Quando éramos reis

Como única final SPFC x Palmeiras há 29 anos consolidou 'Era Telê' e abriu caminho para 'time da Parmalat'

Thiago Braga e Vanderlei Lima Do UOL, em São Paulo Folhapress

Quando José Aparecido de Oliveira trilou o apito no início da noite de 20 de dezembro de 1992, colocando ponto final no Campeonato Paulista, o São Paulo e seu torcedor tinham uma certeza: aquele era o ano mais espetacular da história do clube. Para coroar a temporada que levou o Tricolor às inéditas conquistas da Libertadores e do Mundial, o time do Morumbi ainda bateu o Palmeiras para ficar com o título estadual - impedindo o rival de encerrar um jejum de 16 anos sem títulos. Era o ápice do esquadrão comandado pelo cultuado técnico Telê Santana.

Passados 29 anos daquela que é a única final disputada entre os rivais, os papéis se inverteram. O então moderno e vencedor São Paulo não levanta uma taça desde a Sul-Americana de 2012. O último Paulista conquistado pelo clube foi em 2005, há 16 anos. Já o Palmeiras, que em 1992 carregava a pressão, agora "empurra" a responsabilidade para o adversário, chegando à decisão de 2021 credenciado pelos títulos recentes da Copa do Brasil e da Libertadores.

"Eu não digo totalmente favorito, mas era o favorito, até porque tinha o Raí, Muller, Cafu, o Toninho Cerezo, então era um time fortíssimo. O Palmeiras tinha o Zinho, Evair e o César Sampaio, e isso equilibrava um pouco. Mas os dois jogos foram muito bons e bem jogados e tem que dar sempre os parabéns para o São Paulo, que mereceu", recorda Otacílio Gonçalves, técnico do Palmeiras naquela decisão.

Em 1992, era o São Paulo que empilhava taças. Mas o Palmeiras sacudiu o país ao anunciar a parceria com a Parmalat, que transformou a administração do clube em uma cogestão com a gigante de laticínios italiana. A final daquele ano foi a primeira desde o acerto e serviu para acostumar o Alviverde de volta às grandes decisões.

Foi um embate entre gigantes, com alguns futuros campeões mundiais pela seleção em campo. Os dois times voltam a decidir o Paulistão neste domingo, no Morumbi. Quem sabe os super clássicos de 1992 ajudem a inspirar os velhos rivais.

Folhapress

O São Paulo era o time modelo da época. Quando fui para o Palmeiras contratado pela Parmalat, coloquei como meta o São Paulo. Eu queria encostar no São Paulo e superá-lo. Então todo o meu planejamento foi em cima do São Paulo, para poder chegar junto e superar depois. Foi o meu objetivo.

José Carlos Brunoro, diretor do Palmeiras na época da parceria com a Parmalat

Reprodução/Folha de S. Paulo

Cafu decide no primeiro jogo

Antes dos duelos pela final do Paulistão de 1992, os adversários haviam jogado duas vezes pela fase de classificação do torneio. No primeiro turno, com o Palmeiras ainda treinado por Nelsinho Batista, deu São Paulo, 1 a 0. No returno, o Verdão deu o troco e ganhou por 3 a 0, já comandado por Otacílio Gonçalves, que chegou com a missão de reintegrar o zagueiro Andrey e o centroavante Evair, afastados pelo antecessor.

Em 5 dezembro, os dois times voltaram a se encontrar, diante de mais de 90 mil pessoas no Morumbi. Se o São Paulo tinha a final do Mundial no Japão entre as duas partidas do Estadual, o Palmeiras se preocupava com a semifinal da Copa do Brasil, competição em que seria eliminado pelo Internacional. Dias antes do jogo, Telê Santana projetava poucos gols.

A profecia do mestre Telê não se concretizou. O Tricolor saiu na frente com Cafu, que relembrou ao UOL como foi o lance: "Foi um dos gols mais bonitos que eu fiz. Por se tratar de um baita de um clássico, um baita de um jogo entre São Paulo e Palmeiras, a circunstância dos dois times, dois timaços. Veio um passe de cabeça do Muller e eu peguei a bola de perna esquerda sem pulo, a bola foi na gaveta."

Nesta fase da temporada, Telê quis dar mais força ao ataque, mas sem perder poder de marcação. Assim, Cafu passou para o meio de campo, funcionando quase como um ponta, com presença de área. Para a lateral, o treinador escolheu Vítor. Então com 20 anos, ele era o mais jovem jogador daquela decisão. "Os jogadores mais velhos me davam suporte. Raí, Cafu, Müller, Ronaldão. Não ter responsabilidade acaba tirando um peso. Então eles falavam para eu usar a minha força e 'atropelar'", afirmou.

O Palmeiras empatou com Daniel Frasson, o São Paulo ficou à frente novamente com Raí, mas Zinho deixou tudo igual outra vez. Quando todo mundo pensava que o Tricolor tiraria o pé, pois embarcaria para o Japão naquele mesmo dia, Raí marcou duas vezes e fechou o placar da primeira final em 4 a 2.

Foi o jogo em que eu participei dos quatro gols. Fiz o primeiro de sem pulo com a perna esquerda, peguei aquela bola de cabeça quase fora de campo e joguei para o Raí fazer o segundo gol, cruzei para o terceiro de cabeça do Raí e sofri o pênalti.

Cafu, sobre o duelo de ida contra o Palmeiras em 1992

Reprodução/Twitter SPFC

Era um São Paulo imbatível?

O preparador físico do Palmeiras na época era Carlinhos Neves, que chegou junto com Otacílio Gonçalves e permaneceu no Palmeiras até 1995, ganhando dois Brasileiros, dois Paulistas e um Rio-São Paulo. Para o profissional, a decisão do Paulista de 1992 ficou marcada por uma lembrança.

"Quando eu e o Otacílio viemos para o Palmeiras, a gente passou a morar no hotel que o clube concentrava, no centro. E o Waldir Joaquim de Moraes, preparador de goleiros do São Paulo, morava lá também. E nos recebeu muito bem, conversávamos quase todos os dias", relembra o ex-preparador palmeirense. "No dia da final, passa o 'seo' Waldir e diz 'bacana que vocês chegaram na final. Mas é uma pena, hoje nenhum time do mundo ganha da gente'. A gente sonhava, mas era um time montado contra outro que estava em formação", concluiu Carlinhos.

O zagueiro Toninho Cecílio era um dos símbolos daquele Palmeiras. Carregava consigo o peso da fila de 16 anos sem títulos e via a oportunidade de levantar sua primeira taça no clube.

"Eu achava que a gente tinha um time muito bom. Se você pegar a escalação, eu acho ela muito igual ao São Paulo. Hoje você pega o São Paulo, o Cafu na época não é o Cafu de hoje. O Cafu era uma promessa que estava subindo. Nós tínhamos o Cuca, o Zinho, Evair, César Sampaio, o Mazinho, o Carlão, o goleiro Carlos, que jogou três Copas, não jogou as finais porque se machucou. Mas o Palmeiras era um time muito bem montado pelo clube, eu gostava muito daquele time, eu fui para a decisão achando que a gente ia brigar forte pelo título", relembra.

Contratado para ser o gestor da parceria, José Carlos Brunoro exalta o fato de o Palmeiras ter pulado etapas e ter sido finalista já no primeiro ano da "Era Parmalat". "Sem dúvida foi uma grande conquista. Nós remontamos o time em 92. Quando a gente chegou em março, o time estava mal. Trouxemos Zinho, Mazinho, Maurílio, retornamos com o Evair ao time. A gente começou a remontar o time pensando já em 93 e aí a coisa foi andando, o time foi se adaptando e chegamos à final", recorda.

Divulgação

Vizinho de CT alcançou rival em modernidade

Embora o Palmeiras já treinasse na Academia de Futebol, a concentração da equipe era feita em hotéis no centro da capital paulista. Enquanto isso, o São Paulo já tinha em seu centro de treinamento, vizinho ao do Verdão, com alojamento para atletas. Naquela temporada, o fisiologista Turíbio Leite de Barros, a nutricionista Patrícia Bertolucci e o preparador físico Moracy Santana elaboraram um plano para recuperar os jogadores tricolores mais rapidamente. Um dos grandes beneficiados foi o meia-atacante Palhinha.

"Essa transformação que eu tive na parte física, desde o momento que eu cheguei em São Paulo, o Turíbio, o Moracy e a Patrícia passaram a fazer um trabalho diferenciado comigo de alimentação, treinamento, repouso, reposição de líquido. Minha massa muscular e estrutura corporal mudaram também, foi facilitando para que eu pudesse aparecer um pouco mais em campo", afirma o então camisa 9.

Após jogos e treinos, os jogadores do São Paulo tomavam duas cápsulas de aminoácidos, tratamento inovador entre os clubes brasileiros na época. Isso, na visão de todos, contribuiu muito para o aumento de desempenho daquele time em campo.

E na parte administrativa e de estrutura física, o Palmeiras mostra hoje estar à frente do vizinho. Embora os centros de treinamento possam ser considerados equivalentes, o Verdão tem hoje um dos mais modernos estádios da América do Sul e inclusive passou a tirar do São Paulo a renda com shows e eventos.

Outro ponto sensível em que o São Paulo sempre esteve à frente e agora vê o rival se tornar um concorrente direto é a formação de jogadores. O Tricolor, ao longo dos anos, sempre abasteceu sua equipe profissional com atletas de suas categorias de base (na final de 1992, seis jogadores formados em casa estavam em campo). Enquanto isso, o Palmeiras contratava seus craques.

De 2015 para cá a situação mudou. Embora o São Paulo siga formando talentos, viu o Verdão crescer em todas as categorias. São mais de 200 atletas entre o Sub-10 e o Sub-20 no Palmeiras atualmente (sub-10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 20). E o clube espera inaugurar ainda este ano um moderno CT em Guarulhos para a base.

Peter Robinson/EMPICS via Getty Images Peter Robinson/EMPICS via Getty Images

Vou ali no Japão e já volto

Entre as finais do Paulistão, disputadas em 5 e 20 de dezembro, o São Paulo foi até o Japão enfrentar o Barcelona na decisão do Mundial - numa loucura de calendário que parece esta atual de 2021, com os finalistas atuando a cada 48 horas em torneios diferentes, como a Libertadores. Mas, segundo os tricolores de 1992, ninguém se poupou após a vitória histórica por 2 a 1 em Tóquio.

"O Palmeiras não foi um jogo preparatório para o Mundial. Foi um jogo de decisão, não tinha como ter receio, tirar o pé. Tinha que jogar sem pensar no próximo jogo", relembra Palhinha.

Destaque da primeira final, Cafu conta que o técnico Telê Santana até perguntou para os jogadores quem queria ficar de fora da decisão contra o Palmeiras. Mas foi surpreendido pelos atletas.

"Desgaste realmente tinha, mas o nosso elenco era tão amplo que o Telê poderia colocar qualquer jogador pra jogar aquela final que de repente daria o mesmo. Mas quando ele falou de cansaço, um olhava para o outro e falava 'cansado?'. Não, professor todo mundo quer jogar, a gente quer jogar, vamos embora, o cansaço a gente descansa depois", contou.

Contratado na metade do ano para dar experiência ao time, Toninho Cerezo mostrou, então aos 37 anos, que ditaria o ritmo do meio de campo do Tricolor. E foi premiado com o "gol do título", ao marcar quando o Tricolor fez 2 a 1 e garantiu o título do Paulistão de 1992.

"Acho que o nosso time surpreendeu até porque a gente vinha já de uma decisão, entendeu que poderia ter um desgaste emocional, essas coisas todas, mas não teve nada disso, não. Quando a bola rolou no segundo jogo, todo mundo sabia o que tinha que fazer em campo. Logicamente, do outro lado tinha o Zinho, que jogava muito, tinha o Cuca, o Evair, o César Sampaio. Foi uma decisão com méritos para as duas equipes, que tinham grandes jogadores e chegaram onde chegaram porque realmente jogavam um bom futebol", resumiu.

Reprodução/Folha de S. Paulo

Outros jogos decisivos

Apesar de o clássico batizado de Choque-Rei ser disputado desde a década de 1930, a final do Paulista de 2021 é apenas a segunda disputada entre Palmeiras e São Paulo. Mas em cinco oportunidades os dois times se enfrentaram na rodada derradeira de torneios por pontos corridos, em que ambos poderiam sair campeões.

O retrospecto desses confrontos em particular mostra vantagem para o Palmeiras, com títulos nos Paulistas de 1933, 1944, 1950 e 1972. Além de 1992, o São Paulo ficou com a taça do Paulista de 1971.

No entanto, ao todo os rivais se enfrentaram em 25 jogos decisivos e mata-mata por diversas competições. Neste quesito a vantagem é do São Paulo: 16 a 9.

Veja a lista dos duelos:

1933 - Palmeiras (jogo decisivo pelo Campeonato Paulista)
1940 - Palmeiras (jogo decisivo pelo Campeonato Paulista)
1942 - Palmeiras (jogo decisivo pelo Campeonato Paulista)
1943 - São Paulo (jogo decisivo pelo Campeonato Paulista)
1946 - São Paulo (jogo decisivo pelo Campeonato Paulista)
1950 - Palmeiras (jogo decisivo pelo Campeonato Paulista)
1971 - São Paulo (jogo decisivo pelo Campeonato Paulista)
1972 - Palmeiras (Torneio Laudo Natel)
1972 - Palmeiras (jogo decisivo pelo Campeonato Paulista)
1973 - Palmeiras (jogo decisivo pelo Campeonato Brasileiro)
1977 - São Paulo (semifinal do 1º turno do Campeonato Paulista)
1978 - São Paulo (semifinal do Campeonato Paulista)
1987 - São Paulo (semifinal do Campeonato Paulista)
1992 - São Paulo (final do Campeonato Paulista)
1994 - São Paulo (oitavas de final da Libertadores)
1998 - São Paulo (semifinal do Torneio Rio-São Paulo)
1998 - São Paulo (semifinal do Campeonato Paulista)
2000 - São Paulo (quartas de final da Copa do Brasil)
2000 - Palmeiras (oitavas de final do Campeonato Brasileiro)
2002 - São Paulo (semifinal do Torneio Rio-São Paulo)
2002 - São Paulo (semifinal do Supercampeonato Paulista)
2005 - São Paulo (oitavas de final da Libertadores)
2006 - São Paulo (oitavas de final da Libertadores)
2008 - Palmeiras (semifinal do Campeonato Paulista)
2019 - São Paulo (semifinal do Campeonato Paulista)

MARCO GALVÃO/ZIMEL PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO MARCO GALVÃO/ZIMEL PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

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