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Ângelo Assumpção e a mãe, Magali, falam de racismo e da demissão do Pinheiros: "não é o clube, mas as pessoas"

Demétrio Vecchioli e Roberto Salim Colaboração para o UOL, em São Paulo Esporte Clube Pinheiros/Divulgação

O isolamento de Ângelo Assumpção já dura 11 meses. Enquanto outros ginastas que, como ele, sonham com as Olimpíadas de Tóquio-2020 (que será disputada em 2021), treinam confortavelmente em Portugal, o paulistano de 24 anos faz exercícios no quintal de casa. A pandemia faz pouca diferença quando o que impede o garoto de treinar é, no seu entender, o racismo.

Quinto colocado no salto e sexto no solo no último Campeonato Brasileiro de Especialistas na ginástica artística, Ângelo foi afastado pelo Pinheiros em outubro do ano passado, quando recebeu uma suspensão de um mês. Supostamente por procurar levar queixas à diretoria do clube, passando por cima dos técnicos. Ao fim da suspensão, foi demitido.

Depois de 16 anos lapidando uma joia, o Pinheiros a abandonou. Natural seria que qualquer outro clube visse ali uma oportunidade de contratar um reforço de peso para a equipe e pleitear encerrar a hegemonia do clube da elite paulistana, hexacampeão brasileiro com Ângelo. Mas ninguém lhe deu abrigo.

"Desde pequeno aqui em casa eu aprendi uma lição: em qualquer atividade eu teria de ser três vezes melhor para ser reconhecido. E assim foi a minha carreira até agora. Só que há momentos em que é cansativo ter que mostrar o nosso valor a toda hora", lamenta.

Parado e sem perspectiva, entrou em depressão. Agora que está superando a doença, com o auxílio de uma psicóloga, fez uma promessa a si próprio. "Nunca mais entrarei em depressão. E vou voltar a competir. Estarei num futuro próximo treinando. E não vou me limitar a competir somente em algum clube brasileiro. Se é para passar perrengue, posso passar fora do Brasil também".

Esporte Clube Pinheiros/Divulgação

Clube escolhido em sonho

Com a cabeça no travesseiro de uma casa no extremo leste de São Paulo, Magali Dias de Assumpção sonhou que seu filho pegaria um elevador e cresceria na vida como ginasta. Naquele momento, em 2004, Ângelo, aos sete anos, procurava um novo clube depois de o projeto do qual participava no Centro Olímpico, da prefeitura, ser encerrado.

O ginásio do Serc/São Caetano não tinha elevador, nem o do Mesc/São Bernardo. Magali entendeu o sinal divino: Ângelo deveria treinar no Pinheiros, único dos três clubes que o aprovaram em testes que tinha elevador. A relação que começou com o sonho, porém, não acabou bem.

"O Pinheiros até é um ótimo clube. O problema não é o clube, eu vou deixar bem claro. E sim as pessoas, as pessoas que trabalham no clube. Mas o clube em si mesmo não. Tem suporte muito bom e a gente não pode se queixar do clube em si. O problema são os funcionários do clube", diz ela, sem dar nomes.

Por mais de uma década, Ângelo e a ginástica masculina do Pinheiros ascenderam juntos. O auge, para o ginasta, foi o ouro conquistado na Copa do Mundo realizada em São Paulo. Não que isso significasse que o garoto brigaria por medalha na Olimpíada, mas o fato de o torneio ser no Brasil deu a ele uma visibilidade inédita. E, em seguida, como se o cabo de aço tivesse sido rompido, veio a queda livre.

Lalo de Almeida/Folhapress Lalo de Almeida/Folhapress

O racismo revelado em vídeo

Semanas depois daquela medalha de ouro, Ângelo foi gravado pelos próprios colegas de seleção sendo vítima de ofensas racistas. Seus agressores eram outros três jovens da seleção: Fellipe Arakawa, do Minas Tênis Clube, Henrique Flores, enteado do técnico da seleção brasileira Marcos Goto (que é negro) e seu atleta em São Caetano, e Arthur Nory, também do Pinheiros.

Até então bons amigos, Nory e Ângelo romperam. Os dois passaram a treinar em horários diferentes e o clima no ginásio do Pinheiros pesou. Enquanto isso, o garoto negro se via dividido, como contou à época. De um lado, a vontade de apaziguar ânimos e focar na carreira. De outro, quem defendesse tolerância zero.

"Minha mãe vinha direto falar comigo: 'Por que ele fez isso? Você não vai processar?'. E eu falava: 'Mãe, não é bem assim, foi uma coisa desconfortável, mas vamos resolver isso da melhor maneira possível para não influenciar na minha ginástica e nem na do Arthur'. Nós queremos apagar isso, pois temos um objetivo maior: representar o Brasil nas Olimpíadas", disse Ângelo ao Globo Esporte meses depois.

Mesmo assim, a Associação Educafro entrou na Justiça em defesa de Ângelo e contra a CBG, Fellipe Arakawa, Henrique Medina e Arthur Nory. O caso foi arquivado porque, recentemente, a ONG deixou de se manifestar nos autos. Na prática, desistiu do processo.

Ângelo, então com 19 anos, ficou no meio do fogo cruzado. Desde então, passou a ver com mais clareza, no entender de pessoas próximas, que vivia em uma sociedade racista. Isso dentro de um clube da elite paulistana que, naquele momento, era investigado pelo Ministério Público por discriminar babás —muitas negras como ele.

Ricardo Bufolim/site de Ângelo Assumpção

Versão do Pinheiros para dispensa é breve

Por enquanto, essa é uma história que tem só um lado. Ângelo diz que não entende por que foi demitido e reclama ter sofrido racismo dentro do ginásio. O Pinheiros diz que a decisão da dispensa foi tomada levando em consideração questões técnicas, financeiras e comportamentais, mas não vai além disso. Outras pessoas envolvidas estão proibidas pelo Pinheiros de dar entrevistas e, por isso, suas versões ainda não vieram à nota.

Ângelo entende que "a questão do racismo é histórica". "O problema do racismo não é dos pretos. O problema do racismo é de quem está tendo a atitude racista. Tudo o que eu fiz no Pinheiros foi tentar que o ambiente ficasse mais saudável", ele diz.

Por algum tempo, deu certo. Tanto que, em junho do ano passado, o Pinheiros publicou reportagem em seu site bastante elogiosa ao ginasta, que retribuía. Um dos elogiados foi o técnico Hilton Dichelli Jr., o Batata, que o acompanhava desde a infância.

"A gente tem uma relação bem pai e filho mesmo. Não é sempre sorrisos, abraços e carinhos, porque tem um trabalho no meio também. Mas hoje que eu estou mais maduro, enxergo isso de forma muito mais tranquila e vejo ele como um parceiro, um pai mesmo, pois querendo ou não ele fez parte da minha formação como atleta e ser-humano", disse na ocasião. Quando e se os técnicos foram autorizados a falar sobre o assunto, as mensagens não deverão ser amistosas.

Ricardo Bufolim/site de Ângelo Assumpção

"Como se fosse um desconhecido"

Três meses depois daquela reportagem elogiosa, Ângelo foi dispensado do Pinheiros e deixou o clube pela porta dos fundos. Literalmente: depois de ser informado que seu crachá havia sido cancelado, ele teria pouco tempo para limpar o armário, se despedir de algumas poucas pessoas e girar a catraca pela última vez.

"Não consigo esquecer o dia em que me puseram para fora de lá após a rescisão. Diziam: 'vamos embora... vamos embora...' me tocando como se eu fosse um desconhecido que não passou boa parte da vida lá dentro. Como se eu fosse um marginal."

Em um e-mail anexado a um relatório interno de auditoria publicado pelo Esporte Espetacular, da rede Globo, o coordenador da ginástica do clube, Raimundo Blanco, explicou que a decisão havia sido tomada porque Ângelo "tomou a decisão de não respeitar hierarquia e passou por cima do treinador e do supervisor ao levar uma ou várias reclamações para a gerência de esportes".

Mesmo sendo o terceiro ginasta mais representativo esportivamente dentro da equipe que tem Nory e Chico Barretto (finalista olímpico e mundial), Ângelo acabou demitido. A família vê racismo na decisão. "Ter opinião própria e orgulho da raça não deveria ser motivo para demissão. Muito pelo contrário, né?", comenta Magali.

Ricardo Bufolim/site de Ângelo Assumpção

Mercado fechado para Ângelo

Desde então, Ângelo tenta se reerguer. Porém, parece improvável que aconteça no Brasil. O país tem só alguns poucos clubes que pagam salários para ginastas profissionais —Minas Tênis Clube, Flamengo, Serc/São Caetano e Grêmio Náutico União. Nenhum se interessou em contratar o ex-atleta do Pinheiros.

O assunto é tabu. Os bons técnicos brasileiros de ginástica artística são poucos e estão em constante diálogo. A regra é um mesmo ginasta ter o mesmo treinador durante toda a carreira adulta, exceto em raras exceções. Ninguém vai admitir publicamente, mas nenhum técnico está disposto a dar nova oportunidade a um ginasta que foi demitido por (oficialmente) indisciplina.

Mesmo assim, Ângelo não desiste e acredita que, se receber uma oportunidade, estará apto a competir em alto nível dentro de um prazo de 10 meses. "Hoje, diria que estou com 30 por cento do meu condicionamento físico, mas a cabeça está firme, apesar do futuro incerto, da preocupação financeira e de não estar treinando adequadamente. Daí a importância do trabalho com a psicóloga".

"Treino aqui no quintal de casa e estou procurando uma academia para fortalecimento muscular. Tentei uma recentemente e não deu muito certo, mas logo encontrarei um local adequado", diz, esperançoso, e admitindo a chance de treinar no exterior, algo que também é improvável. Os que saíram para treinar nos EUA precisam pagar para usar ginásios. Já os clubes portugueses (Benfica, Sporting e Porto, em especial) que têm se reforçado com brasileiros em diversas modalidades não investem em ginástica.

Arquivo pessoal

Racismo é arma contra jovem negro

Enquanto isso, Magali vê o filho com sentimentos contraditórios ao treinar no quintal. "Às vezes fortalece, porque o incentiva a estar preparado quem sabe para o contrato futuro de algum clube. Mas, às vezes, deprime porque é o contrário, não tem nada previsto."

Policial civil aposentada, que encarava duas horas de transporte público para ir e duas para voltar ao levar o filho para treinar, ela sofre ao vê-lo nessa situação.

"Quando um negro está indo bem, ele vai ter sempre um outro que não vai gostar das vitórias dele e vai querer, como dizem, puxar o tapete, né? E qual é a arma que covardemente usam? Principalmente para um jovem? É racismo. Com o jovem negro? É racismo".

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