Dom e a medalha de prata

Willian Lima sonhava em ganhar a medalha olímpica, e com seu filho na arquibancada. Ele conseguiu

Beatriz Cesarini Do UOL, em Paris Michael Reaves/Getty Images
Divulgação

Quando soube que teria chances de disputar uma Olimpíada, Willian Lima conversou com a esposa, Maria Julia Chequito, e compartilhou um sonho: conquistar a medalha olímpica sob o olhar do filho. A inspiração era o georgiano Lasha Shavdatuashvili, que entregou a medalha olímpica ao filho na arquibancada em Londres-2012.

Willian Lima conquistou hoje a primeira medalha do Brasil nos Jogos Olímpicos de Paris, a prata na categoria meio-leve (até 66kg).

"Eu falei para o meu filho que iria colocar uma medalha no pescoço dele. E cumpri".

Dom nasceu em 1º de outubro de 2023 e estava no colo da mãe, em Paris.

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A derrota dói, ainda mais em uma final. Sabia que tinha condições de ser campeão, abdiquei muito da minha carreira, da minha família, de um monte de coisa.

Willian Lima, medalhista de prata no judô (até 66kg)

Michael Reaves/Getty Images Michael Reaves/Getty Images

O lado dolorido da campanha

O único adversário que Willian Lima não conseguiu derrotar foi o japonês Hifumi Abe, quatro vezes campeão mundial e, agora, bicampeão olímpico. A final foi difícil. O japonês encaixou dois waz-aris, que se transformaram no ippon do placar final.

Foi a primeira vez que Willian lutou contra Abe. O brasileiro reconheceu que essa falta de enfrentamento atrapalhou sua estratégia na final. "Ver por vídeo e sentir na pele é diferente. Depois que eu tomei o primeiro waza-ari, senti que se eu confiasse um pouco mais, se acreditasse mais em mim... Eu devia ter acreditado", disse ele, após a luta e em lágrimas.

A dor foi sentimental, mas também física. Willian contou, depois da competição, que lutou lesionado.

Venho carregando uma lesão há um ano e meio. É uma ruptura de tendão supraespinhal do ombro. Isso afeta bastante no judô, precisamos dele para controlar a distância. E comecei a sentir dor logo na segunda luta. Atrapalhou um pouco.

Willian Lima, judoca medalhista de prata, sobre a lesão no ombro esquerdo

Michael Reaves/Getty Images

O caminho para a medalha

O caminho para a medalha teve início contra o uzbeque Sardor Nurillaev. A vitória veio com um waza-ari (placar de 1 a 0) quando Willian estava pendurado: tinha duas penalidades e se levasse mais uma, perderia a luta. Nas oitavas, bateu o Serdar Rahimov, do Turcomenistão, nas punições.

Nas quartas, Bakshuu Yondonperenlei, da Mongólia, mais alto, trouxe dificuldade. Além da diferença na pegada dos dois, o mongol tentava sempre levar a luta para o chão. Willian chegou a perder uma das lentes de contato. O combate foi paralisado depois de um sangramento na cabeça de Yondonperenlei. Serviu para recuperação de forças por parte do brasileiro. A luta foi para o golden score, e nele, Willian encaixou um bonito waza-ari.

Na semifinal, a vitória sobre Gusman Kyrgyzbayev, do Cazaquistão, trouxe a confirmação da medalha.

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Judô com traços de ginástica

O judô de Willian Lima ganhou traços de ginástica. Não só pela semelhança física que ele tem, pela altura e desenvolvimento muscular dos membros superiores. Teve até um episódio curioso com a delegação da ginástica.

"Uma vez, a gente estava indo para uma competição junto com os ginastas e alguém falou: 'Você é da ginástica também?' O (Arthur) Zanetti estava do meu lado, eu olhei para ele e ele olhou para mim, nem sei se ele se lembra disso aí, falei: 'Não, eu sou do judô'".

A influência da ginástica veio com as dicas de Francisco Barreto Júnior, ginasta brasileiro com participação em duas Olimpíadas e dono de quatro ouros pan-americanos. Os dois são companheiros de clube, no Pinheiros, de São paulo. A ideia era trabalhar o lado acrobático, para auxiliar na defesa e na aplicação de alguns golpes.

Na reta final da preparação, Willian chegou a se machucar e levar três pontos na região do supercílio. A recomendação médica foi ficar sete dias sem esforço. Como se tratava de um período excepcional, pré-Paris, o jeito foi treinar com a cabeça toda enfaixada. Tudo pela medalha que veio agora.

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Marcelo Maragni Marcelo Maragni

Legado de uma categoria de medalhistas

A medalha de Willian Lima no meio-leve dá continuidade ao legado de outros gigantes brasileiros da categoria: o ouro de Rogério Sampaio (Barcelona 1992) e os bronzes de Henrique Guimarães (Atlanta 1996) e Daniel Cargnin (Tóquio 2020).

O caminho para a vaga olímpica ficou menos disputado para ele porque Daniel subiu de peso. Antes, Willian e ele rivalizavam pelo posto de melhor do Brasil até 66 kg.

"Eu sou mais novo que o Cargnin. Então, senti que tudo que eu ia fazer, ele já tinha feito. Medalha em Grand Slam: eu fazia, ele já tinha feito. Mundial Júnior, ele ganhou em 2017, eu ganhei em 2019. Então, Olimpíada, achava que seria assim também, né?", disse ele, antes dos Jogos. Acabou vindo a prata.

Willian chegou aos Jogos de Paris carregando o bronze individual e a prata por equipes nos Jogos Pan-Americanos de Santiago, em 2023. Nos Grand Slams de judô de 2024, ganhou bronze em Tashkent (Uzbequistão) e Tbilisi (Geórgia).

Marcelo Maragni

A bisavó japonesa na base do judoca medalhista

Willian é cria de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Mas tem na árvore familiar raízes japonesas, berço do judô. "Minha bisavó era japonesa, então já tem no sangue o judô".

Ele começou na modalidade aos 6 anos. Era para ter sido um ano antes. Mas o sensei da época, um japonês rigoroso, queria que metessem a tesoura no cabelo do garoto. Willian não quis, preferiu manter os cachos.

Era para Willian também começar jovem na natação, mas ele não tinha a altura mínima e também era muito jovem para fazer parte do projeto social, que só aceitava crianças a partir de 9 anos."Assim que eu comecei, já me encantei com o judô, já me apaixonei. Tanto pelo lado competitivo, quanto pelo lado de ética, os mandamentos que eles fazem de respeito, educação, humildade. A partir dos 9 anos, eu nunca mais quis parar", contou ele.

Wander Roberto/COB Wander Roberto/COB

A carreira, a partir dos 16 anos, se desenvolveu no Pinheiros, tradicional clube da capital paulista, onde ele seria treinado por Leandro Guilheiro — bronze olímpico em Atenas 2004.

Mas foi a influência inicial da bisavó que moldou o garoto em termos de postura à mesa e aspectos de disciplina. Ela morreu em 2018, era a maior fã de Willian e não chegou a ver o que viria pela frente.

Em 2019, no Marrocos, Willian foi campeão mundial júnior. No mesmo ano, levou bronze na Universíade, na Itália. Agora, veio a prata olímpica. A bisavó plantou a semente do que hoje é a imagem mais marcante da relação entre Willian e o filho Dom.

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