"É Muralha, e não vou mudar"

Vencedor em decisão por pênaltis quatro anos após virar piada, goleiro conta como tirou esse peso das costas

Alex Muralha, em depoimento a Brunno Carvalho e Gabriel Carneiro Do UOL, em São Paulo Divulgação/Mirassol

Eu tive uma noite muito boa na quarta-feira passada, e isso só aconteceu porque eu estava pronto. Jogo no Mirassol desde o começo do ano e nesse dia pegamos o Guarani nas quartas de final do Paulistão. De cara eu percebi que a ideia deles era achar um gol de contra-ataque ou empurrar para os pênaltis, que foi o que aconteceu.

A gente estuda pra uma decisão de pênaltis. Sempre foi assim. Na Europa ou na Ásia, não existe essa cultura de goleiro estudar as cobranças, tomar uma decisão e ficar marcado por tanto tempo. Mas aqui no Brasil até hoje as pessoas ressuscitam o que eu vivi no Flamengo em 2017, naquela final contra o Cruzeiro. É uma situação chata, mas infelizmente vou ter que conviver com isso.

Mas vamos voltar pra 2021... eu estava pronto. Saltei as duas primeiras para o lado direito porque eu estudei os batedores, e a maioria bate naquele canto. Na terceira cobrança eu fui para a esquerda porque eu sabia que era onde o cara batia.

E eu defendi.

Vou ser sincero aqui: essa decisão tirou um peso das minhas costas. Eu era muito cobrado para defender pênaltis e só nesse Estadual eu já peguei quatro, um deles contra o Palmeiras, além desses num mata-mata. O que vem pela frente?

Não sei, mas vou seguir com meus pés no chão. Nunca me deslumbrei com isso porque sei como é a vida de goleiro. Mais cedo ou mais tarde eu vou falhar. A gente trabalha pra que isso não aconteça, mas somos humanos. A diferença agora é que estou preparado para aguentar e vou contar aqui como tudo isso aconteceu.

Divulgação/Mirassol

Os lances de Mirassol x Guarani

Reprodução Reprodução

Meu nome é Alex Muralha

Tem coisas que são engraçadas na vida. Foi a imprensa que popularizou meu apelido de "Muralha". Eu fui chamado de "a muralha" lá no Comercial, de Ribeirão Preto, mas quem colou ele ao meu nome foi a imprensa. E foi ela que decidiu estampar meu rosto na capa do jornal falando que ia tirar meu apelido.

Quem me mostrou aquela capa foi o Bandeira de Mello, que era presidente do Flamengo em 2017. Ele chegou bravo na academia. E era difícil ver o velhinho bravo, viu? Na hora eu nem dei bola. Pensei em almoçar e depois ver com calma. Mas todo mundo estava falando disso. O jornal ainda tentou se retratar, disse que era brincadeira, mas achei uma brincadeira de muito mau gosto.

Não estou aqui me vitimizando, mas tudo na vida tem um limite. Você querer fazer piada, tudo bem. É válido até certo ponto. Quando começa a atacar o ser humano, não é uma coisa muito boa de se fazer. Aquilo lá, para mim, saiu do rumo de um jornal esportivo, de julgar dentro do campo. Alguns vão dizer que faz parte da proposta do jornal, que eles fazem isso, fazem aquilo... Legal, mas não precisava botar meu rosto na capa como se eu fosse um bandido.

Vivemos num país de tanta desigualdade e corrupção, por que botar um atleta de futebol que vive sua vida, ganha seu salário dignamente, na capa, como bandido? É chato. É cruel.

As pessoas chegaram a falar pra eu tirar o apelido, mas eu gosto de "Muralha" e não tinha motivo para fazer isso. É algo carinhoso que recebi de uma torcida. Já pensei até em incluir no meu nome, mas Alex Roberto Santana Rafael já é grande o suficiente. Se fosse um pouquinho menor, eu colocava (risos).

Muralha é apelido, mas virou sobrenome. Eu não vou mudar, não tem mais como tirar.

Cristiano Andujar/AGIF Cristiano Andujar/AGIF

Amizade

Não foi fácil aguentar aquele período, mas meus próprios companheiros de Flamengo sempre me deram força. Teve um jogo contra o Avaí, o primeiro depois que eu fui tirado do time titular, em que, quando entrei no estádio, as torcidas começaram a me vaiar, me xingar. A nossa torcida e a deles.

Naquele momento, o Cuellár encostou em mim e falou: "Cara, você é foda, você é bom pra caralho".

Situações assim ficam marcadas na gente. O Leandro Damião fez um gol de bicicleta e apontou para mim no banco de reservas. Em outro jogo, o Juan me animou. Até o Tite me apoiou. Aliás, ele é um cara extraordinário, um ser humano maravilhoso. E não só porque me levou para a seleção na grande fase da minha carreira, citando até uma defesa que fiz num chute cara a cara do Gabriel Jesus. Estar na seleção é uma sensação única, eu lembro de tudo.

Fiquei muito feliz quando ele [Tite] mandou pelo Diego uma mensagem me incentivando. É muito legal ver que a gente sempre vai ter amigos de verdade em momentos assim.

Thiago Ribeiro/AGIF Thiago Ribeiro/AGIF

Não sou uma máquina

Eu sou um cara um pouco fechado, é difícil me ver chorar, mas não sou uma máquina, né? Às vezes me machuca muito. E eu fiquei triste, sim, com aquele episódio porque atingiu a minha família. E quando atinge a família da gente, a gente fica triste.

Consigo suportar quando é comigo. A nossa profissão vive em cima de críticas e dificuldades. Somos forjados em cima disso. Mas quando atinge a família, não tem como não balançar.

Meus pais são pessoas excepcionais. Eles são muito humildes, gente simples mesmo, mas com coração e mente grandiosas. Eles sofreram naquele período, minha mãe chegou a tomar alguns remédios para dormir. Mas depois conseguiram levar bem.

As pessoas às vezes acham que jogador de futebol é uma máquina, mas a gente não é, não. Somos seres humanos, também temos sentimentos.

Eu sou um cara muito feliz com a minha carreira. Meu sonho de infância era conseguir virar goleiro profissional. E olha onde eu cheguei! Sou muito grato. Tento sempre viver da melhor maneira possível e ajudar as pessoas o máximo possível. É isso o que importa.

Thomás Santos/AGIF Thomás Santos/AGIF

Precisei sair do Brasil pra respirar

Depois disso tudo que aconteceu no Flamengo, a primeira coisa que eu pensei foi em sair do país. Sair um pouco desse foco da mídia brasileira, sabe? Estava muito pesado. Não só para mim, mas para a minha família. Eu era o alvo e não suportava mais isso.

Foi aí que apareceu uma proposta maravilhosa de empréstimo de um time chamado Albirex Niigata, que iria jogar a segunda divisão do Japão em 2018. Eu já tinha jogado no país uns anos antes, é tudo maravilhoso, e eu considerei como a minha chance de jogar tranquilo, com frequência, e recuperar minha confiança.

Até consegui. Era um time muito jovem, não conseguimos o acesso, mas foi uma boa campanha. O problema foi fora de campo. Aconteceu uma coisa provavelmente mais cruel ainda.

As pessoas aqui no Brasil ficavam procurando vídeos de jogos meus lá no Japão. Dos meus erros, é claro. Quando eu fazia grandes defesas ninguém dava a mínima, mas quando eram situações negativas, todos queriam postar, chamar atenção nos canais de comunicação, Instagram, YouTube, só pra ganhar seguidores... Saber que todos estão olhando para mim esperando um erro é triste. Pensa você no seu trabalho, fazendo uma coisa muito importante, e todo mundo torcendo pra que tu erre.

Eu vi que muita gente vive das tristezas dos outros seres humanos e percebi que não importava o que eu fizesse. Tudo seria muito repercutido.

Decidi voltar para o Brasil. Não preciso fugir. Quando eu errar e as pessoas quiserem me bater de novo, vou levar de uma maneira mais natural. Mais cedo ou mais tarde vou falhar dentro de um campo de jogo. Trabalhamos para isso não acontecer, mas faz parte, somos seres humanos. E bola pra frente.

Jason Silva/AGIF Jason Silva/AGIF

Meus altos e baixos na volta

Quando acabou o empréstimo, voltei para o Flamengo. Já sabia que provavelmente eles não iriam me usar, que eu teria que ir para outro clube. Só que eu precisava escolher bem, seria meu recomeço no Brasil. Apareceram algumas coisas, mas eu queria um time de peso. Surgiu o Coritiba em março de 2019.

Nem preciso falar que seria mais um grande desafio, só que tinha outra coisa: eles têm um grande goleiro e ídolo, o Wilson. Ele estava machucado: eu ia jogar a reta final do Paranaense e depois ele voltaria. Fui bem, aproveitei minhas chances. Infelizmente não conseguimos o título. Aí começou a Série B e o Wilson acabou tendo uma nova lesão. Muito azar. Eu pensei: "agora não saio mais".

E graças a Deus fui muito feliz. Foi o ano inteiro jogando direto. Fui capitão na reta final e a gente conseguiu o acesso. Foi uma coisa muito gratificante, teve um sabor diferente.

Comecei bem 2020 também. Mas na final do Paranaense, contra o Athletico, eu acabei errando em uma saída de bola e tomei um gol. Não tem o que falar. Infelizmente, errei e perdemos o título. Depois desse jogo o Barroca [Eduardo Barroca, técnico do Coritiba na ocasião] optou por me tirar. Eu conversei com ele porque não achei certo, não achei justo. Eu estava bem antes daquilo. Mas a escolha era dele e eu respeitei.

Continuei trabalhando como sempre, esperando uma oportunidade que não veio. Meu contrato com o Coritiba acabou no fim de 2020 e falaram que não iam renovar. Pronto, acabou assim. Daí veio uma coisa forte na minha cabeça: "eu não posso errar na escolha do meu próximo time, não posso errar".

Marcos Freitas/Agência Mirassol Marcos Freitas/Agência Mirassol

Eu tô pronto!

Para quem não sabe, eu já tinha jogado no Mirassol. Foi antes de ir pro Figueirense. Ou seja, foi depois do Mirassol que minha carreira deslanchou. Aqui era o lugar, não tinha jeito. Não tem o que pague a sensação de estar num lugar onde as pessoas torcem por você.

É claro que eu vi outras coisas também. Vi que tinha pessoas sérias, gestão, estrutura, torcida apaixonada e planejamento. Aliás, a estrutura que o clube tem hoje, eu creio, muitos times da Série A não têm. Uma coisa que pesou também foi ver que o técnico era o Eduardo Baptista.

A gente tem um negócio em comum, né? As pessoas julgaram ele de forma muito cruel no Palmeiras. Hoje, convivendo com ele, vejo que não é nada daquilo. Não tinha necessidade de ele ter passado pelo que passou. Mas tudo bem, hoje ele está mostrando como é um grande treinador. E eu também estou conseguindo ter boas atuações. Vocês até me perguntam se eu penso em voltar para a Série A no segundo semestre. Cara, meu pensamento agora é totalmente focado para chegar à final do Paulistão. Nesse momento, antes de mais nada, quero terminar esse ciclo com um título. Sei que é difícil, mas temos condições.

Na primeira reunião com todo o grupo, o Eduardo falou que quem veio para cá pensando em só fazer pontuação para não cair para a Segunda Divisão tinha vindo para o lugar errado. Aquela ideia implantada no início se fez valer e agora vamos tentar fazer história. Ah, e se tiver decisão por pênaltis eu vou estar pronto mais uma vez.

Marcello Zambrana/AGIF

Alex Muralha contra o São Paulo

A história de Alex Muralha tem um novo capítulo hoje, às 20h30, nas semifinais do Campeonato Paulista. O rival do Mirassol é o São Paulo, no Morumbi. O time do técnico Hernán Crespo é dono da melhor campanha do torneio e tem o ataque mais eficiente do Paulistão, com 32 gols marcados. A partida será mostrada apenas no Premiere.

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