Sem preconceito

Três lutadoras contam como decidiram apostar em iniciativas estilo OnlyFans. E o que lucraram com isso

Carlos Antunes, Diego Ribas e Neri Fung Da Ag Fight, em Las Vegas (EUA), Rio e Niterói Reprodução

"Durante todo o ano anterior à covid, eu estava com dificuldades financeiras. Trabalhava em três empregos, treinava e praticamente não tinha tempo para minha família ou para o relacionamento que tinha na época. Eu estava ganhando o suficiente para sobreviver. Quando fomos jogados em quarentena, eu tinha 70 dólares na minha conta de banco.

Eu não sabia muito sobre o OnlyFans, só que era uma plataforma paga conhecida por trabalho sexual. Mas eu disse: Foda-se. O que eu tenho a perder? E decidi abrir uma conta. Não tinha ideia do que eu iria postar, nem sabia muito bem como o site funcionava.

Hoje, estou extremamente feliz com o que conquistei. Eu consegui ganhar seis dígitos em menos de um ano, paguei todas as minhas dívidas, quitei meu carro e até comprei minha primeira casa. Recentemente, comecei a administrar outras páginas, já que as pessoas viram que eu criei um negócio bem-sucedido. Então, acho que esse vai ser o meu foco principal no futuro.

Mas foi um desafio encarar o estigma de, agora, ser rotulada como uma trabalhadora sexual. Eu sempre fui a 'garota doce da porta ao lado'. Todo mundo me via como essa lutadora fofa, já que comecei nas artes marciais jovem e sempre estive cercada pela minha família. Agora, as pessoas veem a página no OnlyFans e muitas delas pensam que estou fazendo filmes pornô".

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O relato acima é da lutadora norte-americana Kyra Batara. Em 2019, ela foi dispensada do "Combate Americas" mesmo com seis vitórias consecutivas pela organização. Quando chegou 2020 e a pandemia do coronavírus deixou todo o mundo confinado, as contas se acumularam. A solução que encontrou foi engolir o orgulho e colocar ao lado da imagem de atleta a de símbolo de sensualidade.

Como ela, outras lutadoras encontraram em iniciativas como a do site OnlyFans, que vende assinaturas para que os fãs acessem conteúdos exclusivos de seus ídolos e virou hit com fotos sensuais, uma maneira de encarar a crise financeira. Com eventos cancelados, temporadas interrompidas ou adiadas indefinidamente, demissões em massa e todas as incertezas provocadas pela crise mundial de saúde, o empreendedorismo de oportunidade floresceu.

Para entender o fenômeno, a Ag Fight conversou com três atletas de alto nível que encontraram um caminho nesse mercado. Ouviu o que as motivou a aceitar o desafio, como tem sido a experiência até aqui e como lidam com o preconceito que surge no dia a dia.

Mike Roach/Zuffa LLC via Getty Images e Reprodução Mike Roach/Zuffa LLC via Getty Images e Reprodução

"Credo, sensei. Ficar postando foto sensual minha?"

Uma das que encarou o desafio foi a mineira Amanda Ribas, 11ª colocada no ranking peso-palha (52 kg) do UFC. Aposta do MMA nacional, ela já tinha campanhas publicitárias no currículo. Agora, vende conteúdos exclusivos em seu próprio site. A iniciativa segue a linha de "OnlyFans" e "Closed Friends" (do Instagram), mas sem conteúdo sensual. Para compensar, promete interação maior e chega a responder perguntas por áudio e vídeos personalizados.

"No meu Instagram eu tenho dois sites. Um de treinamento online, que fiz com meu irmão, aproveitando essa época de pandemia, para quem quer treinar em casa. O outro é um site de fotos. A oportunidade surgiu com o meu empresário: 'Amanda, tem várias atletas que estão fazendo. Eu acho legal você fazer'", conta Amanda.

"Em um primeiro momento, eu falei: 'Credo, sensei. Ficar postando foto sensual minha?'. Porque eu acho que não combina tanto com o meu estilo mostrar muito o corpo. Só que a gente achou um jeito diferente de fazer fotos que o público queira ver, sem ser vulgar. Tem fotos diferentes, mas não tão sensuais. Eu achei muito legal a ideia do site porque posso ficar mais próxima dos fãs", ponderou a lutadora, que diz que o novo trabalho não atrapalha a preparação para sua próxima luta no UFC, contra Angela Hill, no dia 8 de maio. "Penso em trabalhar mais no site quando não estiver em camp".

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"Comecei um negócio que passou de US$ 100 mil no primeiro ano"

Patrícia 'Pati' Fontes, tricampeã mundial 'No Gi' (sem quimono), viu no período de reclusão social, sem competir ou dar aulas, a chance de aprender sobre o novo mercado e ainda empreender.

A ideia surgiu no início da pandemia, em maio do ano passado, quando tudo estava fechado e tive tempo livre. Queria usar outras habilidades para fazer um dinheiro extra. Não foi uma decisão difícil, mas consultei pessoas que eu julgo importantes na minha vida, como meu irmão, meu namorado, meu patrocinador e amigos. Eu queria saber como impactaria diferentes pessoas."

Pati Fontes

O OnlyFans veio na hora certa, quando tinha que estar em casa por causa da covid. Consegui me ocupar, estudei o mercado, conheci pessoas de um universo fora do mundo da luta, mesmo que virtualmente, e aprendi coisas novas. A questão de ângulos, como ser modelo. Quase que como brincadeira, comecei um negócio que passou de 100 mil dólares no primeiro ano."

Pati Fontes

Preconceito? Teve. Mas teve uma academia também

Apesar do sucesso que as três lutadoras estão vivenciando, existem problemas. O machismo, especialmente no ambiente dos esportes de combate, é o maior deles. "Sofri e sofro preconceito por conta de pessoas que não entendem a proposta da minha página no Onlyfans. Na internet, é fácil buscar reconhecimento com mensagens negativas. Amigos me questionaram. Meu pai, alguns pais de alunos também. Quando conversamos, tudo ficou bem, mas, mais uma vez, ficou claro que muitas pessoas não entendem o propósito da página", conta Pati Fontes.

"Também existe o preconceito geral com a exposição do corpo e o machismo quando uma mulher parece confortável com seu corpo fazendo arte como quiser. É normal que isso cause um impacto. No meu caso, fui idealizada de quimono. É quase como se eu não tivesse uma vida. Como se tivesse que ser aquela figura de samurai na academia, sem ligar muito para a estética (risos)", completa.

Em menos de um ano, porém, o novo trabalho de Pati gerou um outro negócio: "Eu sabia que seria um ano difícil. Então, tentei economizar ao máximo. Eu não sabia se o mês seguinte ia ser como o anterior, mas sabia que tinha que trabalhar muito. É um esforço diário. No meio de tudo isso, abri minha própria academia de jiu-jitsu, junto com meu preparador físico. Sabia que seria desafiador, por conta da situação mundial e o fato de ser um esporte de contato enquanto temos que manter distanciamento. Mas também sabia que não ia competir, então decidi embarcar. Foi quando minhas economias ajudaram a comprar tatames e, enfim, pude montar minha escola em OC (Orange County), na Califórnia, e focar nesses dois novos negócios que apareceram na minha vida em 2020".

Game show à vista

Estou criando o primeiro 'game show' para o OnlyFans. Eu chamo de 'Boss Bitch Championship', que é um projeto de paixão que eu mal posso esperar para lançar nesse ano. Se isso decolar como planejado, vou ter muitos anos maravilhosos pela frente conectada ao site".

Kyra Batara (foto abaixo)

Reprodução Reprodução

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Com os prós e os contras de criar e vender conteúdo exclusivo para os fãs, seja de cunho sensual ou não, as três entrevistadas concordam que a entrada de atletas do mundo das lutas nesse mercado não deveria ser tabu.

"Acho legal porque você não pode ser só lutadora. Eu não sou só uma coisa. Tenho que tentar aproveitar o momento. Se não está atrapalhando os treinos, não está atrapalhando a dieta, por que não? É um jeito de ajudar até minha carreira de atleta e conquistar mais público. Então, eu não julgo quem faz ou deixa de fazer. Estou vendo que, para mim, ajuda", diz Amanda Ribas.

"Se você está chateado porque eu tenho uma conta no OnlyFans, lembre-se que estamos no século 21. Quando eu comecei lá no jiu-jitsu, mais de 15 anos atrás, eu sofri preconceito também. Diziam que não era coisa de menina, que não dava dinheiro pra mulher ficar se agarrando com homem suada e fedida para ganhar uma medalha. E hoje ainda dizem que não tem nem tanta menina na sua categoria, que é mais fácil pra mulher... Nós sempre seremos cercadas de negatividade. Traça um caminho e vai! Não faço, por exemplo, fotos nudes, mas mesmo que fizesse, é para isso que a plataforma serve. Ela é segura, não dá pra acessar sem sua identidade. Se te incomoda, apenas não acesse ", fala Pati.

"Uma coisa que eu sempre prego na vida é: assuma quem você é. Confiança é a chave e você tem que realmente amar a si mesmo para entrar em uma plataforma paga. Se pergunte: 'O que me faz especial? Por que alguém deveria pagar mensalmente para ver o que eu posto?' É importante saber que tipo de audiência você está atendendo. O que quer que você decida postar no site, saiba que não há limite. Seja criativo, se mantenha consistente, e não leve desaforo de ninguém que te faça sentir desconfortável. Se você realmente está disposta a trabalhar duro e tratar isso como um negócio, você vai ser bem-sucedida. Você tem que aceitar que qualquer coisa que você colocar na internet vai estar lá para sempre", completa Kyra.

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