Plano B

Sem futebol, jogadores fazem delivery, vendem roupa e esperam auxílio do governo

Adriano Wilkson Do UOL, em São Paulo Arquivo pessoal

Todo fim de semana, o meia-atacante Jonatas Rey pega uma bicicleta emprestada e sai de casa para entregar hambúrgueres na cidade de Cabo de Santo Agostinho, no litoral pernambucano. Até março, o atleta disputava o Campeonato Paraense pelo Paragominas, mas foi dispensado com o início da quarentena do novo coronavírus.

O bico como entregador da "Lanchonete do Trailer", empreendimento de uma amiga de sua mulher, Katyane, foi a forma que o casal encontrou para sustentar seus três filhos. Pelo serviço, o jogador de 24 anos recebe R$ 5 a cada entrega. "Tem dia que tiro R$ 50, R$ 70, mas também tem dia de pouca entrega que dá R$ 20, R$ 30."

Há duas semanas, o atleta espera receber os R$ 600 de auxílio emergencial prometido pelo governo federal. Ele já foi aprovado, mas o dinheiro ainda não foi liberado em sua conta. Jonatas chegou a ficar 12 horas em uma fila da Caixa Econômica Federal para sacar R$ 90 que o Paragominas lhe enviou como direitos de imagem.

Por todo o país, clubes de grande e médio porte têm negociado a redução salarial de seus jogadores. Mas a maioria dos clubes, sem a perspectiva de renda, optaram por dispensar seu elenco. A situação de Jonatas é um retrato das dificuldades que a maioria dos atletas profissionais do Brasil passam sem poder trabalhar.

De acordo com um estudo da consultoria Ernst Young para a CBF, 55% dos jogadores profissionais país ganham até R$ 1.000,00 de salário. Jonatas deveria receber R$ 2.500,00 do Paragominas, mas só ganhou uma fração disso por causa da pandemia.

Como ele, outros atletas estão improvisando para repor ou complementar a renda perdida durante a quarentena, o que não raramente inclui sair de casa e aumentar suas chances de contágio. A seguir o UOL Esporte conta a história de alguns deles.

Arquivo pessoal
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Atacante trocou emprego certo por sonho no futebol. Vive no aperto

Jonatas Rey se profissionalizou aos 17 anos pelo América-PE e rodou por times menores no Nordeste. Em janeiro, depois de um ano sem contrato e com a mulher recém-operada por uma doença nos rins, ele resolveu aceitar um emprego de serviços gerais em um hotel de Porto de Galinhas.

Fez todos os exames admissionais e estava pronto para começar quando chegou a proposta do Paragominas. "Resolvi seguir meu sonho no futebol e não me arrependo", afirma. Ele fez apenas três jogos pelo time paraense antes da pandemia interromper o Estadual. Se tivesse escolhido ficar em Pernambuco, talvez estivesse recebendo seu salário em casa, como muitos funcionários do hotel.

Sem economias, sua família vive com a pensão dos filhos de sua mulher (manicure que também está desempregada) e de pequenos bicos, como o serviço de entrega de hambúrguer.

"A pessoa que me conseguiu esse serviço na lanchonete tem sido um anjo da guarda para mim", diz o atacante, que espera voltar ao Paragominas quando a pandemia acabar.

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Volante do Santa Cruz faz entregas para ajudar lanchonete da mãe

Mesmo atletas que mantiveram o contrato na pausa do futebol estão atuando em outras atividades. O volante Ítalo Henrique, do Santa Cruz, resolveu trabalhar para ajudar a mãe, que fazia faxinas domésticas no Recife, mas teve a renda comprometida na pandemia.

Ítalo havia alugado um ponto para abrir uma lanchonete para mãe. Com a quarentena, o empreendimento precisou ser fechado.

"Ganhamos uma boa clientela, mas fechamos o box por causa da pandemia e começamos a trabalhar em casa com delivery", afirma o atleta, formado na base do Santa. Ele faz as entregas na cidade a pé, de bicicleta ou de moto. "Como não tinha ninguém, eu mesmo comecei a a entregar junto com meu cunhado."

"Vendemos pastel, bolo, batata-frita, coxinha, empada, torta doce, entre outras coisas", diz o volante, que afirma trabalhar de máscara e luvas. "Não pode dar mole para esse vírus."

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Atacante trabalha na loja de moda feminina da mulher

Juba, atacante do Novo Hamburgo-RS, foi mandado para casa quando o Campeonato Gaúcho foi interrompido. O jogador de 35 anos está vivendo das economias que fez durante a carreira, já que o clube está desde março com salário atrasado e não sinalizou quando conseguirá acertar a dívida.

Sua renda é complementada pelo faturamento da loja "Tina Fashion", administrada por sua mulher, Daniela da Cruz, em Ponta Grossa (PR), onde o casal mora.

"Normalmente, a gente consegue se manter com o rendimento da loja, mas como as vendas caíram pela metade com a pandemia, o que nos sustenta é a reserva que temos do futebol", afirma Juba.

Antes do fechamento das lojas na cidade, Juba costumava trabalhar na loja física. Com a queda nas vendas, o empreendimento aposta no comércio online. O atacante costuma fazer a entrega das mercadorias pela cidade.

Campeão paranaense com o Operário, o atacante agora se põe na posição de torcedor. "Está difícil pra todo mundo e está difícil para gente também, mas espero que possa voltar o campeonato quando essa pandemia acabar. Que encontrem uma vacina pra curar esse vírus e que tudo volte à normalidade."

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Nigeriano sem clube vive de doações de amigos e sindicato

O nigeriano Joseph Lawson já passou por clubes como o Botafogo e o Estanciano, ambos de Sergipe, e o Gonçalense e o Bela Vista, ambos das divisões inferiores do Rio. Há 11 anos no Brasil, o atacante, morador de Cristinápolis (SE), afirma que tinha proposta de um clube de Goiás quando a pandemia interrompeu os campeonatos.

Sem salário e sem reservas, ele sustenta mulher e filho a base da caridade de amigos e com a ajuda do Sindicato de Atletas do Ceará (Safece), que lhe enviou um vale cesta básica.

"Tenho que ficar de quarentena e não tenho como arrumar emprego", afirma o atacante de 27 anos. "Ninguém está contratando ninguém, as contas estão acumulando, está difícil até para comprar comida." Em março, jogadores do Ceará e do Fortaleza fizeram uma vaquinha para ajudar o sindicato a comprar cestas básicas.

"Não tenho renda, tenho alguns vizinhos que me ajudam também", diz o nigeriano. "Se não fosse o Marco Gaúcho [presidente do sindicato], nem sei como eu estaria."

Também desempregada, sua mulher Geize havia conseguido um trabalho, que durou apenas dois dias antes do início da quarentena. "Se ela estivesse trabalhando já ia nos ajudar muito", afirma Joseph. "Mas com fé em Deus tudo isso vai passar."

Thiago Ribeiro/AGIF

Atletas apoiam quarentena e só querem jogar quando for seguro

Apesar das dificuldades momentâneas, os atletas ouvidos para essa reportagem concordam com as medidas de isolamento e acham melhor voltar a jogar futebol quando for seguro.

É um sentimento que vai ao encontro de pesquisa feita em abril pelo UOL Esporte, segundo a qual 89% dos jogadores das Séries A e B do Nacional concordam com a quarentena. De acordo com essa mesma pesquisa, apens 2% dos atletas não estão respeitando a orientação de ficar em casa.

No Brasil, que vive um crescimento de casos confirmados e mortes por covid-19, os campeonatos não têm data para voltar.

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