Tiquinho on fire

Goleador no Botafogo, jogador rodou interior e desabrochou em Portugal até brilhar

Alexandre Araújo e Marinho Saldanha Do UOL, no Rio de Janeiro e em Porto Alegre Vitor Silva / Botafogo

Não é Hulk, Gabigol, Pedro, Rony ou Luis Suárez. Quem lidera a artilharia do Brasileirão, com sobras, é Tiquinho Soares. O centroavante do Botafogo, autor de 10 gols na competição até agora, surpreende muita gente como um dos principais jogadores do país no momento.

O inusitado de ver o paraibano de 32 anos no topo entre os que mais colocam a bola na rede não se deve ao passado recente, afinal ele fez sucesso em Portugal e na Grécia. Mas olhar para o início da carreira de Soares, ainda sem usar o apelido, é perceber como a insistência, a perseverança, a recusa a desistir pautaram sua vida.

Ele precisou dividir o futebol com o ofício de assistente de pedreiro, vendedor de churrasquinhos, começou na Paraíba, cruzou o Brasil e rodou o interior gaúcho, vivia de contratos curtos, salários baixos, e corria atrás de um sonho, que vem se realizando pouco a pouco.

Descoberto só do outro lado do oceano, Tiquinho Soares é a prova de que a simplicidade e a resiliência podem até demorar, mas entregam sua recompensa.

Vitor Silva / Botafogo
Divulgação/CSP

Da Paraíba para o mundo

A carreira profissional iniciou no América-RN, mas não durou muito por lá. Ele rodou por clubes como Botafogo-PB e Sousa até ser observado por Josivaldo Alves. Ele levou o atacante ao CSP, equipe da qual hoje é um dos donos.

"Ele sempre foi bom jogador. Tudo que se vê nele hoje, já se via naquela época. Só faltava a camisa. Era só cruzar que era gol, ele sabia tudo que tinha de fazer. Faltava era alguém que desse moral para ele, que cuidasse do jogador", contou Josivaldo.

E foi isso que ele fez. No clube, atuou em períodos diversos entre 2012 e 2014, sempre separado por empréstimos.

"Até hoje é um amigo, sempre que está de férias vem nos visitar. Quando vou pra Europa, fico na casa dele. Foi assim em Portugal, na Grécia. Ele é um cara muito simples, merece tudo de bom que está acontecendo. Sempre foi um menino que todo mundo gostava, gente boa com todos, tranquilo demais", completou.

Vitor Silva / Botafogo Vitor Silva / Botafogo

Tiquinho por Tiquinho

Sou um jogador que não desiste facilmente. Para mim, não há bolas perdidas e posso garantir a todos que darei o máximo para levar a equipe o mais longe possível. Gostaria de pedir à torcida que acredite no time, que compareça a todos os jogos, porque vamos conseguir grandes vitórias

Tiquinho Soares, em sua apresentação no Porto

Pouco lembrado, mas deixou sua marca

Da Paraíba, Tiquinho Soares embarcou rumo a um sonho. A luta para ser jogador de futebol seguiria do outro lado do país. O Rio Grande do Sul foi o destino e o primeiro clube o Cerâmica, da cidade de Gravataí.

O clube — que atualmente está fechado — disputava então a primeira divisão do Estadual. Pouca gente se lembra de Tiquinho por lá. Nem mesmo quem trabalhou com ele guarda lembrança firme da passagem que teve dois gols em nove jogos.

Mas ainda assim Tiquinho deixou sua marca: foi o primeiro brasileiro a marcar contra o Grêmio na Arena, inaugurada em dezembro de 2012.

O Grêmio tinha jogado o amistoso de inauguração (contra o Hamburgo-ALE), dois jogos oficiais (LDU e Huachipato, pela Libertadores) e dois jogos-treino (Cerâmica, venceu por 2 a 0, e Canoas, empate por 0 a 0) na Arena até rever o Cerâmica de Tiquinho. Foi quando o inesperado aconteceu.

O time visitante saiu na frente, um cruzamento encontrou a cabeça de Soares, que venceu Dida e abriu o placar. O dono da casa viraria mais tarde, mas ali o artilheiro do Brasileirão se tornou o primeiro jogador brasileiro a marcar contra o Grêmio em sua nova casa.

Até então, o Tricolor tinha sido vazado na inauguração com gol de Westermann, e contra o Huachipato, gols de Falcone e Braian Rodríguez.

Vitor Silva / Botafogo Vitor Silva / Botafogo

Da obra para seleção?

Já trabalhei de muitas coisas, como servente de pedreiro, churrasqueiro, e vendia sacolé também, lá no sertão da Paraíba. Teve um dia que eu fui vender lá no terrão da minha cidade e o pessoal acabou com todos meus produtos. O problema é que ninguém me pagou e eu voltei para casa sem dinheiro

Tiquinho Soares, à ESPN, em 2018

Para mim, ele é o melhor centroavante do Brasil hoje. Não tem nenhum melhor que ele. É seleção, não tenho dúvida. Eu não consigo ver outro centroavante jogando melhor do que ele hoje. Mas o treinador é o Fernando Diniz e vamos ver como ele enxerga o futebol. Mas para mim é fácil

Josivaldo Alves, descobridor de Tiquinho Soares

Pedro Fiúza/NurPhoto via Getty Images Pedro Fiúza/NurPhoto via Getty Images
Juliano Holderbaum/ MasterLynK

Salário de R$ 8 mil, liberado por R$ 20 mil

O gol no jogo-treino na Arena serviu para atrair olhares do Grêmio. No entanto, a negociação não avançou com o clube da capital. Por outro lado provocou olhares no Veranópolis, clube da serra gaúcha.

"Enfrentamos o Cerâmica e vimos potencial nele. Ele era uma pedra bruta, precisava ser lapidado. Conversei com o empresário dele e concordamos que o Julinho Camargo (técnico) poderia ajudar neste processo, porque tem muito conhecimento tático. Foi o que facilitou isso", contou Ademir Bertoglio, executivo de futebol do Veranópolis na época e que atualmente trabalha no Novo Hamburgo.

Tiquinho chegou emprestado pelo CSP e recebia aproximadamente R$ 8 mil por mês. Foi sob comando de Julinho, no VEC, que ele teve sua maior sequência no Brasil antes da fama. Foram 16 jogos e quatro gols no Gauchão de 2014, um deles contra o Inter, que também chegou a considerar sua contratação na época, mas não avançou.

"Trabalhar com o Soares foi sempre gratificante. Pois trata-se de atleta focado, sempre atento as correções e com características ótimas para o futebol. Trabalhei com ele em duas posições, como centroavante e como extrema. Tinha potencial para as duas", disse Julinho Camargo, que hoje é gerente de transição do Internacional.

"Soares sempre foi quieto, alegre e familiar. Algumas vezes, via ele caminhando na cidade com seu filho pequeno e sua esposa. Esse era o comportamento que ele levava ao trabalho. Um atleta alegre, familiar e companheiro", completou.

Julinho levou Soares para o Pelotas, onde jogou a Série D de 2014. Depois, voltaria ao Veranópolis para a temporada 2015, mas durante a pré-temporada acabou indo para Portugal. Pelo rompimento do contrato, o clube recebeu apenas R$ 20 mil.

Pelo mecanismo de solidariedade da Fifa, o Veranópolis recebeu pouco. Na maior negociação de Soares, por exemplo, só mais R$ 25 mil entrou no caixa, referente a menos de 1% do acordo.

Surpresa pra quem?

Sempre vimos potencial nele. Não era centroavante finalizador, ele criava os lances para ele. Tinha uma batida de chapa muito boa. Era um rapaz tímido, todos brincavam muito com ele, morava num apartamento próximo do clube, almoçava no clube e levava comida para esposa e o filho. Sempre se sentiu em casa conosco. Ele não tinha muito esclarecimento, mas dentro de campo, sempre mostrou que tinha potencial para coisas maiores

Ademir Bertoglio, ex-executivo de futebol do Veranópolis

O Soares nunca modificou sua atuação frente a jogos mais fortes, como enfrentar a dupla Gre-Nal. Inclusive fazendo gols nesse tipo de enfrentamento. Era fácil perceber seu foco dentro e fora do gramado. Se ele tinha potencial para voar alto? Sim. A verdade é que nós nunca sabemos a que nível eles podem chegar. Isso é uma construção de vida e de carreira pessoal. Mas ele sempre teve as virtudes de um jogador de alta performance

Julinho Camargo, técnico de futebol e gerente de transição do Inter

Quality Sport Images/Getty Images

Portugal: o ápice com quase 30

Nada foi fácil na carreira do atual goleador do Brasileirão. Antes de completar sua trajetória no RS, ele tinha acerto com o Boavista, de Portugal. Mas um desacordo com o empresário que fez o negócio ocasionou a desistência do clube com Tiquinho no avião, prestes a pisar na Europa.

Ele voltou, e depois de mais um tempo, o Velho Continente se abriu por intermédio de Deco, ex-jogador brasileiro naturalizado português. Por indicação do então agente, que tinha comprado 55% dos direitos de Tiquinho, veio a primeira chance.

O clube que abriu as portas da Europa foi o Nacional da Ilha da Madeira. Na terra de Cristiano Ronaldo, Tiquinho jogou quase 50 partidas e marcou 16 gols. Suas atuações o levaram ao Vitória de Guimarães logo em seguida.

Foi ali que o rendimento ecoou mesmo em solo luso. Comprado por aproximadamente 500 mil euros (R$ 2,6 milhões na cotação atual), ele fez nove gols e deu duas assistências em 22 jogos e deu um passo seguinte muito importante. Aos 26 anos, foi comprado pelo Porto, por 3,5 milhões de euros (R$ 18,4 milhões na cotação atual).

"Antes de ir para o Porto, ele teve uma proposta da China. Ganharia 1,2 milhão de euros na mão. Eu estava com ele em Portugal, falei: você ainda não marcou sua história, não jogou em um clube grande. Na China, você vai ganhar dinheiro, mas de repente tenha dificuldade de jogar em um clube grande de novo. Mas a decisão era dele, não interferi. E graças a Deus ele foi pro Porto", contou Josivaldo Alves.

Foi vestindo a camisa dos Dragões que ele viveu o ápice da carreira. Logo na estreia, dois gols no clássico contra o Sporting. Um total de 12 gols em 17 jogos na primeira temporada no clube. Ao todo foram quatro com mais de 60 gols em 140 jogos, muitos deles de cabeça, atributo pelo qual ficou famoso na passagem por Portugal.

"O que ele está fazendo não é surpresa alguma. Sabíamos da capacidade dele", disse André André, colega de Tiquinho no Porto. "Ele é um atacante que sabe segurar, se entrega, finaliza com os dois pés e é um dos melhores que já vi de cabeça", completou.

A saída aconteceu por medo de perdê-lo de graça. Depois de uma investida do futebol russo, o vínculo no Porto se aproximava do fim e o clube optou pela venda ao Tianjin Teda, da China. Depois ele ainda passou pelo Olympiacos, da Grécia.

Quem conhece, sabe

Tiquinho é uma pessoa espetacular, um cara muito engraçado, mas que, quando chegava no momento de competição, era muito dedicado à equipe e aos companheiros. Ele não se mostra muito para fora, mas é um jogador de grupo, que anima os companheiros. Ele é brincalhão e sabe mudar o chip para o momento do treino e jogo. As provas do que ele pode fazer estão dadas

André André, meio-campista português, ex-colega de Tiquinho

A fase dele no Brasil não é algo que nos surpreende, isso eu posso dizer. Ainda por cima tendo o Luís Castro como treinador, que o conhecia muito bem. Tinha tudo para dar resultado

Bruno Monteiro, jornalista do jornal 'O Jogo', de Portugal.

Pedro Fiúza/NurPhoto via Getty Images

'Um ás pelos ares'

Uma matéria publicada em julho de 2020, pelo jornal português "O Jogo", enalteceu a capacidade de Tiquinho em fazer gols de cabeça.

"Os números são muito claros. Os 17 gols que marcou em toda a temporada, oito deles na Liga, são até abaixo daquilo que tem feito no FC Porto. Mas, de cabeça, está ao nível dos melhores, quer em Portugal, quer lá fora", dizia trecho.

A matéria mostrava que, nesta estatística, o atual atacante do Botafogo havia superado nomes como Falcão e seria preciso "chegar aos tempos de Mário Jardel para encontrar melhor".

"Entre os melhore cabeceadores do FC Porto, e desde que há registros estatísticos, o brasileiro passou a ser o melhor. Falcão já tinha ficado para trás em dezembro, agora foi a vez de Jackson. Neste século mais ninguém se aproxima. E, recuando ainda mais, será preciso chegar aos tempos de Mário Jardel para Tiquinho encontrar melhor do que ele", apontava em outro momento.

O brasileiro Jardel marcou época no futebol português. Ele defendeu o Porto entre 1996 e 2000, e o Sporting entre 2001 e 2003.

Além de ser multi campeão no país, levou diversos prêmio individuais como a Chuteira de Ouro da Uefa em 1999 e 2002, Bola de Ouro de Portugal nas temporadas de 1996/97 e 1997/98, e Melhor jogador do Campeonato Português em 1996/97, 1998/99, 2001/02.

Buda Mendes/Getty Images Buda Mendes/Getty Images

Tiquinho is on fire

Tiquinho foi anunciado como reforço do Botafogo em agosto do ano passado, após uma negociação que ganhou tons de "novela". Antes de assinar com o Glorioso, teve sondagens de equipes como Flamengo, Corinthians e Palmeiras. A decisão de deixar a Grécia se deu, novamente, em parceria com o 'mentor' que o acompanha desde os tempos de CSP.

"Era Olympiacos e Maccabi Haifa [Liga dos Campeões]. Ele jogou muito no jogo de ida. Daí na volta estava com chance de não jogar porque voltava o capitão do time. Falei pra ele: você vai ficar aqui assim? Ele não queria vir, mas eu falei: você tem que mostrar o teu futebol no Brasil. Você fez de tudo no Porto, no Olympiacos, mas no Brasil o povão não te conhece, só quem assiste futebol internacional. Chegou a vez de te conhecerem", contou Josivaldo. E assim se fez.

Apesar do sucesso, é difícil ver Tiquinho na mídia. Reservado, ele não se mostra muito fã dos holofotes.

Companheiros de Alvinegro relatam o atacante como alguém humilde e orgulhoso da origem. Nascido em Sousa, na Paraíba, o jogador gosta sempre de "ir para casa" e curtir os familiares e amigos de infância quando tem um período maior de descanso.

Algumas fotos das férias de Tiquinho, inclusive, viralizaram entre a torcida do Glorioso. Uma delas foi ele em frente a um paredão de som.

No dia a dia, é classificado como reservado, querido e brincalhão, mas pé no chão, apesar da boa fase. Quando os companheiros puxam as músicas de arquibancada que o citam, se mostra acanhado.

Também é alvo de zoações pelo "estilo" nas roupas, e mostra laços com Hugo, Luis Henrique e Carlos Alberto, outros paraibanos do elenco.

Vitor Silva / Botafogo Vitor Silva / Botafogo
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