Thaisa se despe de vaidades

Uma das melhores jogadoras de vôlei do mundo agora quer expandir o cérebro e aprender a saborear a carreira

Demétrio Vecchioli Colaboração para o UOL, em São Paulo Instagram

Uma nova Thaisa tirou o pó de cima das caixas guardadas no fundo do armário e as abriu. Encontrou, esquecida, parte importante de sua história. Troféus entregues à melhor sacadora do mundo e à melhor atacante do mundo, que a central recebeu, agradeceu e guardou na caixa. Pequenas alegrias que a jogadora não se deu ao prazer de desfrutar.

Menos mal que ainda há tempo para reconhecer. "Quando alguém falava: 'Você é uma das melhores do mundo', eu ficava meio assim, dizia que é o que o povo fala. Mas eu sou. Eu sou. Tudo que eu conquistei, tudo que eu tenho, todos meus títulos, individual, em grupo, seleção, clube, tudo, se você for pegar para pontuar, eu sou sim. Qual o problema de falar?", questiona Thaisa. Problema nenhum.

Desfrutar as pequenas e as grandes conquistas é só uma parte da transformação vivida pela central de 32 anos. Uma dessas conquistas foi conseguir terminar um livro, da primeira à última página. Para ela, sinal de que aprendeu a se desligar da tomada onde parece estar sempre conectada e se concentrar num objetivo.

A nova Thaisa quer expandir o cérebro sem ficar barriguda. Aprender mais, se despir de orgulho, arrogância e vaidade, mas sem deixar de ser cuidadosa consigo mesma. "Hoje talvez eu não queira estar com o corpo sarado para estar feliz. Vou fazer pela minha saúde, pelo meu bem estar, para me sentir bem. Antes, fazia porque isso me fazia feliz. As pessoas olhavam, achavam bonito", analisa.

Nessa conversa com o UOL Esporte, a central do Minas Tênis Clube fala do presente, do passado e do futuro. Da possibilidade de voltar a defender a seleção, dos planos de se tornar coach, de vaidade e de voleibol.

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Assista à entrevista de Thaisa

Inteligência emocional para ser uma jogadora melhor

Thaisa nunca passou despercebida no vôlei brasileiro. Não só pela altura, 1,96m, e pelo talento que a levou desde cedo à seleção. Também porque nunca escondeu quem era e do que gostava. Encarou o preconceito ao colocar silicone e virou notícia por cirurgias plásticas e tatuagens. "Elétrica e explosiva", como ela mesmo se define, foi muitas vezes má vista do lado de fora.

Quem a viu jogar a última Superliga, porém, viu uma jogadora muito mais tranquila e eficiente. Reflexo, diz ela, de um cada vez mais intenso trabalho com um coach. "Foi realmente um divisor de águas. Mudei completamente minha forma de pensar, minha forma de agir dentro de quadra, meus pensamentos. Ainda é um processo, mas sei que senti uma melhora absurda do meu emocional, na minha autoconfiança, no meu autocontrole, no meu relacionamento com minhas amigas. Isso só deu resultado positivo dentro de quadra", analisa.

Ela dá um exemplo. Virava e mexia, saía chateada da quadra, mesmo após vitórias e bom número de pontos. Lamentava não ter pontuado mais, culpava aquelas bolas baixas levantadas pela colega Macris, titular do Minas, que ela não conseguia salvar. O coach identificou esse incômodo e a fez olhar para o mesmo problema sob uma nova ótica.

"Se a bola não chegou como eu gostaria, o que eu posso fazer para mudar e fazer o ponto? A Macris não vai conseguir levantar todas as bolas perfeitas, como eu não vou conseguir bater todas as bolas perfeitas. Então, é assumir a responsabilidade: 'Beleza, não veio como gostaria, o que você pode fazer?' Na hora que eu assumo minha responsabilidade, isso me ajuda e ajuda a Macris, por exemplo. Ela não fica se sentindo tão pressionada a ter a bola perfeita o tempo todo porque ela sabe que eu posso ajudá-la no momento que ela não acertar. Isso me ajudou com o convívio e com a minha performance."

Macris aparece de novo em outro exemplo. "Eu sou dominante, falo, sou líder, e tem gente que é mais de calcular, pensar antes de falar, aquela coisa toda. Aprender a falar com cada perfil com certeza me ajudou muito. Você acessa muito mais fácil a pessoa. Uma coisa é a Dani Lins, que me conhece e é assim também. Eu olhava de um jeito e ela já entendia. A Macris é tranquila, na dela, tudo dela é muito calculado, certinho, pensando. Tem que ter formas diferentes de pensar, de agir."

A palavra-chave é "inteligência emocional". "Não é ser político, é saber o momento certo e o jeito certo de falar. Me posicionar é algo que nunca vou deixar de fazer. Mas se eu tivesse a inteligência emocional, meu filho, muita coisa seria diferente."

Divulgação/FIVB Divulgação/FIVB

"Sinapse, sinapse, sinapse"

Thaisa gostou tanto da experiência de ser coachee (cliente de um coach) que agora quer sentar-se na outra cadeira. Está aproveitando a quarentena para estudar para se formar numa nova profissão e levar o conhecimento adiante. Para quem saiu de casa cedo, aos 14 anos, e desde então respira diariamente voleibol, a experiência é completamente nova.

"É uma imersão muito louca. São muitas horas de estudo. É tudo baseado em ciência, neurociência, linguística, tem embasamento científico para tudo. Não é um charlatão dizendo: 'Vamos ser feliz e tá tudo bem'. Quero saber quem falou, de onde veio, quais as fontes, porque tem muita coisa muito louca. E realmente é profundo o negócio. Parece que seu cérebro vai explodir", explica.

A central fala bastante do órgão central do nosso sistema nervoso. "O cérebro é como músculo, quanto mais estímulo, mais ele expande. Não que eu vá ficar cabeçuda", brinca. "Uma vez que seu cérebro expande, ele nunca mais volta ao original. Ele vai... sinapse, sinapse, sinapse", explica, enquanto, com as mãos, faz movimentos simulando o crescimento do cérebro.

Reprodução/Instagram

Inteligente e sarada?

Todo o processo tem ajudado Thaisa a "se despir de todo orgulho, arrogância e vaidade". Que fique claro, porém, que a vaidade, aqui, tem sentido de coisa sem conteúdo, de falsa aparência, mentirosa. Porque a vaidade que sempre foi marca registrada da jogadora continua lá. "Eu gosto, me sinto bem, quero ficar bonita para meu noivo. Eu não preciso ficar inteligente e ficar barriguda", argumenta.

São interesses concomitantes, não concorrentes. "Estar trabalhando muito mais meu cognitivo e pensando muito mais na minha evolução mental, espiritual, emocional, não quer dizer que eu não vá querer ir no dermatologista, ou no esteticista, que não vou querer me sentir mais bonita, cuidar de mim e do meu corpo."

A mudança é no impacto que o sentir-se bonita tem na sua própria moral. "Hoje, talvez, eu não precise estar com o corpo sarado para estar feliz. Vou fazer pela minha saúde, pelo meu bem estar, para me sentir bem. Antes, eu fazia porque isso me fazia feliz, as pessoas olhavam, achavam bonito, e isso me deixava mais feliz. Hoje, não é algo que me faça a mulher feliz. Fico satisfeita, isso me dá uma satisfação, mas não é a base para me deixar bem feliz. O propósito é outro".

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Orgulho do primeiro livro

A nova Thaisa aprendeu a valorizar mais sua própria carreira. Este ano, por exemplo, foi MVP (melhor jogadora) do Campeonato Sul-Americano Interclubes, no qual foi também campeã com o Minas. O que antes seria só mais um troféu no fundo do armário agora é tratado com orgulho.

"Se fosse uma jogadora do Boca Juniors que ganhasse, ia ser a vida daquela pessoa. Ela ia levar aquele troféu para mostrar para todo mundo. Por que eu vou ser arrogante de falar que aquilo não fez diferença pra mim? Quando eu terminei o primeiro livro que li do começo até o fim, eu comemorei. Aprendi a comemorar as pequenas conquistas, a quebrar essa arrogância de achar que porque é Sul-Americano é menor."

Foi a partir dessa nova valorização à própria carreira que Thaisa foi mexer nos troféus antigos e descobriu diversas premiações como melhor bloqueadora ou melhor sacadora do mundo. "Eu não lembrava de todas essas coisas. Pensava: 'Ah, isso é da primeira fase', como se isso não fosse importante. "Quando alguém falava: 'Você é uma das melhores do mundo', eu ficava meio assim, dizia que é o que o povo fala. Mas eu sou. Eu sou. Tudo que eu conquistei, tudo que eu tenho, todos meus títulos, individual, em grupo, seleção, clube, tudo, se você for pegar para pontuar, eu sou sim. Qual o problema de falar? Problema nenhum, você não tá sendo arrogante, desmerecendo ninguém, só contestando um fato real. Eu tenho essa dificuldade de falar: 'Real, eu posso ser melhor, mas estou sim entre as melhores centrais do mundo'."

Marcelo del Pozo/Reuters

Volta à seleção é uma possibilidade

Talvez Thaisa nunca mais ganhe troféus de melhor jogadora com a seleção brasileira. No ano passado, nessa mesma época do ano, ela anunciou que estava pedindo dispensa da seleção. Depois de 13 anos defendendo a equipe, a central bicampeã olímpica percebeu que precisava descansar corpo e mente.

Naquela temporada, havia jogado pelo Barueri, de Zé Roberto, técnico também da seleção. O anúncio do pedido de dispensa veio próximo também ao anúncio de que estava deixando a equipe paulista para jogar pelo Minas. Thaisa diz, porém, que não há qualquer conflito com o treinador, a quem deve a continuidade da carreira após uma grave lesão no joelho, em 2017.

"Eu sou eternamente grata ao Zé. Quando teu fiquei à mercê do clube que queria me dispensar, o Zé que estendeu a mão para eu treinar e ter um lugar para fazer fisioterapia. Fui amparada completamente por ele e pela família dele. Nenhum outro técnico teve o cuidado e a preocupação que ele teve. Sei que ele gostaria que eu fosse para a seleção, mas eu sempre fui muito sincera. Ele pode até ficado triste, mas ele respeitou totalmente minha vontade", lembra.

Passado um ano daquela dura decisão, Thaisa ainda não tem claro se e quando volta à seleção. Apesar da amiga Sheilla pressioná-la a retornar, a central pretendia esperar o final da Superliga para sentir como estava seu corpo e se colocar ou não à disposição para a Liga das Nações e a Olimpíada. Mas aí veio a pandemia, o cancelamento da Superliga e da temporada de seleções.

O debate fica adiado em um ano, mas os critérios de decisão são os mesmos. "Tenho três cirurgias no joelho, foi muito grave, poderia não estar jogando mais. Preciso poupar meu joelho para continuar jogando. Tenho que ter todo um cuidado no treinamento, porque hoje meu joelho tá ótimo, mas tem que ter um controle, ele já não é mais o mesmo. Cada ano sem folga é uns dois ou três anos úteis que eu estou perdendo. Tem que botar muita coisa na balança."

Marcelo del Pozo/Reuters

Bernardinho para substituir Zé após Tóquio?

Joguei com ele três anos, sei do jeito de ele trabalhar, a pessoa incrível que ele é. Tive uma experiência muito boa enquanto joguei com ele. Seria excelente, excelente, maravilhoso. Não sei se teria um substituto tão bom para bater de frente com ele.

Gaspar Nóbrega/Inovafoto/CBV

Fim do ranking de jogadoras demorou?

Teve a época que precisou, mas faz tempo que não ajuda em nada. É muito mais clubismo do que pensar nos atletas. Sempre deveriam ter pensado o que seria bom para o atleta, e depois no clube, só que nunca foi assim. Depois de muita briga, essas pessoas se conscientizarem de alguma forma.

Wander Roberto/Inovafoto/CBV

Mágoa com quem votou pelo ranking?

Ele (Bernardinho) pensa dessa forma, beleza, não tem problema nenhum. Eles não deixam de ser excelentes profissionais, pessoas incríveis, e não vou deixar de gostar, respeitar e ter carinho por causa disso. A gente é grato de ter esses outros clubes nos apoiando, mas isso não muda caráter, não muda as pessoas que eles são.

Casamento nos planos

Thaisa tem boas lembranças da última vez que defendeu a seleção, no Mundial de 2018, no Japão. Não pelo desempenho da equipe, que terminou num frustrante sétimo lugar, mas pelo início da relação com o atual noivo, o ex-jogador de basquete Rafael Mineiro.

O flerte começou no Instagram, onde ele comentou uma postagem dela com a sobrinha. "Lindas". Papo vai, papo vem, era domingo, ela ia no samba em São Paulo, e o chamou. Morando em São José dos Campos, onde defendia o time local, o pivô disse que não tinha como. A central desafiou: "Sabia que você ia dar para trás". Como resistir? Rafael foi, os dois se gostaram, no outro dia ela treinou com a seleção, pegou o carro, e foi jantar com ele no interior. E só.

No dia seguinte, Thaisa viajou com a seleção para o outro lado do mundo. "A gente começou a namorar conversando, fazendo Facetime [aplicativo de vídeo chamada]. A gente se apaixonou pela essência, pelo jeito, porque não tinha tido nenhuma outra intimidade maior. A gente se apaixonou só de conversar, de se ver, se falar toda hora."

Como a jogadora estava disputando um Mundial, não podia ficar desregulando o sono. Então, para ser possível conversar, coube a ele mudar os horários de ponta-cabeça. "Ele era superfofo, falava que não era de dormir. Hoje eu vejo que era tudo mentira, porque ele dorme muito. Ele estava fazendo tudo para me conquistar."

A estratégia deu certo. Agora aposentado como jogador e começando a vida de empresário, Mineiro divide um apartamento com Thaisa em Belo Horizonte, onde ela joga. Os dois têm planos de casamento, mas por enquanto a prioridade é o "crescimento pessoal e profissional".

Thaisa, que já passou por um casamento de cartório, agora quer fazer tudo como manda o figurino. "A Sheilla que fala que agora vai casar com festa, porque a primeira vez não deu certo. Então, quando eu casar, vai ter festa, para ser diferente."

Divulgação/FIVB Divulgação/FIVB

Tia Tata

Graças a Sheilla, sua companheira de time no Minas, Thaisa agora é a tia Tata. A central tem um carinho especial pelas gêmeas Liz e Ninna, de um ano. Ao falar das duas, não é difícil perceber que a tia tem uma sobrinha preferida. "A Ninna adora falar pelo celular, a Liz menos. A Ninna quando liga no Facetime ela faz a carinha, põe no ouvido, a Liz é mais desencanada. A Ninna vai ser uma peruinha, bota a bolsinha, anda. É minha cara, né?"

Uma hora, não tão breve, chegará a vez de a tia virar mãe. Thaisa tem planos, mas não agora. O foco está no crescimento profissional do marido e na própria carreira de jogadora. "Eu demorei para voltar, para parar agora e pensar em voltar vai ser complicado", explica.

Isso porque o vôlei, o esporte de forma geral, não é um ambiente favorável à gravidez. "Não tem muito respaldo, 99,9% dos clubes não querem. Querem que você se lasque e se voltar bem a gente te contrata. O Minas tem um pouco desse pensamento de estar do lado, de fazer esse tipo de coisa, agora os outros clubes, não. A gente vive do nosso corpo, e como faz isso grávida? Ou você para, se vira e tem seu filho e se mata para voltar o quanto antes para pegar meia temporada ou não engravida e espera até lá na frente para tentar ser mãe."

Thaisa lamenta: "Já tem dificuldade nas empresas normais, que a mulher consegue fazer muitas coisas mesmo estando grávida, voltando da gravidez, e mesmo assim mandam embora. Imagina no esporte que chega num certo momento em que a gente nem pode pisar na quadra? É muito mais difícil. Não é impossível, poderia ser uma luta muito justa, mas seria muito difícil".

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