona. A classificação ficou sob risco. Vencer a Espanha, no encerramento da primeira fase, seria complicado. E o campo confirmou isso.

Para piorar, a expulsão de Marta deu um ar trágico à partida, que terminou 2 a 0 para as atuais campeãs do mundo. O Brasil jogou mal, muito mal. E só se classificou entre os melhores terceiros por causa de uma combinação de resultados.

Calhou de vir a França nas quartas de final. E aí a virada de chave aconteceu. A seleção calou o estádio com o gol de Gabi Portilho e a vitória suada por 1 a 0, com direito a pênalti defendido.

Nas semifinais, então, veio o recital. O melhor jogo em anos da seleção feminina, considerando a força do adversário. Teve lances bizarros da goleira adversária e um grito na cara dado por Priscila que sintetizou o confronto. O 4 a 2 confirmou a medalha. A questão que ficou: qual cor seria? A final contra os Estados Unidos respondeu.

RAFAEL RIBEIRO/CBF RAFAEL RIBEIRO/CBF

Lorena é paredão que supera lesão e enchente

A seleção brasileira tem no gol o principal destaque individual do time: Lorena.

Mesmo em momentos menos brilhantes da equipe nos Jogos Olímpicos, a goleira esteve lá, com defesas fundamentais para não deixar a situação ficar pior — o jogo contra a Espanha, na primeira fase, que o diga.

Lorena, de 27 anos, defende o Grêmio e ficou fora da última Copa do Mundo por causa de uma lesão no ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo. Foram 11 meses de recuperação. Parece até que ela está melhor do que antes.

O retorno à seleção brasileira foi durante a She Believes Cup, em abril. Na disputa do terceiro lugar, contra o Japão, pegou três pênaltis.

Foi uma antecipação do que ela viveria nos Jogos Olímpicos: Lorena pegou uma penalidade de Cascarino contra a França e evitou que as donas da casa abrissem o placar nas quartas de final. O Brasil venceu, e avançou.

No meio disso tudo, ela ainda precisou lidar com o drama familiar gerado pela enchente no Rio Grande do Sul.

"Atingiu a todos de uma forma muito agressiva e dolorosa. Atingiu diretamente a família da minha esposa e, assim, me atingindo também. Minha sogra, minha cunhada e nosso tio perderam completamente tudo. Conseguimos tirar todos em segurança, mas só com a roupa do corpo e os pets. Graças a Deus estão todos salvos, mas é horrível passar por isso", relatou ela nas redes sociais.

A medalha, de certa forma, ameniza o sofrimento recente também.

RAFAEL RIBEIRO/CBF RAFAEL RIBEIRO/CBF

Próxima missão é Copa em casa

Depois da final olímpica, a seleção feminina tem a responsabilidade de disputar em casa a próxima Copa do Mundo.

O Brasil ganhou o direito de ser sede do torneio em 2027. O fato de ter chegado tão longe em Paris já muda a perspectiva com a qual a seleção feminina pode chegar à competição.

"É um novo começo, é uma mensagem que mandamos para as meninas do Brasil com essa Copa do Brasil em 2027. O futebol feminino cresceu muito nesse ano. Essa medalha traz a torcida para junto da seleção."
Rafaele

Nas Copas e Olimpíadas passadas, o Brasil teve campanha instável, caindo precocemente e ficando devendo em momentos cruciais.

Em 2019, na França, ficou nas oitavas, diante das francesas. Em 2023, na Austrália, caiu na fase de grupos porque não conseguiu ganhar da Jamaica.

Ao mesmo tempo, viu aumentar o número de adversárias que se desenvolveram e se estruturaram ao longo dos anos. Não por acaso a Espanha foi campeã do mundo.

Mas, ainda que o futuro seja sem Marta, a seleção feminina mostrou que tem potencial de uma campanha muito mais promissora do que fez na Copa passada. E a torcida, sem dúvida, será uma aliada.

LUIS ROBAYO/AFP LUIS ROBAYO/AFP

Os medalhistas brasileiros

  • Larissa Pimenta (bronze)

    A chave é acreditar: Larissa é bronze no judô depois de muita gente (até uma rival) insistir que ela era capaz.

    Imagem: Wander Roberto/COB
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  • Willian Lima (prata)

    Dom e a medalha de prata: Willian sonhava em ganhar a medalha olímpica, e com seu filho na arquibancada. Ele conseguiu.

    Imagem: Wander Roberto/COB
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  • Rayssa Leal (bronze)

    Tchau, Fadinha. Oi, Rayssa: Três anos depois da prata em Tóquio, brasileira volta ao pódio em Paris e consolida rito de passagem.

    Imagem: Kirill KUDRYAVTSEV / AFP
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  • Equipe de ginástica (bronze)

    Sangue, suor e olho roxo: Pela primeira vez na história, o Brasil ganha medalha por equipes na ginástica artística. E foi difícil...

    Imagem: Ricardo Bufolin/CBG
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  • Caio Bonfim (prata)

    Buzina para o medalhista: Caio conquista prata inédita na marcha atlética, construída com legado familiar e impulso de motoristas.

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  • Rebeca Andrade (prata)

    'Paro no auge': Rebeca leva 2ª prata, entra no Olimpo ao lado de Biles, Comaneci e Latynina, e se aposenta do individual geral.

    Imagem: Rodolfo Buhrer/Rodolfo Buhrer/AGIF
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  • Beatriz Souza (ouro)

    Netflix e Ouro: Bia conquista primeiro ouro do Brasil em Paris após destruir favoritas e ver TV.

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  • Rebeca Andrade (prata)

    Ninguém acima dela: Rebeca ganha sua quinta medalha olímpica, a prata no solo, e já é recordista em pódios pelo Brasil.

    Imagem: Stephen McCarthy/Sportsfile via Getty Images
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  • Equipe de judô (bronze)

    O peso da redenção: Brasil é bronze por equipes no judô graças aos 57kg de Rafaela Silva.

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  • Bia Ferreira (bronze)

    A décima: Bia Ferreira cai para a mesma algoz de Tóquio, mas fica com o bronze e soma a décima medalha para o Brasil.

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  • Rebeca Andrade (ouro)

    O mundo aos seus pés: Rebeca Andrade bate Simone Biles no solo, é ouro e se torna maior atleta olímpica brasileira da história.

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  • Gabriel Medina (bronze)

    Bronze para um novo Medina: Renovado após problemas pessoais e travado por mar sem onda, Medina se recupera para conquistar pódio olímpico.

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  • Tatiana Weston-Webb (prata)

    Ela poderia defender os Estados Unidos, mas fez questão de ser brasileira e ganhou a prata de verde e amarelo

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  • Augusto Akio (bronze)

    Com jeito calmo, dedicação e acupuntura, Augusto Akio chegou ao bronze. Mas não se engane: ele é brasileiro

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    Bronze sub-zero: Edival Pontes, o Netinho, conheceu o taekwondo quando ia jogar videogame; hoje, é bronze na 'categoria ninja'

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  • Isaquias Queiroz (prata)

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    Piu supera tropeços em Paris, mostra que estava, sim, em forma e conquista seu segundo bronze olímpico.

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  • Duda e Ana Patrícia (ouro)

    Dez anos depois do título nos Jogos Olímpicos da Juventude, Duda e Ana Patrícia são coroadas em Paris

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  • Futebol feminino (prata)

    Prata da esperança - Vice-campeã olímpica, seleção feminina descobre como voltar a ganhar e mostra que o futuro pode ser brilhante.

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  • Vôlei feminino (bronze)

    Evidências - Programada para o ouro, seleção de vôlei conquista um bronze que ficou pequeno para o que o time fez em Paris.

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