Agora é no octógono

Adesanya e Borrachinha se enfrentam pelo cinturão dos médios do UFC após dois anos de muita provocação

Ana Flávia Oliveira e Brunno Carvalho Do UOL, em São Paulo Josh Hedges/Zuffa LLC via Getty Images

Israel Adesanya havia acabado de nocautear Robert Whittaker, em outubro do ano passado, quando correu até as grades do octógono, as escalou e mostrou o dedo do meio em direção ao público.

O gesto tinha um alvo claro: Paulo Borrachinha, sentado nas primeiras fileiras. O brasileiro e o nigeriano têm trocado provocações há quase dois anos, e aquele dia na Nova Zelândia foi um dos ápices do trash talk. Mas não o último deles.

Meses depois, Adesanya defendeu com sucesso o cinturão dos médios em uma luta nem um pouco empolgante contra Yoel Romero. Mais uma vez sentado na plateia estava Borrachinha. Agora, quem fazia gestos era ele: polegares para baixo em sinal de reprovação ao que acabara de ver. Isso, claro, pouco antes de trocar palavras nada cordiais com o nigeriano.

Hoje (26), no retorno do UFC à Ilha da Luta, em Abu Dhabi, nenhum deles estará na plateia. A história agora será resolvida dentro do octógono. O card principal do evento será transmitido apenas pelo canal Combate, a partir das 23h (de Brasília).

Depois de muito tempo, os dois invictos finalmente medirão forças. Quem vencer ficará com o cinturão e com a vitória moral de tanto tempo de trash talk. Mas não será surpresa se novas provocações ocorrerem após o combate. Restará ao derrotado conseguir uma revanche que lhe renderia o título e a restauração do orgulho.

Josh Hedges/Zuffa LLC via Getty Images

O próximo será esse animal inflável, esse sósia bundão do Ricky Martin. Quando eu acabar com ele, ele vai parecer mesmo o Ricky Martin. Costurado.

Israel Adesanya

Quando ele enfrentar caras que são potentes e com poder de resistência como eu, vai arregalar o olho e correr. Eu vou tirar ele para nada.

Paulo Borrachinha

Darrian Traynor/Getty Images Darrian Traynor/Getty Images

Suspensão de Borrachinha adiou luta e esquentou provocação

O clima que ronda a luta deste sábado começou a ser criado no início de 2019. Tão logo Adesanya foi declarado vencedor após três rounds contra Anderson Silva, as redes sociais de Borrachinha começaram a trabalhar. "Esse fanfarrão magricelo Israel Adesanya não duraria dois rounds comigo. Por isso, continuo focado em um lutador de verdade, Romero em abril", escreveu o brasileiro.

O Romero em questão é o cubano Yoel Romero, o único ponto de convergência no caminho dos dois. A luta de Borrachinha com ele aconteceu após uma série de adiamentos por causa de uma suspensão do brasileiro pelo uso acima do limite de soro intravenoso e por uma pneumonia que atingiu o cubano.

Quando finalmente aconteceu, em agosto do ano passado, foi uma "guerra", como se diz no MMA. Borrachinha e Romero trocaram socos e knockdowns por três rounds antes de o brasileiro ser declarado vitorioso. O duelo não só rendeu aos dois o prêmio de luta da noite, como credenciou o mineiro a disputar o cinturão com Adesanya.

Mas Borrachinha rompeu o tendão do bíceps esquerdo em um de seus camps (treinos) e ficou afastado por oito meses. Dana White tinha duas opções: esperar o brasileiro ou arranjar um novo adversário para Adesanya.

"Os matchmakers [responsáveis por marcar os duelos] não queriam essa luta. Mas o fã idiota dentro de mim disse: 'Vocês estão brincando? Vai ser uma luta legal'. Provavelmente, não deveria ter feito e esperado por Paulo Borrachinha, mas tudo bem", declarou o arrependido Dana White após selecionar Yoel Romero para enfrentar o nigeriano.

Romero foi escalado mesmo tendo perdido para Borrachinha. A luta não rendeu grandes emoções e acabou com vitória para o nigeriano, que manteve seu cinturão, e vaia do público.

E paralelo a isso, Adesanya e Borrachinha seguiram trabalhando intensamente o trash talk. Mesmo em entrevistas sobre outros assuntos, o rival sempre era citado de alguma maneira. "Se você olhar bem, poderá se questionar quem está fazendo trash talk, quem fica falando estupidez, criando algo", afirmou Adesanya.

Se você olhar o jeito que o [Paulo] Costa luta, ele te pressiona, fica na sua frente o tempo todo. O Adesanya gosta de ficar longe e te acertar. Acho que esta luta será uma guerra. Os dois são animais e querem muito esta luta.

Dana White, presidente do UFC

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Borrachinha quer cinturão no Brasil após seca de 7 anos

Anderson Silva não é mais campeão dos médios há sete anos. Ainda assim, a marca deixada por ele segue presente na divisão do UFC. No confronto entre Israel Adesanya e Paulo Borrachinha, isso aumenta ainda mais.

O mineiro luta para ser o primeiro brasileiro a ter o cinturão dos médios desde que Anderson foi derrotado por Chris Weidman, em 2013. Apesar de não gostar muito de responder questões sobre outros lutadores, Borrachinha aposta em uma nova história brasileira na divisão. "Vamos começar um novo legado para o Brasil".

Para cumprir a promessa, Borrachinha precisará vencer alguém que desde o começo foi comparado com Anderson Silva. O porte físico de Israel Adesanya e seu estilo de luta, com esquivas e contra-ataques poderosos, fizeram com ele fosse chamado de "o clone do Anderson" no início de sua jornada. "Não acho que sou o novo Anderson Silva. Sou o primeiro Israel Adesanya", contesta.

Ainda que não queira ser comparado ao "Spider", o atual campeão quer igualar - e superar - os feitos que seu ídolo alcançou nos médios. Ao longo dos seis anos em que reinou na divisão, Silva defendeu seu título 10 vezes. "Eu quero repetir o que ele conseguiu. É difícil, mas estou aqui pelo desafio".

Jeff Bottari/Zuffa LLC Jeff Bottari/Zuffa LLC

Nigeriano sofreu com bullying como imigrante na Nova Zelândia

Como o garoto magro e franzino se tornou um dos maiores nomes do UFC na atualidade e detentor invicto do cinturão dos médios do maior torneio de MMA do mundo?

O próprio Israel Adesanya contou, em entrevista ao site "MMA Junkie" em 2018, que o bullying que sofreu durante a adolescência o ajudou a se tornar mais confiante. "Eu tive que me fortalecer. As pessoas dizem: 'Oh, ele apareceu durante a noite.' Ou, 'Ele é tão grande, confiante'. Eu aprendia falar comigo mesmo corretamente. E isso é (algo) que muitas pessoas não têm neste jogo".

As feridas e a força de Adesanya vêm ainda da adolescência quando ele morou na Nova Zelândia com a família. Nascido em Lagos, na Nigéria, em 1989, ele se mudou para Rotorua quando tinha 12 anos. No novo país, o bullying foi constante em sua vida, já que era um dos poucos negros da escola. Sofreu sozinho. Só falou aos pais, um contador e uma enfermeira, sobre o assédio no colégio anos depois.

Traz tatuadas em seu peito as palavras "Broken Native" como uma forma de lembrá-lo de suas origens e dores. "Eu era uma criança nigeriana, que cresceu na Nova Zelândia tentando se encaixar em um lugar onde nunca se sentiu parte. Então, sou um nativo dividido em partes como um quebra-cabeça", explicou ele à filial norte-americana da "ESPN" em 2018.

Ele sabe que é frágil. Ele sabe que não pode levar dois ou três golpes duros no rosto, no corpo que será quebrado. Imagine o que posso fazer com ele, com seu corpo magro e frágil com uma luva de quatro onças em minhas mãos.

Paulo Borrachinha

Campeão se inspirou no desenho Avatar e venceu seu ídolo

Israel Adesanya praticou taekwondo na infância, ainda em Lagos, mas a mãe o proibiu de seguir no esporte por causa de uma lesão no braço. O retorno ao mundo das lutas só aconteceria em 2008. Com técnicas aprendidas em vídeos, o nigeriano fez a estreia no MMA amador e perdeu. Adesanya diz que aquela derrota o ensinou sua "maior lição de humildade" da vida.

Aos 21 anos, o nigeriano se mudou para Auckland e começou a praticar kickboxing, conquistando um impressionante cartel de 32 lutas e nenhuma derrota na modalidade amadora. Depois se mudou para a China para a investir na carreira de lutador profissional de kickboxing. Foi nessa época que adotou o apelido "The Last Style Bender", inspirado no desenho animado "Avatar: The Last Airbender" (O Último Mestre do Ar).

Fã de Anderson Silva, o nigeriano se inspirou no estilo de luta do brasileiro para neutralizar os adversários. Assim, totalizou um cartel de 75 vitórias e apenas cinco derrotas no kickboxing.

De volta a Auckland, em 2012, Adesanya finalmente estreou no MMA profissional. Na bagagem, acumulou 11 vitórias em 11 lutas e dois cinturões em torneios menores. Chamou a atenção de Dana White, que o convidou para fazer parte do UFC em dezembro de 2017.

Desde a vitória por nocaute contra Rob Wilkinson na estreia, Adesanya tem trilhado um caminho de sucesso no cage, vencendo todos os adversários colocados em seu caminho. Uma das vítimas foi o ídolo Anderson Silva. Apesar do difícil confronto com o "Spider", decidida pelos juízes, Adesanya considera que o adversário "mais duro da sua carreira" foi o americano Kevin Gastelun, quando conquistou o cinturão interino dos médios.

Wander Roberto/UFC Wander Roberto/UFC

Desafiante era menino briguento e participou de reality de luta

Com o apelido herdado do irmão e seu treinador de jiu-jítsu, Carlos Borracha, que impressionava os colegas de treino por causa da flexibilidade, Paulo "Borrachinha" garante estar preparado para seu maior desafio. Ele começou a treinar muay thai quando tinha nove anos em Contagem, em Minas Gerais, e passou para o jiu-jítsu três anos depois. As artes marciais foram a forma que a família encontrou para disciplinar e acalmar o garoto briguento.

Em 2013, aos 22 anos, o brasileiro faz sua estreia no MMA profissional. Foram três lutas, vencidas por nocaute ainda no primeiro round. As performances, cheias de agressividade e socos potentes, chamaram a atenção do UFC, e ele foi convidado no ano seguinte para participar do reality show "TUF Brasil - The Ultimate Fight". Venceu uma luta, perdeu outra e teve que deixar o programa. Como as lutas do TUF não entram para o cartel oficial do lutador, Borrachinha seguiu invicto na carreira.

"O TUF mudou minha mentalidade em relação às lutas e como eu me vejo como lutador também. Aquela derrota me ajudou a não querer passar por aquilo de novo."

Ele é como um daqueles cães que apenas latem atrás da cerca, mas quando a cerca se abre, ele simplesmente dá a volta e fica todo tímido.

Israel Adesanya

Brasileiro enfileirou nocautes desde sua estreia no UFC

Campeão de eventos como o "Face To Face" e o "Jungle Fight", Borrachinha estreou em março de 2017 no UFC contra o sul-africano Garreth McLellan, que foi nocauteado em apenas 77 segundos. O UOL Esporte acompanhou a preparação do aspirante.

Com socos potentes, Borrachinha levou a lona seus três adversários seguintes: Oluwale Bamgbose, Johny Hendricks, Uriah Hall e se aproximou do topo da divisão dos médios. Estava credenciado para lutar contra o cubano Yoel Romero. Mas o confronto precisou ser adiado por causa da suspensão do brasileiro. Em agosto de 2018, eles finalmente lutaram e, pela primeira vez, Borrachinha não conseguiu nocautear ou finalizar o adversário. Após um duro combate, o brasileiro saiu vencedor por decisão unânime dos juízes.

"Muitos de vocês viram agora como sou duro, mas eu já sabia. Me sinto muito feliz, porque mostrei para o mundo todo como eu sou duro. E o Romero é um dos melhores lutadores do mundo."

Sorrisos no hotel, treta na encarada

No último sábado, Adesanya e Borrachinha se encontraram em um corredor do hotel, onde os lutadores que vão participar do UFC 253 estão hospedados em Abu Dhabi. Diferentemente do que se esperava, os dois tiveram uma conversa bastante amistosa, com brincadeiras sobre o peso, cumprimentos e risadas.

No media day, evento de entrevistas promovido pelo UFC antes das lutas, Borrachinha comentou o primeiro encontro com o rival.

"Eu estava esperando por aquele que eu conheço das entrevistas, mas ele foi muito simpático, educado, isso me surpreendeu. Não sei por que ele mudou tanto. Ele estendeu a mão para mim, me perguntou como eu estava me sentindo. Talvez ele estivesse sendo falso, não sei."

Já Adesanya deu uma versão bem diferente sobre o encontro. "Eu fui lá para checar a energia dele. Fui lá, dei um tapinha no ombro dele para sentir o quão estúpido ele é. Eu estiquei a mão para saber a força que ele ia colocar no aperto."

O clima ameno ficou apenas no hotel. Na hora da pesagem, mais um bate-boca entre eles. Borrachinha levou uma faixa branca de jiu-jítsu e atirou em direção ao rival na hora da encarada. Adesanya não gostou e lançou de volta, iniciando mais uma confusão que precisou ser contida pelos técnicos e por Dana White. O próximo encontro, agora, será dentro do octógono. E apenas um sairá de lá invicto e com o título na cintura.

Programação do UFC 253, na Ilha da Luta

CARD PRINCIPAL (23h, de Brasília)

Peso-médio: Israel Adesanya x Paulo Costa
Peso-meio-pesado: Dominick Reyes x Jan Blachowicz
Peso-mosca: Kai Kara France x Brandon Royval
Peso-galo: Ketlen Vieira x Sijara Eubanks
Peso-pena: Hakeem Dawodu x Zubaira Tukhugov

CARD PRELIMINAR (19h30, de Brasília)

Peso-leve: Brad Riddell x Alex da Silva
Peso-meio-médio: Diego Sanchez x Jake Matthews
Peso-pena: Shane Young x Nate Landwehr
Peso-meio-pesado: William Knight x Aleksa Camur
Peso-pesado: Juan Espino x Jeff Hughes
Peso-meio-pesado: Khadis Ibragimov x Danilo Marques

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