Dizem que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Não comigo. Não na minha família. Nós não tivemos a opção de escolher nossos destinos em se tratando dessa doença. Não pudemos nos preparar psicologicamente. Nem fisicamente. Ela simplesmente veio e nos obrigou a ser fortes.
Há um ano, eu vi minha mãe receber a notícia de um câncer de mama. Ela estava em São José dos Campos e eu, na Baixada Santista, cumprindo meu papel de auxiliar técnico no Santos Futebol Clube, pelas Sereias da Vila. Sem poder ampará-la, eu acompanhei de longe. Conseguia ver minha mãe só nos fins de semana —nosso maior contato foi por telefone e chamadas de vídeo. Ainda bem que existe a tecnologia, né? Ela me contava com preocupação e medo sobre os exames e a rotina de tratamento.
Meses mais tarde meu pai foi alvo de um câncer de pele, e eu tive que lidar com essa vontade de largar tudo e voltar para casa. Só que eu sou um cara muito comprometido com meu trabalho.
Aliás, o trabalho é o que me move. Vocês vão perceber isso mais para frente... Quanto ao meu pai, tudo foi resolvido de forma rápida. Descobrimos que uma cirurgia resolveria o caso dele, e assim foi feito, mas foi algo que abalou demais a dona Beth, que ainda lutava bravamente contra o câncer.
Exatamente um mês depois, eu estava no banho, me planejando para mais um dia de trabalho e com a cabeça cheia. O clima no CT Meninos da Vila, onde o Santos feminino treinava, não era dos melhores. Aliás, era pesado mesmo. Como matar um leão por dia. Eu era obrigado a me impor para continuar no dia a dia do time, e isso martelava na minha cabeça. Será que eu devo continuar com isso? Será que vale a pena comprar uma briga desse tamanho? Em meio a esses pensamentos, me lembro até hoje que senti alguma coisa, tipo um nódulo, no testículo. Já pensei: olha o raio querendo cair pela terceira vez.
A preocupação bateu, mas eu preferi esperar. Afinal, era muita coisa acontecendo ao mesmo tempo e eu não queria assustar mais meus pais com algo incerto. Esperei uma semana e paguei para ver se ele sumiria. Procurei alguns médicos, e só o terceiro me passou alguma segurança e pediu exames.
Confirmado: era um tumor maligno.
Mas eu não podia me permitir ficar desesperado. Comecei o ano de 2019 com a agenda cheia de post-its, consultas, datas, exames... Ah, e ainda tinha minha situação no Santos, que era delicada. O comando estava sob pressão por causa do trabalho que estava sendo feito. As jogadoras estavam saturadas. Eu estava saturado. Tinha dias em que não dava vontade de levantar da cama para ir aos treinos. Eu tirava forças não sei de onde, te juro.
Até que aconteceu nossa eliminação no Campeonato Brasileiro e veio uma troca de comando: a Emily Lima, ex-treinadora da seleção, deixou o Santos. E aí meu gerente, o Alessandro, me convidou para assumir o time. Estar à frente das Sereias da Vila. Doente.