O calor de 37 graus invade sem pena a casa de alvenaria mesmo em outubro, período em que as chuvas até dão as caras vez ou outra no sertão baiano. Dois anos de portas e janelas fechadas, desde que a mulher que vivia ali deixou o povoado de Umbuzeiro para morar em Goiás, não impediram que a terra avermelhada adentrasse o espaço e tomasse conta do chão de cimento queimado. Também à vontade, os morcegos, ao perceberem a porta se abrindo, saíram da telha e se rebateram de um lado para o outro.
É uma casa grande. O quarto principal tem duas estruturas de alvenaria que fazem a função de camas: é só botar um colchão em cima. Numa delas, dormiu, até os treze anos de idade, o possível capitão da seleção brasileira na Copa do Mundo do Qatar Daniel Alves. Na outra, dormia o irmão Ney, também filho de Lúcia e Domingos. Os quatro, de segunda à segunda, sob um sol escaldante que nos períodos de verão faz temperaturas ultrapassarem os 40 graus, acordavam cedinho para trabalhar na roça.
O quarto do casal era o da frente, menor, separado do das crianças pelo corredorzinho que chega à sala. A cozinha, a lavanderia, grande, e uma areazinha nos fundos completam a estrutura do lugar onde nasceu e cresceu o menino Daniel -hoje, abrigada pelos morcegos; pelas folhas úmidas que grudam no chão junto das fezes dos animais; pela terra.
A família Alves plantava tomate, cebola e melão. Antes mesmo de o sol nascer, todos se embrenhavam na caatinga para o trampo do dia. As crianças iam junto. Só voltavam quando a noitinha chegava, numa rotina que não dava trégua. Mas Daniel gostava mesmo era de jogar bola. Os rapazes do povoado se reuniam diariamente para a pelada assim que o sol baixava. Só que o menino, na maior parte das vezes, não chegava da roça a tempo. Quando voltava, o jogo já tinha acabado, o que deixava Daniel bastante triste.
Domingos, então, largava as coisas em casa e partia para o campinho com o filho. Ele queria treinar. Gritava aos quatro ventos que queria ser jogador de futebol. Que queria, não. Que seria. E que jogador de futebol precisava treinar todos os dias. Quando o pai não podia acompanhá-lo, Daniel ia sozinho. Sua bola nada mais era que um amontoado de meias e sacolas plásticas. O campinho nada mais é que duas traves sem redes. Até hoje.
Em Umbuzeiro não tem mercado, nem açougue. Não tem posto de saúde, muito menos hospital. Não tem água tratada ou saneamento básico. Além do campinho, no povoado tem uma igreja católica, que só abre em dias de missa, uma igreja evangélica e uma vendinha. As casas, em sua maioria feitas de taipa -terra molhada intercalada com pedaços de madeira-, não ficam grudadas. Uma aqui, outra ali, e por aí vai, se formando a vizinhança que viu pouca mudança nos últimos quarenta anos.