Caminhos abertos

Tite aponta direção para seleção se livrar de fantasma do 7 a 1 cinco anos depois e voltar a sorrir

Do UOL, em São Paulo Chris Brunskill/Fantasista/Getty Images

O Brasil viveu um pesadelo; mais do que isso, um choque duro de realidade no dia 8 de julho de 2014. Diante de milhares de pessoas no Estádio do Mineirão, a Alemanha passeava no gramado, sobrava diante da equipe comandada na época por Luiz Felipe Scolari e provocava uma enorme reflexão sobre o futebol jogado aqui. Cinco anos depois, o clima é outro: festa pelo título da Copa América, conquistado ontem (07), após vitória por 3 a 1 sobre o Peru, em um Maracanã lotado.

A escolha por Tite no lugar de Dunga em 2016, quando a camisa verde-amarela vivia uma das maiores crises da história e estava ameaçada até de não ir ao Mundial da Rússia, veio como uma opção carregada de popularidade. O treinador falhou na Copa. E viu também a principal estrela, Neymar, não brilhar e ficar em xeque. Ainda assim, correspondeu às expectativas e abriu os caminhos para o Brasil em campo.

Nestes cinco anos, a seleção ainda busca uma identidade com o povo. Algumas perguntas precisam ser respondidas. E nem o título torna Tite uma unanimidade. Ainda assim, o caminho está aberto para que o choro dê lugar aos famosos sorrisos de cinco títulos mundiais e nove continentais. O UOL Esporte conta como foi a tortuosa estrada até aqui.

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Hora de juntar os cacos

Era inevitável. Sofrer um 7 a 1 em casa, durante uma semifinal de Copa do Mundo, tornava a continuidade de Luiz Felipe Scolari insustentável. A CBF recorreu novamente a Dunga, ainda sob a sombra da eliminação no Mundial de 2010. Com o capitão do tetra, veio também Gilmar Rinaldi para a função de coordenador geral de seleções. A ideia do então presidente, José Maria Marin, de buscar vencedores do passado retornava para estancar a maior derrota da história do Brasil.

A postura dura com a mídia, opções por jogadores questionáveis e o jogo burocrático acabaram ofuscados pelo excelente início de trabalho. Sob o comando de Dunga, a seleção respondeu ao 7 a 1 de maneira imediata: 11 vitórias consecutivas, com direito a um convincente 2 a 0 sobre a Argentina, na China, e um 3 a 1 diante da França, em pleno Stade de France.

Dunga rejuvenescia o grupo do vexame histórico. Com ele, Miranda, Marquinhos, Casemiro, Philippe Coutinho e Roberto Firmino, peças fundamentais com Tite desde a Copa do ano passado, ganharam um maior espaço; assim como Douglas Costa e Diego Tardelli. Hoje titular do Liverpool e campeão europeu, Fabinho também recebeu as primeiras chances, ainda com 21 anos e tratado como revelação.

Ao mesmo tempo, velhos nomes como Kaká e, principalmente, Robinho ressurgiam para dar peso aos jovens. O início parecia promissor, apesar das críticas da opinião pública e de torcedores em relação ao futebol jogado. Os resultados, no entanto, eram inquestionáveis. Dunga tinha paz.

Mowapress

O primeiro baque: Neymar em xeque

A imagem da seleção era revivida com os resultados excelentes de início de trabalho. Todavia, no primeiro grande teste competitivo, Dunga e a comissão técnica falharam. Fora a campanha ruim com a eliminação nas quartas de final da Copa América de 2015 contra o Paraguai, o maior craque brasileiro entrava em xeque.

Neymar possuía uma imagem quase imaculada com a camisa da seleção, especialmente depois da lesão contra a Colômbia na Copa de 2014, que o tirou do 7 a 1. Era inquestionável: com o craque, a derrota para os alemães poderia acontecer, mas jamais da maneira humilhante ocorrida no gramado do Mineirão. A Copa América de 2015 surgira como a chance de redenção.

A resposta em campo não veio. Pelo contrário. Viu-se um Neymar irritadiço, principalmente no jogo contra a Colômbia, pela fase de grupos da competição da Conmebol. A primeira derrota da Era Dunga, justamente contra os colombianos acabou marcada por uma confusão provocada pelo atacante, que acabou expulso e suspenso por quatro jogos pela confederação sul-americana.

Neymar estava fora da Copa América e apenas assistiu à queda precoce do Brasil para o Paraguai. O craque ainda desfalcaria o time no início das eliminatórias. Talvez esta ausência tenha ajudado Dunga. Mesmo questionado, o capitão do tetra receberia nova chance no comando da seleção brasileira, seguindo o processo de renovação tendo em vista o Mundial da Rússia.

Temos um esboço, mas o torcedor me conhece: eu não vou vender um sonho, e sim a realidade. A realidade precisa de trabalho. No futebol tudo é imprevisível, mas temos de conquistar todos os dias."

Dunga, ao assumir novamente a seleção

Eu até acho que eu sou afrodescendente de tanto que apanhei e gosto de apanhar. Os caras olham para mim: 'Vamos bater nesse aí'. E começam a me bater, sem noção"

Dunga, antes da eliminação na Copa América 2015

Terceiro strike. Fora

Dunga permaneceu. O retrospecto do início de trabalho servia como apego de defesa do trabalho. Porém, a pressão pela eliminação contra o Paraguai carregava a necessidade de resultados nas eliminatórias. O início de campanha se mostrou irregular, com vitórias protocolares diante de Venezuela e Peru dentro de casa, um empate com a Argentina em Buenos Aires e uma derrota dura diante do Chile, logo na estreia.

O técnico encerrava 2015 com a terceira posição das eliminatórias, e Dunga ganhava fôlego - curto pelo que veio pela frente. A paciência da CBF acabou em seis meses. Não bastava a eliminação para o Paraguai na Copa América do Chile, o Brasil agora enfrentava dois verdadeiros vexames. Peso demais mesmo para quem carregou a responsabilidade de carregar a faixa de capitão no tetracampeonato.

Dunga começou o ano com dois empates diante de Uruguai e Paraguai pelas Eliminatórias. A seleção verde-amarela caía para a sexta posição, fora da zona de classificação para a Copa de 2018. O país do penta no esporte mais popular do planeta corria sérios riscos de ficar fora de um Mundial pela primeira vez.

No entanto, havia mais uma chance. A Copa América Centenário, nos Estados Unidos. Alheio às eliminatórias, o torneio surgira como o alento para Dunga e comissão técnica. Porém, três jogos depois, veio o novo vexame: queda ainda na fase de grupos, após derrota para o Peru (com gol irregular de Ruidíaz, diga-se). O cenário se tornou insustentável. Na terra da liga mais famosa de beisebol do mundo, Dunga saiu após o terceiro strike.

Hector Retamal/AFP Photo
Lucas Figueiredo / MoWA Press

CBF escuta "o povo"

A queda de Dunga abriu a possibilidade de a CBF, enfim, atender a um pedido popular para o cargo de treinador da seleção principal. Respaldado por uma Era gloriosa no Corinthians, principalmente pela conquista do Brasileirão de 2015 com um jogo atrativo, Tite assumiu o posto de maior responsabilidade do futebol nacional, dois anos depois de ser frustrado pela escolha do tetracampeão mundial.

A missão de Tite era ingrata: resgatar a autoestima do Brasil como nação futebolística. A imagem estava arranhada e o risco de fracasso retumbante nas eliminatórias era real. O ex-treinador de Corinthians, Inter e Grêmio encarava o maior desafio da carreira, e logo de cara encararia o Equador, sensação do qualificatório sul-americano naquele momento, na altitude de Quito, onde o time verde-amarelo não vencia há três décadas.

Agora vai?

Tite ganhou a opinião pública com trabalho e carisma. A vitória por 3 a 0 sobre o Equador só iniciou uma campanha irrepreensível nas eliminatórias sul-americanas. Do risco de fracasso, o Brasil se tornou absoluto favorito para conquistar a Copa do Mundo de 2018. A classificação veio cedo e com atuações extremamente convincentes; algumas, até históricas. O 7 a 1 até sumiu por um tempo das discussões, dada a superioridade demonstrada pelo time contra os adversários continentais.

Foram nove resultados positivos seguidos no qualificatório da Conmebol, com direito a uma vitória marcante sobre a Argentina (3 a 0), no Mineirão, e uma goleada por 4 a 1 sobre o Uruguai, em pleno estádio Centenário.

Tite achou rápido um time, potencializando o talento de Neymar, recuperando veteranos como Daniel Alves, Thiago Silva e Marcelo e tornando imprescindíveis nomes anteriormente questionados, como Paulinho e Renato Augusto.

A sequência de resultados positivos, com futebol chamativo, tornou Tite quase imaculado. O treinador ídolo dos corintianos virou unanimidade nacional, ao ponto de ter o nome sugerido nas redes-sociais para disputar a presidência da república em 2018. O gaúcho de Caxias do Sul se tornara a cara da seleção. O sucesso tinha nome e sobrenome: Adenor Leonardo Bachi.

Pedro Martins/Mowa Press

Peço para que não brinquem mais com isso, me sinto desconfortável, porque é algo muito sério. Ele não cabe, uma coisa tão séria, tão responsável. É uma brincadeira com algo muito sério. Não tenho o mínimo de condição de brincar com ela, porque é uma responsabilidade muito grande."

Tite, sobre as brincadeiras sobre virar presidente

Eu não sei se vai ganhar, não vou prometer. Não sou demagogo. Mas vou te dizer uma coisa: o futebol que a equipe está apresentando me deixa feliz, porque é uma ideia de futebol: troca de passes para depois verticalizar. É a escola que eu sei. A forma que a equipe está se apresentando me deixa feliz."

Tite, depois da campanha nas Eliminatórias

Catherine Ivill/Getty Images

Ainda não foi dessa vez

Recuperado depois de uma eliminatória quase perfeita sob o comando de Tite, o Brasil chegou à Rússia com status de favorito. Segundo colocado no ranking da Fifa, atrás apenas da Alemanha, o time brasileiro não conseguiu deslanchar e viu a postura de Neymar em campo roubar a cena - as quedas no gramado viraram manchetes pelo mundo.

Sem brilho, o Brasil passou às oitavas de final para enfrentar o México. Um triunfo por 2 a 0 colocou a equipe frente a frente com a Bélgica, apontada como uma possível surpresa do Mundial, carregada pela famigerada "geração belga", liderada por Hazard e De Bruyne.

Diante deles, a seleção teve seu pior primeiro tempo da era Tite. A atuação foi crucial para a derrota diante da sensação europeia. Na etapa final, com 2 a 0 contra, o Brasil até esboçou uma reação com um gol de Renato Augusto, mas deu adeus ao Mundial de maneira precoce.

Pedro Martins/Mowa Press

Tite fica para a retomada

A derrota para a Bélgica na Copa do Mundo trouxe consigo a questão sobre a permanência de Tite no comando da seleção brasileira. E, pela primeira vez desde o Mundial de 1978, quando Cláudio Coutinho foi mantido no cargo após voltar ao Brasil sem o título, o treinador foi mantido no posto pela CBF.

Dois meses depois da eliminação, a seleção brasileira voltou a campo para enfrentar os Estados Unidos. Com quatro caras novas no grupo - Arthur, Lucas Paquetá, Richarlison e Éverton -, a equipe venceu por 2 a 0 e iniciou uma série de seis triunfos seguidos até o fim do ano, incluindo duelos com Argentina e Uruguai.

A temporada 2019 começou com um tropeço diante do Panamá, empate por 1 a 1, mas logo o Brasil retomou o caminho das vitórias. Antes da convocação para a Copa América, o time superou a República Tcheca por 3 a 1. O jogo deu início a uma marca impressionante: a defesa brasileira passou ilesa por 727 minutos, até a final da Copa América. O gol de Guerrero, porém, não estragou a festa no Maracanã.

Ueslei Marcelino/Reuters

Luz de alerta ligada. De novo

O clima era propício ao Brasil no começo da preparação para a Copa América. A calmaria, porém, durou pouco. Duas semanas antes do início da competição, Neymar foi acusado de estupro por uma modelo que viajara a Paris em maio. O caso estremeceu o ambiente da equipe, com direito à presença de um carro de polícia na portaria da Granja Comary.

O que era já era complicado ficou ainda mais dramático dias depois. No primeiro amistoso da preparação, contra o Qatar, Neymar, no centro da polêmica, sofreu uma grave lesão no tornozelo. O problema físico representou o fim da linha do jogador no grupo brasileiro da Copa América.

Mas, da mesma maneira que a crise chegou, ela foi embora. Sem Neymar, Tite contou com uma equipe sem um protagonista. Com a pressão diluída entre os atletas, o Brasil soube jogar com a condição de maior favorito ao título.

Com pequenos deslizes, como o empate sem gols com a Venezuela na primeira fase e o sufoco contra o Paraguai nas quartas de final, a seleção brasileira voltou a conquistar um título depois de seis anos - o primeiro depois do 7 a 1 -, iniciando, assim, um possível processo de cura definitiva do revés histórico.

MAURO PIMENTEL / AFP

Nova ordem

Sempre muito conectado aos próprios métodos de trabalho, Tite teve de revê-los durante a Copa América, na busca de uma resposta para a pressão que, apesar de velada, era presente. Por isso, novos traços do treinador foram trazidos à tona já nos amistosos preparatórios para a competição.

Após a derrota para a Bélgica na Copa do Mundo, Tite e a comissão técnica se convenceram que era preciso reagir com mais rapidez às dificuldades encontradas durante as partidas. No Mundial da Rússia, por exemplo, Paulinho e Gabriel Jesus, apagados, não perderam espaço.

Na Copa América, Tite mostrou uma faceta mais ousada. Logo de cara, deu chances a Éverton Cebolinha, que ganhou espaço, resolveu o problema para "quebrar linhas" e terminou a competição como artilheiro. A mesma ascensão teve Gabriel Jesus. O atacante começou o torneio em xeque e terminou como jogador decisivo.

Outro ponto de mudança na linha de trabalho de Tite tem a ver com o mesmo Gabriel Jesus. No torneio continental, alguns jogadores foram escalados em posições distintas àquelas desempenhadas em seus respectivos clubes.

Mantê-los em funções conhecidas era uma forma de amenizar a falta de entrosamento diante da escassez de tempo. O camisa 9, por exemplo, atuou aberto como ponta direita nos últimos jogos, em vez da habitual referência do ataque como acontece no Manchester City. Ali, brilhou na semifinal e na decisão, com gols e assistência (apesar da expulsão contra os peruanos na Maracanã).

Quem estava lá há cinco anos e ficou

  • Daniel Alves

    Reserva no 7 a 1, Daniel Alves agora é unanimidade aos 36 anos. Capitão e eleito o melhor da Copa América, virou o maior líder da seleção de Tite. O jogador é uma espécie de porta-voz dos jogadores.

    Imagem: Lucas Figueiredo/CBF
  • Thiago Silva

    Fora do 7 a 1 por suspensão, Thiago Silva segue como titular da zaga da seleção, agora ao lado de Marquinhos. É outro que, caso se mantenha em alto nível, deve chegar para a Copa 2022, no Qatar.

    Imagem: Mark Runnacles/Getty Images
  • Fernandinho

    Titular contra a Alemanha há cinco anos, Fernandinho virou dos nomes mais questionados da lista dos convocados para a Copa América. Atuou nos dois primeiros jogos da competição, antes de sofrer com uma lesão no joelho. É dúvida para o restante do ciclo.

    Imagem: Lucas Figueiredo/CBF
  • Willian

    Há cinco anos, entrou restando 20 minutos, quando o placar já exibia um 6 a 0 favorável para os alemães. Agora, entrou para substituir Neymar como o 10 do Brasil na Copa América e teve boas atuações no torneio. Também é dúvida no projeto 2022.

    Imagem: Pedro H. Tesch/AGIF

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