Futebol é resistir

Antes de encarar pressão no Corinthians, Tiago Nunes já foi campeão no Acre e demitido a mando de um prefeito

Rubens Lisboa, Samir Carvalho e Vanderlei Lima Do UOL, em São Paulo Alan Morici/AGIF

O mais novo desafio

Futebol é um esporte de resistência, você tem que seguir, que uma hora vai dar certo."

Muito antes de chegar ao Corinthians, bem antes de sua impressionante passagem pelo Athletico-PR, Tiago Nunes, aos 40 anos, já teve de percorrer o Brasil profundo. Ele trabalhou em diferentes funções, condições e localidades.

Mesmo em Curitiba, seu caminho rumo ao sucesso não foi tão claro assim. Hoje técnico prestigiado, ele chegou ao Furacão em 2017 para comandar o time sub-17. Então, assumiu o sub-23 e levou os aspirantes ao título paranaense de 2018. A chance com o elenco principal só veio no segundo semestre do mesmo ano, depois da queda de Fernando Diniz. Ficou um bom tempo com o selo de interino carimbado em seu currículo, até efetivado em janeiro de 2019, depois de já ter vencido a Copa Sul-Americana. Depois veio o título da Copa do Brasil.

Essa ascensão repentina pelo Athletico fez dele uma coqueluche no mercado da bola. Seu nome foi ventilado a cada nova demissão de treinador no futebol brasileiro. Escolheu o Corinthians. Agora, sem nem ter completado dois meses à frente do clube, já lida com uma forte pressão por melhores resultados. Para os críticos, não importa que os ruídos de uma transição entre o futebol excessivamente defensivo do time na temporada passada para uma equipe mais agressiva neste ano já fossem esperados.

Seu Corinthians tem mostrado lampejos aqui e ali, mas entra em campo nesta quarta (26), contra o Santo André, ciente de que, entre os 20 clubes da Série A, tem o segundo pior aproveitamento pelos Estaduais. Sem contar, claro, o baque pela queda precoce sofrida na Libertadores.

É um cenário desafiador, não há como negar. Agora, para quem teve a carreira que teve até chegar à elite, só dá para esperar mais uma tentativa de resistência por parte de Tiago Nunes. A frase que costumava dizer ao amigo Tarcísio Pugliese, hoje comandante do XV de Piracicaba, de quem foi auxiliar e preparador físico, o faz lembrar situações não tão prósperas atrás do sonho de ser treinador de futebol.

Alan Morici/AGIF

O Tiago tem uma carreira muito sofrida. Teve oportunidades muito ruins, mas falava que o futebol é um esporte de resistência, que você tem que seguir que uma hora vai dar certo. Hoje, sem dúvida, é a maior prova disso. Quem conhece a carreira dele sabe o quanto ele resistiu pra chegar nesta situação que ele está hoje

Tarcisio Pugliese, atual treinador do XV de Piracicaba e amigo pessoal de longa data

Arquivo pessoal Arquivo pessoal

Um técnico no Brasil profundo

A distância entre Santa Maria (RS), cidade natal de Tiago Nunes, e São Paulo, onde treina o Corinthians, é de 1.200 km, mas no caminho entre seu início como preparador físico no Internacional da cidade do interior gaúcho, em 2003, até assumir o comando do Alvinegro, o treinador percorreu mais de 33.000 km, com passagens por outros 21 clubes e 20 cidades.

Graduado em Educação Física pela Universidade de Santa Maria, Nunes iniciou seu trabalho na própria cidade onde nasceu. Em uma carreira não tão longa assim, trabalhou em todas as regiões do país. No Rio Grande do Sul, as oportunidades apareceram apenas nas categorias de base dos grandes clubes. Mas no Brasil profundo, ele desempenhou diversas funções em Rio Branco, (AC), Manaus (AM), Lucas do Rio Verde (MT), Ipameri (GO) e Bacabal (MA).

Pelo Bacabal, por exemplo, mesclou as funções de preparador físico e auxiliar-técnico. Pelo Nacional do Amazonas, trabalhou por um curto período e conheceu as dificuldades de um calendário diferente do encontrado nas regiões Sul e Sudeste do futebol no Brasil, com poucos meses de calendário garantido numa temporada.

Era um cara muito sonhador. O incrível é que ele consegue fazer o time dele sem estrelas. Então ele achava que tinha bons jogadores, que daria para gente ser campeão. Nunca exigiu que queria determinado jogador. Pelo contrário. Ele é um treinador de muita fé

Natal Xavier, presidente do Rio Branco (AC), quando Nunes levou o time ao título acreano de 2010

Aqui a gente tem o calendário curto, então sabe como é: trabalha somente aquele espaço e termina assim. Alguns jogadores a gente consegue ajudar com algum percentual, mas outros não, eles são liberados para outros clubes, e o Tiago não ficou por esse motivo

Gilson Motta, diretor do Nacional (AM) em 2011

Marcello Zambrana/AGIF

Da adversidade à criatividade

Nunes encarou algumas situações que ajudam a relativizar qualquer dificuldade encontrada em grandes centros. Mesmo que, no Corinthians, a combinação de pressão e escrutínio enfrentado possa chegar a níveis alarmantes.

Seus métodos de trabalho agradam à diretoria corintiana. Os treinos no CT Joaquim Grava são considerados inovadores também pelos jogadores e profissionais da comissão técnica. Ele se mostrou organizado e sério fora de campo, mas é a tática que mais chama a atenção no momento. A busca por um jogo mais vertical, de ocupação de espaços —sem que fiquem apegados a uma posição fixa—, com volantes olhando para frente... São todos elementos muito bem-vindos depois de anos praticando um jogo excessivamente conservador (ainda que vencedor).

Quando a bola rola, a sensação é que o técnico conduz as atividades tentando fazer todos atletas se sentirem importantes. Também ganha confiança com o conhecimento que mostra em treinamentos e jogos. Mas isso não quer dizer que ele seja unanimidade em todos os sentidos.

Daniel Augusto Jr./Agência Corinthians Daniel Augusto Jr./Agência Corinthians

Meu amigo campo magnético

Um aspecto específico desse jeitão detalhista do técnico que desperta a atenção dos atletas corintianos é que, antes de executar os treinamentos no gramado, Tiago Nunes gosta de explicar o que será treinado no campo magnético. É um dos seus recursos preferidos para passar instruções ao elenco, explicando tanto movimentações específicas como conceitos táticos em geral para seus comandados.

O técnico não hesita, inclusive, em fazer esse trabalho em sessões individuais com os jogadores. É muito comum ver, até em treinos abertos aos jornalistas, o técnico de canto explicando suas táticas para algum atleta na sua grande prancheta.

Daniel Augusto Jr./Agência Corinthians

O bom chato? Ou um lado general?

Tiago Nunes chegou ao Corinthians com moral. Espera que sua influência não se limite ao que acontece entre quatro linhas. O treinador gosta da ideia de organizar o departamento de futebol do clube e constantemente cobra profissionalismo em todos os setores. Internamente, por profissionais que conhecem sua rotina no CT Joaquim Grava, ele já foi chamado de "bom chato", pois suas cobranças, segundo os dirigentes, colaboram para a evolução de todos no futebol do clube paulista.

O treinador já foi até comparado internamente com Mano Menezes por priorizar a ordem e disciplina no clube. Ele não estipula apenas os horários de refeições. O término só é definido com a autorização de um líder do elenco: Cássio, Gil, Fagner e Vagner Love. Também limitou a presença de familiares no vestiário. E realiza treinos em dias de jogo. A maioria do elenco apoia o treinador neste caso, mas o goleiro Cássio não nega que alguém possa estranhar essa "cartilha" — ou simplesmente não gostar dela. Já a cúpula corintiana, segundo apurou o UOL Esporte, alega que grande parte das regras já existia antes da chegada do técnico.

Para quem conhece Nunes de longa data, essa repercussão não é novidade. Embora aparente um semblante calmo, o técnico não foge da característica de diversos outros técnicos do Rio Grande do Sul e é citado como disciplinador por quem trabalhou com ele ao longo da carreira.

Maico Gaúcho foi um dos jogadores comandados por Nunes durante sua passagem pelo Luverdense e lembra bem da disciplina que era imposta pelo atual comandante do Athletico. "Sempre foi um cara muito centrado, muito rígido várias vezes. O perfil dele, na verdade, era estilo quartel. Ele é firme demais, mas também muito transparente, honesto", afirma o ex-atacante.

O lanche é às 22h? Então, se são 21h59 ele não deixa o cara comer. Tinha que dar 22h. Era um cara metódico, e creio que não deve ter mudado muito. Mas ele sempre foi parceiro e conseguia unir o grupo. Ele passava competitividade, mesmo no aquecimento dos trabalhos de força, de posse de bola. Então, já tinha um perfil de um cara que, de uma hora pra outra, podia vencer na vida

Maico Gaúcho, ex-jogador do Luverdense

Opinião dos blogueiros

Qual a análise de momento sobre o desempenho de Tiago Nunes no Parque São Jorge?

UOL

Juca Kfouri

O Corinthians ainda não tem aquilo que se esperava que o Tiago trouxesse. Nem acho esse Corinthians tão ofensivo assim quanto falam.

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Reprodução

Julio Gomes

Tiago Nunes precisa subir o tom no discurso, entender o tamanho da irritação corintiana. No Corinthians, não basta ser bom. Tem que ter perfil.

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Mauro Cezar

O Corinthians comandado chegou a um retrospecto terrível em seus últimos cinco jogos. A distância de seus ajustes ainda parece grande.

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reprodução/TV UOL

Menon

Tiago Nunes não teve tempo para trabalhar? E Pintado, seu algoz, teve? O trabalho do Corinthians merece, como todos os outros, análise imparcial.

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Daniel Augusto Jr./Agência Corinthians

Demissão a mando do prefeito

Ainda atuando como preparador físico, Tiago Nunes chegou ao Bacabal, no Maranhão, para trabalhar com o treinador Luís Carlos Winck, ex-lateral direito de clubes como Internacional e Corinthians, além da seleção brasileira. O trabalho andava bem, mas Nunes e Winck perderam o emprego depois de um pedido do prefeito da cidade.

"Em 2007, o time estava voando, com três vitórias seguidas. E o prefeito pediu para tirá-lo. Eu não acreditei. O prefeito disse: 'Presidente, eu sei que você entende de futebol, mas era o jeito'. Na verdade, o prefeito queria ganhar a eleição, e a torcida pediu para tirar o cara [Luis Carlos Winck] só porque estava escorado, vamos dizer assim, no Estado [dinheiro público]. Eu tive que tirar", conta Francisco de Assis Rodrigues, presidente do Bacabal.

"O prefeito havia investido muito. Nós ganhamos esse campeonato com R$ 1,2 milhão [de orçamento]. A gente só viajava com ônibus bom, o Tiago sabe disso. Era com hotel bom, tinha salário de jogador de R$ 12 mil, R$ 15 mil, enquanto o treinador ganhava R$ 19 mil. Tinha Yan, Sorato [jogadores ex-Vasco]", conta o dirigente.

Arquivo pessoal

Missão: técnico de futebol

Zagueiro sem sucesso no futebol, Tiago Nunes começou sua carreira em comissões técnicas tendo um objetivo claro: ser treinador. Nunca fez muita questão de esconder suas aspirações, além de não se deixar abalar pelos numerosos percalços que teve de contornar, como a falta de estrutura de clubes, a constante troca de cidades e os resultados de seu trabalho.

"No Maranhão, como a gente criou uma proximidade, ele já nos confidenciava esta ambição que acabou acontecendo", lembra Serginho, ex-zagueiro e atual dirigente do Santa Cruz-RS, que trabalhou com Nunes quando ele era preparador físico do Bacabal, no Maranhão.

Em 2008, pelo Novo Horizonte, de Ipameri (GO), o atual treinador do Corinthians conheceu o ajudante de roupeiro Bruno Cunha, então com 16 anos, e também falou sobre seu objetivo de ser técnico. O jovem também tinha um sonho: pretendia ser jornalista. Eles se reencontraram no ano passado antes de um jogo entre Athletico-PR e Goiás, pelo Brasileiro. As duas "profecias" já haviam sido cumpridas.

"Eu tive uma conversa em que ele perguntou o que eu queria ser. Falei que eu queria ser jornalista e ele disse que queria ser treinador. Anos depois, nós nos encontramos pessoalmente aqui em Goiânia. Tenho até esse vídeo em que gravei um depoimento dele, nós gravamos juntos, e ele fala: 'Olha, o Bruno era o ajudante do roupeiro e está aqui um cara que é exemplo de vida'. Nisso o Tiago falou que queria ser treinador. Anos depois fui reencontrá-lo e disse: 'Você está como treinador e eu como jornalista hoje'".

Daniel Vorley/AGIF Daniel Vorley/AGIF

Promoção após o título? Não é bem assim...

Tiago Nunes trabalhou como preparador físico até 2009. Conquistou seu primeiro título como técnico no Campeonato Acreano de 2010, pelo Rio Branco. Ele atuava como auxiliar de Tarcísio Pugliese no Luverdense quando o treinador recebeu uma proposta do clube do Norte do Brasil. Mas Pugliese só poderia fazer a mudança quando seu contrato encerrasse. Abriu-se, aí, a oportunidade que Tiago tanto esperava.

"O Tiago foi antes para o Rio Branco (AC) como treinador e ficou até o final do Estadual. Aí, no Brasileiro da Série C, eu iria para lá, e o combinado é que ele voltaria a ser o meu auxiliar. Acabou que ele foi campeão e, mesmo assim, voltou a trabalhar como meu auxiliar", conta Pugliese.

Presidente do clube acreano na época, Natal Xavier lembra que Tiago demonstrou o interesse de seguir como treinador, mas acabou aceitando aquilo que foi combinado anteriormente. "O Tiago veio, ganhou o Acreano e, na época, já falava em estrutura, que teria um projeto para o clube. Quando foi campeão, ele me perguntou e disse: 'E aí, presidente?' Como quem diz assim, 'Pô, eu sou campeão'. E eu falei pra ele: 'Olha, uma coisa que eu primo muito é a minha palavra, eu tenho a minha palavra com o Tarcisio e o Tarcisio vai ser o treinador e você vai continuar sendo o auxiliar técnico'. Ele aceitou sem problema'", conta o dirigente.

Daniel Augusto Jr./Agência Corinthians Daniel Augusto Jr./Agência Corinthians
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