O novo normal do Paulistão

Clubes paulistas voltam a treinar após 107 dias e quase 3 mil testes de covid-19. Será suficiente?

Arthur Sandes Do UOL, em São Paulo Ettore Chiereguini/AGIF

Clubes tentam cercar o vírus

Os 16 clubes do Campeonato Paulista estão liberados a retomar os treinos coletivos a partir de hoje (1º), exatos 107 dias após a paralisação do torneio por causa da pandemia de covid-19. Para voltar aos centros de treinamento, os times precisaram testar mais de 1,2 mil pessoas e, no processo, gastaram, juntos, ao menos R$ 720 mil com exames.

Um levantamento do UOL revela que a retomada dos treinos ocorre após ao menos 2.794 exames, feitos em 1.295 pessoas, incluindo atletas e alguns de seus familiares, além de integrantes de comissão técnica e funcionários que estejam em contato direto com os elencos.

Até agora, 19 atletas foram afastados para evitar a transmissão aos companheiros. Outros 40 tiveram contato com o novo coronavírus em algum momento dos últimos meses, mas estão recuperados e liberados. Entre funcionários e integrantes de comissões técnicas, 22 profissionais foram isolados por causa da covid-19 e outros 42 tiveram a doença no passado. No total, ao menos 122 profissionais contraíram o vírus, ainda que não tenham tido sintomas.

Todos estes números são uma fotografia deste momento, mas mudam com frequência e tendem a aumentar à medida que os clubes façam novas rodadas de testes. Os 16 clubes foram procurados pela reportagem para compartilhar seus dados, mas Ituano e Santo André não esclareceram quais tipos de testes foram realizados. Desta forma todas estas somatórias são um piso, não um teto.

Rodrigo Coca/Ag. Corinthians

Como funciona cada tipo de teste

Os clubes combinaram com a Federação Paulista de Futebol (FPF) de seguir um protocolo que prevê a realização de dois tipos de exame: o RT-PCR, que atesta a presença ou não do coronavírus em um paciente; e o teste sorológico, que detecta os anticorpos que o organismo produz para combater o vírus.

Pela própria natureza dos exames, cada um deles é usado para uma coisa: o RT-PCR é um retrato do presente, considerado o "padrão ouro" para diagnosticar a covid-19; já o sorológico aponta melhor para o passado, para esclarecer se uma pessoa teve ou não o vírus, o que supostamente a tornaria imune a reinfecções — esta imunidade ainda é assunto debatido entre cientistas.

Com o resultado em mãos, o médico responsável pela testagem precisa informá-lo ao governo estadual. Este repasse de informações é obrigatório para que tanto os exames quanto as pessoas contaminadas apareçam nas estatísticas oficiais. Portanto, entre os 281.380 casos oficiais de covid-19 registrados até ontem (30) em São Paulo, 59 são jogadores profissionais que disputam o Paulistão.

Cesar Greco/S. E. Palmeiras

Corinthians e Palmeiras dão exemplo de testagem

O Corinthians foi o clube paulista que mais jogadores precisou afastar por causa da covid-19: foram oito, quase metade do total de atletas isolados em todo o Paulistão. Em compensação, foi o time que testou mais pessoas antes de voltar aos treinos: 190 no total, incluindo alguns familiares dos atletas, chegando a quase 400 exames.

Os corintianos foram até um laboratório da capital paulista para realizar os exames, cada um em um horário específico para evitar aglomerações. Lá, fizeram os dois tipos de exame (RT-PCR e sorológico). "Se tivéssemos feito só um deles, o resultado positivo seria zero. Em termos epidemiológicos, o procedimento do Corinthians foi perfeito", defende o médico Ricardo Oliveira, responsável pelo laboratório que realizou os testes.

O Palmeiras, por sua vez, estabeleceu um recorde para a volta aos treinos ao realizar 561 exames. Em uma parceria com o Hospital Sírio-Libanês, o clube montou tendas de testagem no estilo drive thru, na área externa de seu centro de treinamento. Dois atletas testaram positivo, e um deles segue afastado.

Ao todo, o Palmeiras já fez seis rodadas de testagem e planeja manter a periodicidade nas próximas semanas. A conta é de 129 pessoas testadas, sem contar os familiares de atletas. "É com este contínuo monitoramento que a gente consegue garantir que nossa população, no departamento de futebol, possa voltar [aos treinos] com segurança", diz Pedro Pontim, médico do Palmeiras.

Santos e São Paulo também usaram os dois tipos de teste e fizeram, respectivamente, 162 e 180 exames cada — cada clube afastou um atleta por covid-19. Para referência, as médias do Paulistão para este retorno aos treinos são de 81 pessoas testadas e 181 exames realizados por clube.

A diferença [no número de testes] era esperada, porque cada clube tem suas condições. Os clubes que têm condições de fazer ambos os testes, vão fazer. Tão ou mais importante do que isso é o questionário que fizemos, que está no protocolo

Dr. Moisés Cohen, presidente do Comitê Médico da FPF

Os exames de pesquisa de anticorpos [como o sorológico] não têm desempenho ideal para diagnóstico. É melhor que eles sejam guardados para um inquérito mais coletivo, ou seja, para saber o percentual da população que estaria teoricamente imune

Dr. Eliseu Waldman, médico infectologista da Faculdade de Saúde Pública da USP

Não adiantaria fazer um RT-PCR em cada jogador e, dando negativo, tratar todo o mundo como liberado. Por isso fizemos exames dos dois tipos, o sorológico também, para cobrir todas as fases do contato com o vírus. É preciso monitorar tudo isso

Dr. Ivan Grava, médico do Corinthians

Cada clube testa do seu jeito

No Paulistão, cada clube interpretou o protocolo da FPF à sua maneira. Enquanto Corinthians e Palmeiras incluíram familiares de atletas na testagem e examinaram mais de 100 pessoas cada, outros clubes testaram bem menos, como Mirassol (35 pessoas) e Inter de Limeira (41).

Enquanto o Oeste passou por seis rodadas de exames, o Mirassol e o Santo André passaram por uma. Teve time que fez apenas um tipo de teste, o sorológico, uma opção que aumenta o risco de contaminação entre os jogadores.

Sem um padrão único, os níveis de segurança variam. Na prática, alguns elencos voltam a treinar mais protegidos do que outros. Questionados, os clubes alegam que "seguem o protocolo da FPF", e de certa forma seguem, mesmo. Mas cada um à sua maneira particular. E a Federação confia nas orientações que deu, ainda que haja disparidade entre os times.

"Se eu tivesse que escolher [um entre os dois testes], seria o RT-PCR. Mas não é crime fazer só o sorológico. Isso não é grave, porque depende muito de como o clube está acompanhando seus atletas. Quem não estiver bem, não vai treinar, fica em casa", opina Moisés Cohen, presidente do Comitê Médico da FPF.

FPF vai pagar os testes pré-jogo

Se faltou padrão na volta aos treinos, a Federação Paulista de Futebol promete que o protocolo de retorno aos jogos é único. A entidade tem uma nova estratégia pronta, que prevê modelo único de testes de covid-19 na véspera das partidas, com os jogadores ficando isolados na concentração até terem os resultados.

"A Federação não pode entrar nos clubes e obrigar a fazer testes; nós podemos é sugerir. Mas para voltar a jogar, de fato a Federação será um pouco mais enfática e vai bancar os testes fechados em uma parceria com um hospital", resume Moisés Cohen, presidente do Comitê Médico da FPF.

Os jogos ainda não têm data para acontecer. Se o Campeonato Carioca foi retomado em meio à escalada de mortes e com adiamento de jogos na última hora, o Paulistão ainda segue indefinido. Quando falou sobre o assunto, na metade de junho, o governador João Doria (PSDB) avisou que "a retomada das partidas será avaliada em fases posteriores" do enfrentamento à pandemia.

Suamy Beydoun/AGIF

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