A vida por trás do nude

Thauan jogou futebol por dez anos e hoje vende fotos sensuais na internet: 'Pena que o povo julgue tanto'

Gabriel Carneiro Do UOL, em São Paulo Acervo pessoal

Thauan de Souza Teixeira é de Carapicuíba, uma das cidades mais populosas de São Paulo. Tem uma daquelas histórias conhecidas: menino de origem simples que só brincava de bola e se vê como a esperança da família de ter uma vida melhor por meio do futebol. O menino que sai de casa cedo para buscar o sonho, mas sofre com as estruturas precárias e as mazelas humanas que atrapalham os contos de fadas.

Ele hoje tem 24 anos. Foram praticamente dez dedicados ao futebol, entre categorias de base e profissional. Passou por times como o Internacional e a Portuguesa, mas agora bola e chuteira estão num quadro pendurado na parede — ou no fundo de tela do celular, para soar mais a cara dele.

Faz mais ou menos um ano que Thauan ganha a vida como modelo e influenciador digital. Dentro da internet, desbrava um ramo que faz muitos ainda torcerem o nariz, especialmente no ambiente conservador do futebol. Em perfis nas plataformas Privacy e Onlyfans, vende fotos sensuais e de nudez para muitos seguidores.

Ao UOL Esporte ele diz que a nova profissão dá mais dinheiro do que o futebol. Por outro lado, mostra sofrer com o afastamento dos antigos amigos jogadores e alguns olhares atravessados: "Eu fico triste com as pessoas que julgam sem saber da minha história. Não sou só o Thauan que faz Onlyfans e posta nudes. Tenho uma vida por trás, uma família que depende de mim."

A vida por trás do nude é a história deste conto de fadas meio torto que pode ser a vida de um jogador.

Acervo pessoal
Acervo pessoal

Dificuldades na base e auge com apoio de ex-jogador do São Paulo

Thauan foi andarilho da bola já nas categorias inferiores. Ele saiu de casa aos 13 anos por uma chance no Fluminense e em seguida vieram passagens, experiências curtas ou períodos de testes com as camisas de times como Internacional, Guarani, PSTC-PR. Sete de Junho-SE e Inter de Limeira. Só na Portuguesa é que o tempo foi um pouco mais extenso.

Nessa época atuou pelos times sub-17 e sub-20 e treinou com os profissionais. Antes disso era só perrengue: "Quando eu tinha de 14 para 15 anos estive num clube que não tinha uma condição muito boa. Não tinha alimentação frequente nem dinheiro, então eu não comia direito. Fiquei e durante um ano cheguei a passar fome", relembra.

Thauan conseguiu um empresário, o ex-zagueiro e lateral Ivan Rocha, que atuou pelo São Paulo e fez fama no futebol espanhol. "Eu acreditava muito no potencial dele, mas com o passar dos anos fui percebendo que ele de repente tinha outro foco além de ser um atleta profissional", relembra o antigo empresário.

Acervo pessoal

Chama no zoom, dá um close: dos gramados para as redes sociais

Depois da Portuguesa, o atacante ficou em São Paulo para defender o Votuporanguense e o Andradina, ambos do interior paulista. Neste último clube terminou como um dos dez artilheiros da Quarta Divisão do Paulistão de 2018, com sete gols. Foi seu último momento de relativo destaque antes de duas lesões no joelho que, somadas à falta de projeção, deixaram o sonho mais distante.

"Operei uma vez, o Votuporanguense arcou com a recuperação, e voltei depois de um ano, mas meu contrato acabou. Fui para outro clube, o VOCEM-SP, e ia assinar com eles. No dia anterior, num treino, me machuquei de novo e acabei não ficando, nem joguei. Estou parado e ainda preciso fazer uma cirurgia. Mas fazer o quê?"

Nessa hora eu pensei: 'Como eu vou fazer agora? Só joguei futebol minha vida toda, não sei fazer mais nada'. Eu fui para a escola, mas não era minha praia.

Neste momento de dúvidas sobre o futuro é que veio a ideia de ganhar dinheiro com a internet, na onda da influência digital. Thauan hoje tem mais de 300 mil seguidores no Instagram, onde publica fotos sem camisa, e 1,2 milhão no Tiktok, onde suas dancinhas e dublagens já alcançaram mais de 7 de milhões de curtidas.

@_thauanteixeira

##travanapose

? Trava na Pose, Chama no Zoom, Dá um Close (feat. Mc Rennan) - DJ Patrick Muniz & DJ OLLIVER & MC Topre

David Brazil ajudou jogador a furar bolha do futebol

Thauan aos poucos construiu uma reputação digital que apostava muito na exibição do corpo. "Sou muito vaidoso, sempre gostei de tirar fotos, sempre gostei do meu corpo, então foi natural que isso acontecesse", justifica.

O futebol foi até aliado nesta nova carreira.

"Para mim é mais fácil, porque eu venho de um meio em que fazemos muito sacrifício físico. Desde que eu jogava aprendi a gostar disso e mantenho meu corpo com exercícios. Não faço dieta regrada, só evito de comer doce, gordura e fritura, mas tenho muito foco na academia. Gosto muito de malhar e pretendo sempre estar com o corpo bonito. Esses cuidados ajudam bastante."

Suas publicações nas redes sociais passaram a atingir perfis muito populares, como do radialista David Brazil, que virou presença constante nas caixas de comentários de Thauan. Graças ao forte alcance do "padrinho" com o público LGBTQIA+, o jogador passou a ser conhecido para fora da bolha do futebol. E, segundo ele, cada vez mais incentivado a apostar em conteúdos ousados. Daí pro Onlyfans foi um pulo.

Acervo pessoal

Plataforma de nude "dá mais dinheiro que o futebol"

As redes sociais criaram uma nova era de produção pornográfica na internet, com a possibilidade de pessoas publicarem conteúdo de forma independente, sem vínculo com produtoras. Criada em 2016 como site de venda de conteúdos diversos, a plataforma britânica Onlyfans virou símbolo dessa era. Lá, os produtores vendem conteúdo em troca de uma assinatura mensal do internauta em dólar.

Hoje a ferramenta é dominada por criadores que publicam fotos e vídeos eróticos. No Brasil, uma plataforma chamada Privacy foi lançada em novembro de 2020 para explorar o mesmo nicho — mas em português. Thauan Teixeira está em ambas.

"Foi o meio que eu consegui. Queira ou não, é um trabalho, e está me ajudando muito. Posto as fotos e consigo minha renda mensal, que graças a Deus está melhorando muito. Não sou só um cara que vai ali porque quer mostrar, eu preciso fazer isso para ajudar a família e viver. Machuquei meu joelho e o caminho que consegui foi esse, como modelo, influencer, e agora abrindo o Onlyfans", conta.

Thauan cobra 25 dólares (aproximadamente R$ 140) mensais pela assinatura no Onlyfans e R$ 150 no Privacy. Ele tem entre 40 e 50 publicações nas duas plataformas. "Hoje, ao todo, tenho quase mil inscritos. As plataformas tiram mais ou menos 20%, mas é um negócio legal", diz, antes de admitir:

"Dá um dinheiro bom, mais do que no futebol. Não tenho nem três meses no site, se continuar assim pretendo manter e postar muita coisa."

Outros peladões do futebol

Arte UOL

Vampeta

O jogador então bicampeão brasileiro pelo Corinthians e na época frequente na seleção posou nu para a revista G Magazine em janeiro de 1999. A publicação causou frisson e até hoje é revisitada na internet.

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Reprodução Instagram

Fábio Braz

Ex-zagueiro com passagens por Vasco e Corinthians anunciou uma página no Onlyfans depois de encerrar a carreira. Ele já tinha feito um ensaio para a própria G 20 anos antes e hoje investe na internet.

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Arte UOL

Túlio

O atacante, então no Atlético-GO, posou em 2003. Tinha 34 anos. Na capa da revista, ele trazia uma bola na frente da cintura sob o título "Gol de placa! Túlio Maravilha exibe seu maior troféu".

Arte UOL

Dinei

O atacante do Corinthians surfou na onda de Vampeta e também posou em 99. O resultado não causou a mesma repercussão. Depois da dupla, outros posaram, como o goleiro Roger, então no São Paulo.

Acervo pessoal

Comentários maldosos incomodam influenciador

"O Thauan deve fazer programa também"

O discurso de "queira ou não, é um trabalho" mostra que Thauan ainda tem restrições sobre sua nova profissão. "É muito difícil psicologicamente pelos julgamentos, pelas pessoas que não veem o seu caráter e o que você precisa para viver. Dizem: 'O Thauan deve fazer programa também'. É um tabu meio difícil de quebrar, o povo julga muito", diz.

As fotos e vídeos de nus de Thauan são solo, ou seja, sem parceria de cena. Ele também reforça que em nenhum caso o limite do virtual é ultrapassado. Mesmo assim, as reações que enfrenta não lhe caem bem.

Eu fiquei quatro dias bem mal agora com um comentário. Um cara de uma assessoria de modelos me chamou um tempo atrás para entrar para a empresa dele. Eu recusei porque não era meu momento. Aí ele respondeu um story meu recente: 'Nossa, que lixo. Não imaginaria que você estava sujeito a vender seu corpo para subir na vida'. Meu, aquilo acabou comigo, me senti muito mal. Porque a pessoa não olha para você, não sabe do que você está precisando. Para ajudar ninguém pergunta: 'Tá precisando de uma ajuda? Tá conseguindo pagar seu aluguel?'. Não, eles só crucificam. Devia acabar essa coisa de julgar sem conhecer. Seria perfeito se cada um cuidasse da sua vida."

Thauan diz que seus pais ficaram preocupados no começo, mas depois entenderam o caso: "Meu pai disse para eu fazer o que viesse no meu coração: 'Você não pode matar, roubar, pisar em alguém ou fazer o mal para o próximo'."

Eu fiquei muito mal por conta de companheiros do futebol, amigos de clubes com quem eu vivia junto, dormia no mesmo quarto, que pararam de me seguir. É um negócio muito chato, um preconceito fora do normal que tem no futebol. Pô, você vai parar de seguir uma pessoa porque ela tem uma profissão diferente? Foi um baque legal. Mas é bom, levo como aprendizado para trabalhar a cabeça e ficar mais blindado.

Thauan Teixeira, Sobre o que os amigos do futebol acham de sua nova carreira

Hoje eu faço o contrário. Tenho um amigo de Fortaleza que estava na mesma briga de tentar ser jogador, mas não chegou a ser profissional. Um dia ele me perguntou o que fazer da vida. O moleque é bonito, é presença. Eu falei: 'Você já pensou em criar um Onlyfans? Como você acha que sua família ia lidar com isso?'. Ele fez e mudou a vida dele. Ele estava sem jogar e sem saber o que queria da vida.

Thauan, sobre como combate o preconceito

Acervo pessoal

Influenciador já fez ensaio no motel e ouviu elogios

Thauan conduz sozinho a carreira de criador de conteúdo e compara a sensação à de sair de casa para tentar uma vida no futebol aos 13 anos. "Eu criei o Onlyfans, faço contato com produtores, fotógrafos, locações e cuido das minhas redes sociais, tudo sozinho. E graças a Deus está dando certo. Quando você quer algo, foca naquilo e dá seu melhor que vai acontecer."

Recentemente ele fez parceria com um motel de São Paulo para fazer um ensaio de fotos eróticas no local em troca de divulgação para seus seguidores. Levou fotógrafo e cinegrafista e produziu uma grande quantidade de conteúdo, que publica esporadicamente para manter o interesse dos fãs.

"O retorno foi muito grande do povo falando: 'Nossa, nunca imaginei ver você nu, é sonho realizado!' E isso me motiva. Não vejo problema nenhum, sou muito mente aberta. Você está mostrando um corpo, um pênis, uma boca, um nariz, uma orelha, só depende da forma como você olha e tacha aquilo. Eu vejo como um trabalho", diz.

Para além disso, ele mantém atividade no Instagram e no TikTok com outros tipos de conteúdo, tipo as dancinhas da moda. "Você tem que estar ligado 24h nas coisas da internet, criando conteúdo, não é fácil. Ficar o dia todo em loja trocando roupa, sempre antenado nos vídeos para fazer coisa nova, gerar engajamento e fazer seu nome na internet. Tudo isso com uma concorrência de gente bonita, com potencial. Acaba que é um meio tão concorrido quanto o futebol."

Acervo pessoal

Sonho é participar de um reality show e enfim "fazer o nome"

Thauan diz que não descarta a possibilidade de voltar a jogar futebol profissionalmente um dia. Ele tem uma nova cirurgia no menisco do joelho marcada para o começo de 2022 e promete se dedicar à reabilitação. "Se minha história for no futebol, Deus vai mostrar", conta.

Apesar destas palavras, o verdadeiro plano de vida é um pouco mais midiático: "É outro sonho que eu tenho agora. Realizei o do futebol e agora é este, de participar de um reality show. De repente entrar num BBB, num De Férias Com o Ex, um reality legal, e assim fazer meu nome na internet."

Os convites ainda não apareceram. Até lá a vida será de dribles sobre os "comentários escrotos" que recebe na internet e criatividade para criar novos ângulos de fotos. Ainda que as amizades do futebol fiquem no passado. "Eu preciso reconhecer que sou um cara bom, que não faço mal para ninguém, e que corro atrás dos meus objetivos. Isso basta. Tenho que ter isso na cabeça e seguir, porque se for depender de opiniões eu não vivo", desabafa, antes de completar:

"Se a pessoa cria um Onlyfans, por que você vai julgar? Como vou julgar uma pessoa sem saber o que ela passa, o que vive, o que precisa? É o mínimo, é o básico. Por trás de pessoas tem histórias. Por trás de mim tem minha história, meus sacrifícios, o que eu preciso. Tem uma história atrás das fotos que eu posto."

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